Há mais de vinte anos à frente do Sindicato de Bibliotecários do Estado de São Paulo (SinBiesp), Vera Stefanov é uma das bibliotecárias que vai participar das eleições municipais deste ano. Candidata à vereadora na cidade de São Paulo pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Stefanov conversou com a Biblioo sobre sua trajetória política, candidatura, propostas de campanha. Ela também avaliou as políticas para área do livro e leitura de São Paulo e destacou a necessidade de expandir o número de bibliotecas: “São Paulo tem apenas cem bibliotecas. É pouquíssimo. Já estamos chegando a quinze milhões de habitantes. Deve haver uma expansão e urgente”. Nesta entrevista Vera enfatiza a importância das bibliotecas públicas para o país.
Conte um pouco de sua trajetória política. Como iniciou sua história na política partidária?
Todos nós que vivemos em sociedade somos naturalmente políticos, como deduziu o filósofo Aristóteles. Contudo, eu só passei a prestar mais atenção sobre como muitas de nossas decisões e atitudes têm conotação política quando comecei a trabalhar em empresas estatais. Primeiro, foi na Fundação Padre Anchieta/TV Cultura, depois na Companhia de Seguros de São Paulo, onde tive oportunidade de implantar uma biblioteca especializada e, depois, transformar essa área em um Centro de Documentação com uma pequena galeria de arte em anexo. Na Fundação, eu ouvia falar sobre a ditadura e a censura e comecei a me interessar pelo noticiário político. Comecei também a ler mais e tomar consciência de que precisávamos voltar à democracia, para que todos tivessem oportunidade de escolher governantes identificados com o povo e suas necessidades. Alguns anos depois, já com minha própria empresa, percebi que a política também estava presente até mesmo nas negociações com clientes e no convencimento sobre a necessidade de contratação de bibliotecários e de organização de um acervo mais diversificado. Paralelamente, fui chamada por um grupo de colegas para me filiar ao Sindicato dos Bibliotecários do Estado de São Paulo (SinBiesp). Aceitei, logo depois, concorrer para presidente com a única intenção de implantar a convenção coletiva de trabalho e “organizar” as condições de trabalho para o bibliotecário. Até então não havia absolutamente nenhuma regulamentação voltada para os bibliotecários conforme se encontrava em outras categorias organizadas em sindicatos – como até hoje ainda falta muito, principalmente, fora do estado de São Paulo, no restante do país. Era inicio dos anos noventa, o país estava “borbulhando” politicamente, com a volta da democracia. E havia um grupo de sindicatos e associações de artistas, intelectuais e dos profissionais voltados para cultura que se reuniam toda semana na Câmara dos Vereadores para discutir o incentivo à cultura e à leitura. Diversas leis que existem hoje tiveram origem nesse Comitê Cultural, aqui de São Paulo. Lá estava a política novamente, mas ainda sem conotação partidária. A proximidade com instituições que congregam escritores e dirigentes de bibliotecas, em várias esferas, foi se ampliando assim como minha participação em grupos de debates, em feiras e outros eventos ligados à literatura e educação. Também comecei a participar mais de movimentos populares de apoio à democracia e em defesa de políticas públicas de combate à imensa desigualdade social existente em nosso país.
Você é candidata à vereadora de São Paulo na coligação, “os sonhos podem mudar”, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Como surgiu a ideia de formar essa candidatura?
Estou há mais de vinte anos à frente do SinBiesp, sempre trabalhando pelo fortalecimento da educação e cultura e, em especial, por mais investimento em bibliotecas e no patrimônio histórico e cultural. Em 2014, um colega que está conosco na chapa do sindicato, tomou contato com o PSOL e me convidou para uma reunião com o vereador Toninho Vespoli. Nessa reunião coloquei vários pontos que necessitariam melhorar nestas áreas para a cidade de São Paulo. Passaram-se alguns dias, uma das assessoras do vereador me liga para uma nova reunião, quando conheci outras pessoas do partido e fui convidada a me candidatar nessas eleições para o legislativo municipal. Sinceramente, me pegou de surpresa. Disse que ia pensar. Passando alguns meses, me cobraram a resposta, pedi mais uns dias para refletir bem e, então, resolvi aceitar. Justamente porque analisei o estatuto do partido e acredito que há um ideal compatível com que penso.
Fale um pouco das propostas de campanha de sua candidatura. Quais são os projetos para a área do livro, leitura e bibliotecas?
Tenho detalhado as propostas na minha página no facebook. Elas abrangem, obviamente, políticas públicas para bibliotecas e de incentivo à leitura, mas também se dirigem a resolver carências que a cidade tem para uma melhor qualidade de vida dos moradores e, em especial, para mulheres e homens que chegaram à terceira idade. Não tenho dúvidas que necessitamos expandir o número de bibliotecas, de grande e de médio porte. Bibliotecas modernas, que se tornam populares, que possam ter programas integradores com a comunidade, de incentivo a leitura, com atividades, com escritores e apoio aos iniciantes na arte da literatura. É fundamental essa expansão. São Paulo tem apenas cem bibliotecas, considerando as dos Centros Educacionais Unificados (CEUs). É pouquíssimo. Já estamos chegando a quinze milhões de habitantes. Deve haver uma expansão e urgente. Para as bibliotecas de escolas, vamos propor projeto de lei que venha ratificar a Lei Federal 12.244 de 2010. As escolas devem ter bibliotecas com bibliotecários. É inconcebível uma escola não ter biblioteca. E se a escola estadual está dentro do município de São Paulo, ela terá que cumprir a Lei. Também penso em propor a criação do Centro de Expressão, Cultura e Informação nos bairros. Seriam pequenos, com uma pequena biblioteca com bibliotecário, obviamente. Mas, que seja possível haver uma convivência com as pessoas daqueles quarteirões, que queiram mostrar suas coleções de fotos, de flâmulas, de selos, ou suas performances teatrais, multimídias. Um local para as pessoas do bairro se encontrarem, comentarem sobre livros, filmes e a suas histórias de vida. Para o idoso, é preciso mais espaços de acolhimento e mais centros para que passem o dia. Muitas famílias não têm com quem deixar uma pessoa idosa e com os problemas naturais da idade, esquecimento, dificuldade para se locomover, entre tantos problemas, esses locais serviriam para que as pessoas deixem o idoso pela manhã e busquem à tarde. E, transporte preferencial exclusivo. Tenho muitas outras propostas para o esporte, transportes, educação, saúde, meio ambiente, que estão e estarão sendo divulgadas na minha página nas redes sociais.
Como você avalia as políticas públicas para a área do livro e da leitura de São Paulo?
Políticas públicas para a área do livro e leitura são incipientes, pouco inclusivas e deixam muito a desejar. São de uma dimensão tão pequena para uma cidade do tamanho de São Paulo que podemos dizer que não as temos. Embora tenha havido alguns avanços, falta muito mais. Em recente estatística, 40% das crianças brasileiras, até o 3º ano de ensino fundamental, não sabem ler. E 38% dos que estão em curso superior não sabem ler e escrever plenamente. Os dados são nacionais, porém refletem também um desempenho nada satisfatório na maior cidade da América Latina. É preciso criar e apresentar muitos projetos inclusivos para o livro e as bibliotecas, facilitando o acesso em todos os locais públicos em todos os níveis de leitura. Incluindo-se aí também as adaptações aos meios digitais, como e-books, por exemplo. Mas sempre tendo o livro papel como a maior referência.
Como você encara o papel das bibliotecas públicas e escolares no processo de democratização da leitura?
As bibliotecas públicas são fundamentais para a cidade, o estado e o país. São nelas que se têm a memória e a guarda das coleções de raridades, que reúnem e disseminam o conhecimento. São nelas que as crianças também aprendem a respeitar e valorizar o que é coletivo. Como citei anteriormente, a expansão das bibliotecas públicas é imprescindível. Devem ser ampliadas as verbas destinadas para compra de livros, inclusive de obras raras, e para o quadro de profissionais, permitindo também a manutenção de departamentos próprios de higienização e restauro. É simplesmente inconcebível uma escola não ter uma biblioteca com o profissional bibliotecário, importante não só do ponto de vista da gestão e atualização do acervo como para que a biblioteca seja um espaço vivo, democrático e integrado ao processo pedagógico. Outro ponto relevante são as bibliotecas itinerantes, instaladas em veículos que podem circular em diversos bairros. Este projeto já existente aqui em São Paulo, deve ser totalmente reformulado, modernizado e com contratação de bibliotecários para otimizar as atividades desse trabalho nesses veículos. Penso, também, em alternativas e projetos de incentivo à leitura também para bicicletas e outras formas de transportes não poluentes.