Evidências rupestres, pictóricas e fotográficas confirmam que o homem, desde o seu aparecimento aos dias atuais, necessitou capturar fragmentos da realidade que registrassem a sua existência, como forma de deter e repassar informações. Independente do suporte, a intenção de comunicar conhecimento através de inscrições foi um processo contínuo e comum a vários povos. Desta feita, as formas de registro ao longo dos anos foram se aperfeiçoando, o rupestre deu lugar à pintura, que manteve seu status de importância, e foi a precursora da fotografia.

Por sua vez, a fotografia, enfoque central desta abordagem, surgiu como apoio à pintura, pois sob a ação da luz, determinadas substâncias reagiam quimicamente, resultando em traços e esboços que auxiliava no processo pictórico. O fascínio causado pela fotografia, não demorou muito, para que suscitasse o seu aprimoramento, que ocorreu no século XIX. Nesse contexto, a fotografia foi utilizada como repositório de informações para diferentes fins, como apoio aos campos da ciência, expressão artística e cultural e ritos sociais, exemplo do álbum de família, casamento e formatura.

Com isso, permitiu que a sociedade visualizasse seu próprio reflexo e assim se consolidou como sendo uma das maiores invenções da humanidade.

Desse modo, nos dias atuais ela é visualizada como fonte de informação capaz de reconstruir o passado de qualquer natureza. Isso é possível no momento que a fotografia é visualizada como um documento que foi definido na tese de Miriam Paula Manini como sendo a “concretização de toda informação registrada (e útil para ser guardada) – independente de qual seja o suporte desta informação”. A partir dessa perspectiva, ocorre a transição da fotografia, que remete às técnicas tradicionais, para a imagem fotográfica, que é percebida como documento fotográfico.

Do discurso visual ao textual

Logo, o tema suscita uma abordagem da realidade exterior, significando tudo que é visível e identificável, tais como: pessoas, coisas, ações, lugares e épocas da imagem fotográfica, relacionando como ocorre a identificação e a representação do referente específico, que aqui se traduz como o detalhamento objetivo do que está contido na realidade exterior, equivalente a: quem?, o quê?, quando?, como? e onde?, sob a ótica da análise documentária, que consiste na aplicação de procedimentos que visam a identificar, traduzir e representar o discurso visual para o textual, com vistas à recuperação da informação.

Registros apontam que o homem, para evoluir e garantir a qualidade de sua sobrevivência, buscou compreender o ambiente que o cercava. A partir disso, criou condições para aperfeiçoá-lo de acordo com as necessidades climáticas, alimentares, memória etc. A cada descoberta realizada havia a necessidade de registrar, a fim de repassá-la à posterioridade; foram diversos os documentos utilizados não-textuais e textuais. De tal forma que a identificação do conteúdo informacional contido nos documentos de natureza diversa impulsionou a inteligência humana a compreender as peculiaridades de cada um, com o objetivo de elaborar meios que permitissem às pessoas resgatarem informações que suprissem suas demandas.

É com base na necessidade de registrar o conhecimento que reside à essência da informação. Sobre isso corrobora Le Coadic, na obra A ciência da informação, quando diz que “comporta um elemento de sentido. É um significado transmitido a um ser consciente por meio de uma mensagem inscrita em um suporte”. Visto isto, é importante compreender que a informação é o motivo, a consequência e a meta, que impulsionam a sociedade, pois ela proporciona a apreensão do ambiente que nos cerca, gera instrumentos que orientam nesta assimilação e, por fim, desperta o desejo pela busca de novos conhecimentos.

A imagem fotográfica como documento

Logo, o termo atribuído aos suportes que contêm informação é denominado documento. A definição adotada segue as contribuições de Le Coadic, que o visualiza como “artefato que representa ou expressa um objeto, uma ideia ou uma informação por meio de signos gráficos e icônicos (palavras, imagens, diagramas, mapas, figuras e símbolos), sonoros e visuais”. Desta maneira, cabe à imagem fotográfica, aqui, ser tratada como um documento sob à luz da Documentação, que por sua vez compõe uma das disciplinas da Ciência da Informação.

Le Coadic acredita e expõe que o interesse da Documentação reside nos suportes, ainda cita esta como uma disciplina que surgiu em fins do século XIX, devido à intensa produção de distintos materiais com valor informativo. Para isso, a Documentação desenvolveu um conjunto de técnicas, que permitem organizar e analisar documentos de qualquer natureza.

É interessante observar que a Documentação, como ramo da Ciência da Informação, emergiu no mesmo momento em que a fotografia se consolidou como forma de registro. E, desde então, o documento fotográfico se tornou uma fonte de informação relevante, que desperta o interesse dos Profissionais da Informação, para o levantamento do conteúdo retido na imagem fotográfica.

No título O que é fotografia, Carlos Kubrusly traduz bem o sentimento que a imagem fotográfica causa em quem a visualiza, “Experimentamos uma espécie de frustração diante de uma fotografia, ela provoca, quase sempre, o desejo de mais informação. Queremos saber sobre o antes e o depois”. Portanto, recai sob o processo e as etapas concernentes à análise documentária, o modo ideal de revelar o conteúdo que está disperso na imagem fotográfica, com vistas à identificação e representação da informação.

A imagem fotográfica sob o enfoque da análise documentária

Os padrões da sociedade atual situaram a imagem fixa a um grau de importância na qual é impossível se esquivar da sua utilização. A finalidade de comunicar ou advertir, ilustrar, recordar e entreter conferiu à imagem estática respaldo, validade e impacto à informação que ela retém. Com base no que foi afirmado, não é exagero dizer que toda imagem fotográfica, seja qual for a sua finalidade, guarda um registro. É esta generalidade comum a todas as imagens fotográficas que as caracterizam como documento, que como tal demandam um procedimento específico: análise documentária.

Este procedimento é essencialmente focado nos documentos textuais, porém, há alguns anos, autores como Boris Kossoy, Miriam Paula Manini, Johanna W. Smit e outros passaram a direcionar a aplicação da análise documentária para a imagem fotográfica, por entenderem que o documento fotográfico é um tipo de escrita, uma fonte de informação “muda”, que necessita da aplicação de técnicas sistemáticas de descrição para obterem sentido e dar “voz” ao conteúdo.

A partir da própria observação etimológica da palavra fotografia (foto = luz, grafia = escrita), que advém do idioma Grego, conforme cita Ivan Lima em seu livro A fotografia é a sua linguagem. Desse modo, é possível comprovar tratar-se realmente de um tipo de escrita, a escrita icônica. Neste sentido, a aplicação da análise documentária, que equivale a um conjunto de etapas sistematizadas, na qual uma etapa proporciona subsídios a outra, permite a identificação, estruturação e recuperação do conteúdo fotográfico. Com isso, Manini alerta que este procedimento de análise com vistas à imagem fotográfica, prescreve que o Profissional da Informação encarregado de fazê-la deve observar o visual com olhos informacionais, visto que a leitura da escrita icônica não é uma tarefa fácil, devido às múltiplas interpretações que o primeiro olhar sugere.

Entretanto, é importante salientar que as contribuições de Erwin Panofsky, crítico e historiador da arte, considerado um dos principais representantes do chamado método iconológico, com estudos acadêmicos em iconografia, foram relevantes para o aprimoramento da análise documentária de fotografia. Na obra Significado nas artes visuais, os níveis de descrição concebidos por Panofsky foram: 1) pré-iconográfico, 2) iconográfico e 3) iconológico, equivale a operações que são facilmente confundíveis, devido aos pequenos detalhes que os individualizam e pela concomitância de ocorrência dos três níveis em um único documento fotográfico.

O pré-iconográfico entre todos os níveis é o mais superficial, compreende a identificação do que está visível na fotografia, não há interpretação, trata-se de uma descrição meramente factual, objetiva, geral e distanciada. O nível iconográfico possui o enfoque completamente voltado à identificação do conteúdo fotográfico, com a intenção de estabelecer respostas para indagações referentes à realidade exterior, ou seja, o testemunho, o conteúdo da imagem fotográfica, passível de identificação. O nível iconológico é a descrição mais complexa, concebida por Panofsky como sendo a derivação do nível iconográfico somado ao método interpretativo, de forma que compreende maior aprofundamento em comparação aos níveis anteriores.

Portanto, é válido afirmar que o nível pré-iconográfico e iconográfico constituem a essência da análise em estudo, uma vez que se concentram em expor informações objetivas, concretas, que a própria imagem suscita, permitindo que o Profissional da Informação que analisa se dirija a outras fontes de informação. Logo, esse profissional, diante de uma imagem fotográfica, deve estar atento aos detalhes observáveis que o direcionará as especificidades do conteúdo. Assim, esse caráter indicial presente na imagem fotográfica, que permite a identificação do que ocorreu é denominado Referente, que pode ser Genérico e Específico. A diferença entre eles vai depender do grau de profundidade do detalhamento na imagem fotográfica.

Além da busca pela identificação do conteúdo, é essencial registrar também a técnica, por sua vez, denominada por Johanna W. Smit como Dimensão Expressiva, significando a forma como a imagem fotográfica se apresenta, ou seja, suporte, cor, dimensão, enquadramento do retratado e outros, pois são essas informações adicionais que diferenciam e enriquecem a descrição fotográfica em comparação à descrição textual, considerando a oferta de detalhamento objetivo e que permite ao usuário recuperar a informação de forma satisfatória e pontual.

A imagem fotográfica como documento de natureza não-textual

José Antonio Moreiro González e Jesús Robledano Arillo  alertam na obra O conteúdo da imagem, sobre a existência de características técnicas que proporcionam significado implícito à realidade externa da imagem fotográfica. Um recurso habitual que confere isso é a cor, simbolizando o estado emocional, época, e que emprega ares de arte. E assim, ocorre com todos os outros recursos, que emitem ou pretendem transmitir, informações não captadas pela máquina. Com isso, a partir do que foi exposto, é possível observar que o processo de análise documentária da imagem fotográfica é composto por etapas interdependentes, ou seja, para revelar o conteúdo é necessário identificar os detalhes da imagem, que direcionam o Profissional da Informação a outras fontes. Em seguida, há a possibilidade de traduzir o visual para o verbal. Este último deve ser representado de modo objetivo e relevante.

Visto isso, percebemos que a imagem fotográfica vai além da captura de um momento vivenciado, pois por meio dela é possível identificar, resgatar e representar o passado. Desta feita, conceituações e estudos teóricos, foram determinantes para comprovar que a imagem fotográfica é um documento de natureza não-textual. Assim sendo, a análise documentária emerge como o processo objetivo, estruturado e denotativo, capaz de revelar o conteúdo externado de forma figurativa, pelo documento fotográfico.

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