É isso o que esse texto é. Diz-se que em tempos hipermodernos tudo é líquido: as relações pessoais, a relação profissional, o tempo que dispomos para o descanso, o modo como buscamos e absorvemos informações… Tudo líquido. Tempo em que até os amores são líquidos (para usar a expressão tão presente na teoria de Zigmunt Bauman). Boiando nessa pós-modernidade caudalosa, o mar que nos amedronta e nos fascina é o ciberespaço. É nele que navegamos, seres virtuais que nos tornamos, para buscar não sei o quê, para nos alimentar de uma comida que nunca nos preenche. O vazio permanece, a fome de conhecimento não foi morta, com toda a democratização do conhecimento.
Tempo de e-leitura
Mesmo com toda uma enxurrada de informações, parece não sabermos como começar, o que escolher, em que fonte confiar. Aquilo que era decisão do jornalismo, agora é decisão de qualquer cidadão que esteja mergulhado na cibercultura. Apenas como exemplo dessa indecisão, cito a enciclopédia virtual Wikipédia. Antes, enciclopédia era pesquisada por estudantes ávidos por conhecimento e ninguém questionava a veracidade das informações ali impressas, mesmo sem saber quem teria sido o autor de cada artigo ali disposto (as enciclopédias sempre foram produto de muitas mãos). Hoje a Wikipédia abriga inúmeros colaboradores anônimos e, no entanto, seu conteúdo é visto com um olhar de desconfiança.
Em tempos em que culpamos o tempo por sua ausência, ler um livro parece ser uma atividade que perde terreno para o hipertexto, onde leitor decide o que quer seguir, e onde parar, tornando-se um coautor. Podemos chamá-lo de e-leitor. Há espaço para leitura de entretenimento (cito a literatura aí) fora do ciberespaço? Há espaço para a leitura linear com cheiro de papel? As pessoas pós-modernas estão lendo mais? Tempos estranhos, sim, em que nos movemos ao revés de nossas decisões. E somos cobrados a estar conectados, presos nas redes sociais, como peixes capturados por um barco comercial. Peixes aos milhões, presos, prontos para o abate. E estranhamente felizes por estarem aí, nas redes, enlaçados. Amizades líquidas. Quanto mais informações e amigos temos, menos sabemos o que fazer com isso.
Leitura em tempos líquidos
Mas, voltando à questão da leitura em tempos líquidos: será que nossa leitura também não está sendo liquefeita? Essa rapidez que o mundo contemporâneo nos impõe, não está fazendo de nós leitores outros? Com outras habilidades? Lemos um livro, vendo um filme, assistindo à TV e mudando as páginas da web… tudo junto e misturado. E disso tudo, apreendemos o quê? Depois de uma multileitura o que fica? A dinâmica de leitura é outra; os suportes são outros.
Nos passos da etimologia: palavras curiosas
Não posso esquecer que este texto era para ser uma resenha e gastei metade da página discorrendo (liquidamente) sobre leitura, ou a falta dela, ou ainda, a pobreza dela. Retomando, a dica de leitura desse mês, para os poucos que leem minhas resenhas (serão leitores ou e-leitores?) e quase não dispõem de tempo para o prazer de ler por ler, indico um livro que é uma espécie de dicionário, ou uma enciclopédia, sobre a origem e curiosidades das palavras. É para ser lido assim, aos poucos, aleatoriamente, como um e-leitor, já acostumado a abrir link e abandoná-los tão rapidamente em face de outro link. O dicionário organizado por Roosevelt Nogueira de Holanda é um convite para a viagem através da língua. Ou melhor, procura-se a etimologia dos vocábulos, em informações enciclopédicas, termos que usamos e, por força do uso, já não ligamos a origem com o sentido que fazemos deles. É sempre bom retornar ao passado, ainda que esse passado não seja o inaugural. Todas as origens são suspeitas. E, quando se referem às palavras, toda origem é escorregadia.
Você sabe por que chamamos alguém de acaciano ? E o que fez alguém para o apelidarmos de alcaguete ? Por que algumas mulheres são denominadas de balzaquianas ? Você sabia que a palavra crucial tem muito a ver com a palavra cruz? Faça a associação. E qual a relação entre a palavra jornal e a palavra diária? E o que tem em comum as palavras farrapo, esfarrapado, farroupa, farroupilha? Se você é daqueles curiosos por saber de onde vêm os significados das palavras, esse livro é uma fonte interessante, despretensiosa e repleta de contextos históricos sobre os vocábulos.
Entretanto, se você já é daqueles que vai aos e-dicionários ou à Wikipédia antes de entrar em contato com o livro de carne e osso – papel e tinta – pelo menos o induzi a fazer algo mais proveitoso já, instiguei a sua curiosidade. É a curiosidade que nos lança no mar ou na lama do conhecimento. De qualquer modo, o conhecimento nos vem através delas, as palavras: tão próximas e tão distantes: “Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência a vossa!” (Cecília Meireles).
Título: Palavras: origens e curiosidades
Péginas: 527
Ano de edição: 2010
Editora: Francisco Alves
Preço: R$ 55,00