São Gonçalo, município localizado na Região metropolitana do Rio, promoveu o I Salão Municipal do Livro: São Gonçalo cidade leitora entre os dias 10 a 12 de março de 2015, aberto ao público e com entrada franca. A data foi escolhida porque no dia 12 é comemorado o Dia Municipal de Incentivo à Leitura. Não podemos esquecer que este também é o Dia do Bibliotecário.
O evento literário foi realizado na casa de show I9 e contou com a participação de ilustres personalidades como: Thalita Rebouças, Zuenir Ventura e Mauricio de Souza. Também estiveram presentes escritores gonçalenses.
Irei situar o município apresentando alguns dados sobre a população, a educação e a cultura do lugar. Também irei expor a minha opinião sobre evento fazendo uma comparação ao 4º Salão de Leitura de Niterói, em 2014.
São Gonçalo, uma cidade esquecida
A cidade de São Gonçalo (SG) foi fundada em 1579 pelo colonizador Gonçalo Gonçalves. No século XVIII, houve um grande progresso econômico, pois produzia os seguintes produtos: açúcar, aguardente, mandioca, feijão, milho e arroz. O comércio também se desenvolveu muito e fazia intercâmbios com vários portos do Rio de Janeiro.
Atualmente, o município é constituído por cinco distritos: São Gonçalo, Ipiiba, Monjolo, Neves e Sete Pontes e possui uma área territorial de 247,709km². Segundo último o Censo (2010), o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM 2010) era de 0,739 e sua população estava estimada para 2014 em mais de 1 milhão de habitantes.
Ainda assim, vemos que a educação deixa muito a desejar. Segundo o Censo Escolar (2012), havia 273 escolas de Ensino Pré-escolar, 368 escolas de Ensino Fundamental, 107 escolas de Ensino Médio. O município possui quatro universidades, sendo: uma pública, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro para formação de professores (UERJ-FFP) e três particulares, a Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), a Faculdade Paraíso e a Estácio de Sá.
Infelizmente, vemos sempre o Sindicato, os professores e os alunos fazendo manifestações em frente à Prefeitura por melhores condições, como afirma Mário Lima Júnior em seu texto “Má administração atinge a educação no município”, onde foram gastos com a educação “[…] R$ 12 milhões para implantação de um programa de leitura nas escolas, enquanto nem biblioteca elas têm. No site Mapa da Cultura no RJ, consta que, no município, há apenas uma biblioteca pública municipal criada em 1942. Esta se localiza, desde 1988, no prédio do Centro Cultural Joaquim Lavoura, conhecido como Lavorão, e seu acervo possui um pouco mais de 20 mil livros.
Este Centro Cultural localiza-se no bairro Estrela do Norte. Tal informação também já foi exposta no site SRZD (2010):
“Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e encomendada pelo Ministério da Cultura mostrou os perfis das bibliotecas públicas municipais de todo o país. Em 2009, 92% dos municípios do Sudeste possuíam ao menos uma biblioteca aberta, o que corresponde a 1719 bibliotecas em 1529 municípios. São Gonçalo obteve um dos piores resultados. De 1719 bibliotecas, apenas 0,10% está na cidade.
Com quase um milhão de habitantes e com a classificação de segunda cidade mais populosa do Estado, o município conta apenas com uma biblioteca que fica localizada no Centro Cultural Joaquim Lavoura e está passando por reformas. Para o advogado Erim
Martins, de 29 anos, o acervo da biblioteca é muito bom, porém precisa ser mais atualizado.”
Lembro-me que, na época de escola, o Centro Cultural Joaquim Lavoura suprimia a necessidade de alunos, principalmente, os oriundos de escolas públicas, pois a maioria das escolas gonçalenses não possuía bibliotecas, inclusive as escolas particulares que, às vezes, apresentavam uma estante e dizia que era a biblioteca da escola. O município também não possui um teatro municipal.
Sobre a questão da nomenclatura, biblioteca ou centro de cultural, o professor Luís Milanese expõe de modo crítico a sua opinião no livro “A casa da Invenção: Biblioteca [ou] Centro Cultural” (2003, 4ª ed.). Quem tiver interesse, vale à pena ler este clássico.
O evento
Conforme estava previsto na programação do Salão Municipal do Livro, o primeiro dia teria abertura a partir das às 15h. Particularmente, achei bem interessante a programação, com palestras, mesas redondas, oficinas, contação de histórias e conversa com autores. O evento homenageou o escritor Affonso Romano de Sant’Anna com o seu poema “Erguer A Cabeça Acima Do Rebanho”.
Ao chegar ao local no primeiro dia, por volta das 15h30, o evento ainda estava sendo montado (stands de editoras, palcos etc). Havia muita gente esperando, entre crianças e adolescentes, professoras e diretoras de escola (aprox. mil pessoas), muitos ônibus escolares. Estava previsto o comparecimento para a abertura, além do prefeito, os secretários municipais da Educação e da Cultura. Fiquei aguardando um tempo, quando soube que pessoas estavam esperando durante 1h e não tinham nenhuma resposta exata sobre o início e, muito menos, havia previsão para abertura do evento. O motivo para o atraso foi que a casa de show I9 apenas liberou o espaço para a arrumação do Salão de Leitura após às 10h da manhã, pois havia tido show até às 5h da manhã daquele dia 10.
Confesso que fiquei surpresa com tamanha falta de organização, pois estava prevista pela programação que às 16h, uma das mais populares escritoras do público infanto-juvenil, Talita Rebouças, estaria presente falando de sua carreira e dando autógrafos.
Havia muitos adolescentes ansiosos para ter contato com a autora e, ao mesmo tempo, desanimados com a espera. É claro que não fiquei esperando a abertura, pois achei um desrespeito com a população gonçalense. Soube no dia seguinte que a autora Thalita Rebouças foi muito simpática e autografou cerca de 200 livros para a garotada.
No segundo dia (11), ao entrar na casa de show, percebi que este não seria o local ideal para um evento deste porte. As palestras e os lançamentos de livros eram ministrados nos camarotes da instituição e todo o som da área de circulação ficava presente nestes, atrapalhando muito as palestras.
Para mim, o auge do evento foi assitir a conversa com o jornalista e escritor Zuenir Ventura. Ele é o mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras (cadeira 32, substituindo Ariano Suassuna). Segundo este, “sou imortal entre aspas”, brincando e sorrindo para o público diverso que o assistia. Por diversas vezes ele ressaltou a importância da leitura e afirmou “quem não lê, perde muito.” Contou um pouco a sua história, de origem simples e sem acesso a livros, tornou-se jornalista e esta profissão aos poucos o influenciou a ser escritor. Através de muitas histórias, ele pôde criar, fazer ficção. Também mencionou que a leitura leva a lugares maravilhosos e destacou o papel do leitor e da escrita, pois como a leitura é enriquecedora, esta leva o leitor a recriar os personagens. Mencionou que a leitura é um dos prazeres da vida e aconselhou aos jovens que não conhecem, que experimentem e descubram este prazer. Ele afirmou que tudo passa pela educação e pela leitura, pois o Brasil seria um país diferente, porém como a educação passa por questões econômicas, com isso, esta não é valorizada.
Zuenir destacou que o exemplo da leitura tem que vir de casa, pois, muitas vezes, as escolas não mostram esse prazer. Afirmou que a precariedade na educação é algo absurdo (desde a estrutura da escola até a não valorização do professor). Por fim, fez um apelo à democracia. Ele mencionou o momento difícil que estamos vivendo em vários segmentos, porém não deseja a ditadura para o maior inimigo, pois foi um momento de muita censura e que salões de livros, como este que ele estava participando, não poderiam estar ocorrendo se fosse à época da ditadura.
Sua maneira de ver a ditadura me remeteu a uma frase de outro imortal, Rui Barbosa (1849-1923): “A pior democracia é preferível à melhor das ditaduras”. Zuenir Ventura foi muito aplaudido e ainda autografou, aproximadamente, 50 livros no espaço Ponto de Encontro.
Não pude estar no terceiro dia do evento. Para mim, o grande momento deste salão foi à presença do Zuenir Ventura, que no auge dos seus 83 anos, mostrou de forma clara e objetiva a importância da leitura e do livro em todos os tempos.
Ao comparar com o 4º Salão de Leitura de Niterói (Biblioo, ed. 33) pude observar que ambos incorreram com o erro do som que muitas vezes atrapalha (escolha dos lugares que não eram apropriados para palestras). Em São Gonçalo, tal evento foi bem mais simples (com menos stands de editoras, sendo a maioria para o público infanto-juvenil), sendo o seu público composto basicamente por estudantes da rede pública de SG, professoras e diretoras, enquanto em Niterói eram pessoas das mais variadas idades, profissões e classes sociais.
Em Niterói, havia mais stands de editoras até mesmo de editoras universitárias e da impressa oficial. Um stand era destinado às bibliotecas da cidade, com a participação de bibliotecários, o que não aconteceu em SG até mesmo pela inexistência destas.
Essa situação é incoerente, pois na cidade de São Gonçalo existem vários moradores que são bibliotecários e que poderiam estar trabalhando no município ao invés de terem que se deslocar para cidades vizinhas.
Fiquei com dúvida sobre o subtítulo do evento: São Gonçalo cidade leitora, pois me perguntei: será mesmo uma cidade leitora ou seria mais uma cidade de escritores? Pois, como vimos acima, infelizmente, não há política pública para a criação de bibliotecas, pelo menos uma em cada dos cinco distritos da região. De qualquer forma, é mais do que merecida que a população de São Gonçalo tenha cada vez mais esse tipo de evento educacional/cultural, porém mais organizados e mais divulgados.