O antropólogo e escritor Darcy Ribeiro certa vez disse que a coisa mais importante para os brasileiros deve ser inventar o país que nós queremos. Não tenho dúvida que o Brasil que nós buscamos é aquele em que a leitura e a escrita entrem para nossa cultura não apenas como um hábito, mas como uma ferramenta de emancipação.

Ler é algo que pode transformar vidas e a sociedade como um todo, mas ainda estamos muito longe de um cenário que projete um futuro com o nível de desenvolvimento que precisamos.

Nosso país figura como o 9º mais desigual do mundo e os efeitos dessa desigualdade se manifesta, entre outras coisas, na disparidade de acesso à informação e aos espaços de leitura. Dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas apontam que das 6.057 bibliotecas públicas que temos no país, mais da metade estão nas regiões Sul e Sudeste e a região Norte é a que menos conta com este tipo de aparelho cultural.

A Lei nº 12.244/2010, por exemplo, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas, estabeleceu 2020 como o ano em que todas as instituições de ensino da educação básica e superior, públicas e privadas, de todos os sistemas de ensino do país, devem contar com bibliotecas e bibliotecários. Obviamente, faltando pouco para acabar o ano de 2019, a meta está muito longe de ser cumprida.

Os efeitos desse descaso são visíveis nos rasos índices de alfabetização e leitura da sociedade. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, mostra que apenas 56% da população se considera leitora e que a média de leitura é de 1,26 livro inteiro lido por pessoa anualmente (retirando os livros didáticos). E dados do IBGE de 2018 apontam que temos um país com 38 milhões de brasileiros ainda analfabetos funcionais.

Nesse sentido, o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Livro e da Leitura e da Escrita, que ocorreu em setembro no Congresso Nacional, é parte de uma extensa agenda de lutas contra o desmonte das políticas públicas de estímulo à leitura, à escrita e aos livros e o fortalecimento de uma ideia autoritária de educação e de sociedade.

Deputada Fernanda Melchionna faz a leitura do Manifesto contra a censura durante o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Livro e da Leitura e da Escrita. Foto: BrunaMenezes / Divulgação

Com grande presença de livreiros, escritores, editores, bibliotecários e entidades de classe comprometidas com o tema, a Frente reuniu dezenas de deputados e senadores, expressando unidade na defesa da literatura como direito humano e da democratização do acesso ao livro que abarque nossa pluralidade social e cultural e a diversidade humana.

O espaço também cumpriu o importante papel em se posicionar publicamente contra o avanço do autoritarismo, expressa na tentativa do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, de censurar um livro que continha um beijo gay na Bienal do Livro da cidade. Sob os gritos de #CensuraNuncaMais, lançamos um manifesto contra a censura deixando claro a unidade em torno da defesa das liberdades democráticas. Há e haverá resistência.

A Frente pretende ser um instrumento a serviço das demandas dos movimentos que historicamente lutam pela democratização do acesso à informação. É preciso pressionar pela implementação do Plano Nacional do Livro e da Leitura, acompanhar e lutar contra o desmonte de programas importantes como o Programa Nacional do Livro Didático e Programa Nacional Biblioteca da Escola que promovem a democratização do acesso ao livro e a leitura nas escolas.

Entre outros desafios estão a construção da Política Nacional da Leitura e Escrita, instituída pela Lei nº 13.696/2018 e que previa que até o fim do primeiro semestre deste ano já haveria as diretrizes para a próxima década. Não só o governo Bolsonaro não criou as diretrizes como também restringiu a participação da sociedade civil no conselho consultivo. É preciso lutar para que essa importante política pública saia do papel e vire uma diretriz de Estado e não de governo.

Queremos fazer desta frente uma trincheira de luta, uma ferramenta para amplificar as vozes em defesa das políticas públicas para leitura e das liberdades democráticas e, principalmente, um ambiente de articulação entre os diferentes atores sociais comprometidos com a luta do livro, da leitura e da valorização das bibliotecas públicas para que possam se organizar com força e estratégia e resistir aos desmontes na área e pressionar por mudanças estruturais.

Porém mais que isso, usar a leitura como uma forma de mudar a trágica realidade de um Brasil tão desigual. Como sabiamente já disse Paulo Freire, hoje tão atacado por quem nunca o leu, não basta saber decifrar letras, é necessário aprender a ler a realidade para poder transformá-la. O maior objetivo da educação é a tomada da consciência para a ação.

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