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Dez fatos que marcaram a cultura informacional em 2018

Incêndio no Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro> Foto: Marcello Dias/Futura Press/Folhapress

Como tem se tornado comum, o saldo para cultura tem sido mais negativo que positivo ao final de cada ano. Com a promessa da extinção do Ministério da Cultura, o uso e abuso das Fake News e, principalmente, o incêndio no Museu Nacional este cenário parece ter se acentuado em 2018. Mas o ano de 2018 também nos reservou coisas positivas como a aprovação e sanção da Política Nacional de Leitura e Escrita, além do reconhecimento do Cais do Valongo como patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO. Abaixo nós listamos dez fatos que consideramos marcantes neste ano.

1) Crise no mercado editorial

Atribuindo a má fase ao cenário econômico do país e à crise no mercado editorial, a Livraria Cultura abriu um pedido de recuperação judicial em outubro. Dias depois a Saraiva, maior rede de livrarias do país, seguiria o mesmo caminho. Em ambos os casos, ouve fechamento de lojas, demissão de funcionários e não pagamento de credores.

Para muitos especialistas, a crise que atingiu o mercado editorial em 2018 não é apenas conjuntural, mas o esgotamento de um modelo. Mas enquanto os grandes editores se ressentem pelos baixos investimentos no setor, outros profissionais do ramo se ressentem mesmo é do desprezo dos grandes editores que historicamente teriam se preocupado apenas com o seu próprio umbigo (ver aqui e aqui).

Como última tentativa de fazer frente à crise, foi lançada recentemente a campanha “Dê um livro de presente”, que tenta mobilizar as pessoas utilizando as redes sociais e a internet de um modo em geral. Se vai surtir resultado, isso só será possível saber nos próximos meses. Certo mesmo é que o setor precisará se reinventar para os próximos anos.

2) Plano Nacional de Livro e Leitura

Uma das lutas mais importantes do segmento de livro, leitura e bibliotecas nos últimos tempos foi vencida no mês de julho com a aprovação, pelo Congresso Nacional, e posterior sanção da Política Nacional de Leitura e Escrita (Lei nº 13.696/2018) – PNLE.

Pela nova lei, ficam estabelecidas as diretrizes e os objetivos para, entre outros, garantir a universalização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, à literatura, bem como para a democratização do acesso aos diversos suportes da leitura por meio de bibliotecas de acesso público.

Mas a aprovação da lei não é apenas motivo de comemoração, mas de reflexão e de novas lutas. Afinal de contas, uma lei não significa necessariamente a realização de suas previsões. Para que uma lei, bem como qualquer outro instrumento normativo, se faça realizar na prática é preciso compromisso dos governantes, algo pouco comum no Brasil no que se refere à questão cultural.

Senadora Fátima Bezerra, autora do projeto, comemora com a deputada Maria do Rosário, relatora na Câmara, a aprovação do PL. Foto: Vinícius Borba

3) Incêndio do Museu Nacional

O Museu Nacional, uma das instituições museológicas mais importantes do mundo, se viu tomado por um incêndio de grandes proporções no dia 2 de setembro, o que acabou por destruir quase todo o seu acervo, comprometendo não só a memória do país, mas uma série de pesquisas que eram desenvolvidas ali.

O fato gerou grande comoção popular e no dia seguinte à tragédia, diversas pessoas acorreram à instituição. Uma espécie de cortejo fúnebre se formou ao redor do que sobrou do prédio que um dia abrigou a família real. Além disso, o acontecimento gerou repercussão nacional e internacional, inclusive incentivando o desenvolvimento de uma rede de solidariedade para recompor uma parte do que foi comprometido pela tragédia.

Conforme destacamos à época, o incêndio no Museu parece uma síntese do tratamento que os nossos governantes têm dispensado à cultura do país, pois durante a campanha presidencial pouco se viu de propostas para este setor. Uma das propostas apresentadas (após a tragédia, obviamente) foi a criação de uma Agência Reguladora, a Agência Brasileira de Museus (Abram), para administrar os 27 museus que até então estavam sob responsabilidade do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), além da liberação de recursos para a reconstrução do prédio.

Parte dos fundos do Museu Nacional após o incêndio. Foto: Chico de Paula / Agência Biblioo

4) Fake News e Redes Sociais

As chamadas Feke News, bem como as redes sociais parecem ter sido determinantes nas últimas eleições presidenciais. Imagens fora do contexto, áudios com teorias conspiratórias, fotos manipuladas, pesquisas falsas e muita, muita desinformação proliferaram em grupos do Whatsapp e Facebook em ambos os lados da disputa, mas especialmente de grupos pró Bolsonaro.

O jornal a Folha de São Paulo chegou a publicar uma reportagem mostrando que empresas contrataram agências para fazer disparos de mensagens pelo WhatsApp contra o PT, cujo candidato era Fernando Haddad, na semana que antecedeu o segundo turno das eleições, uma prática proibida pela legislação eleitoral, pois configura doação feita por pessoa jurídica.

O papel das redes sociais foi de tal maneira importante que colocou em cheque a hegemonia da televisão na corrida eleitoral. Antes das eleições de 2018, a maioria dos candidatos que venceram ou chegaram ao segundo turno do pleito presidencial tiveram a maior parte do tempo de tv, o mostra o poder deste dispositivo ao longo dos tempos.

5) Ataques à Cultura

Jair Bolsonaro, presidente da República a partir de janeiro, anunciou recentemente que o Ministério da Cultura (MinC) será incorporando-o ao Ministério da Cidadania, uma das novas pastas do seu governo. Neste novo modelo, a Cultura deverá se tornar uma secretaria pouco prestigiada, uma vez que, a julgar pelo perfil do novo presidente, este setor não é encarado como estratégico para o desenvolvimento do país.

Conforme destacamos recentemente, esta medida, dentre as diversas que o novo governo já articulou, é especialmente tenebrosa, uma vez que ela pode ser uma pá-de-cal para o segmento de livro, leitura e bibliotecas, setor historicamente marginalizado pelos governos brasileiros. Como ficará, por exemplo, o Departamento de Livro, Leitura, literatura e Bibliotecas (DLLLB), bem como o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP)?

6) Censura aos livros e às bibliotecas

Capa do livro “Meninos Sem Patria”, de de Luiz Puntel, censurado pelo Colégio Santo Agostinho no Rio. Imagem: divulgação

O Colégio Santo Agostinho, localizado no bairro do Leblon, na Zona Sul do Rio, censurou, a pedido de alguns pais de alunos, a leitura do livro “Meninos sem pátria” (Ática), de Luiz Puntel. Lançado em 1981 e já na 23ª edição, o romance narra a história de um jornalista do interior de São Paulo que, perseguido pela ditadura militar implantada em 1964, teve que fugir do país, se refugiando no Chile e depois em Paris.

Recentemente a inclusão (e posterior exclusão) de um livro infantil da lista de material escolar dos alunos do 4º ano do colégio Le Petit Galois, de Brasília, causou divergências entre os pais de alunos da instituição. A obra “A Semente do Nicolau – Um Conto de Natal” foi retirada do conjunto didático depois de responsáveis pelas crianças perceberem que o autor da obra era o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ).

Em agosto, a Biblioteca Antônio Cândido, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi alvo de vandalismo. Segundo informações da instituição à época, uma pessoa entrou no prédio e marcou, com caneta marcador permanente, símbolos de suásticas e mensagens como “Vai ter massacre #Columbine”.

7) Cerceamento à liberdade expressão

No dia 23 outubro, ou seja, a seis dias do segundo turno das eleições, agentes do Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE/RJ), acompanhados de policiais militares, confiscaram uma bandeira da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), localizada em Niterói, região metropolitana do Rio, onde se lia “Direito Antifascista”.

O fato marcou uma série de ações orquestradas pela Justiça Eleitoral contra as instituições de ensino superior em todo o Brasil. No total, foram 32 ações desse tipo, segundo levantamento feito por Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP).

Após ser acionado Procuradoria-Geral da República, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) validou decisão da ministra Cármen Lúcia que dias antes havia suspendido os efeitos de atos da Justiça Eleitoral para coibir manifestações nas universidades públicas. “A única força legitimada para invadir as universidades é das ideias, livres e plurais. Qualquer rota que ali ingresse é tirana – e tirania é o exato contrário da democracia”, disse a ministra na ocasião.

Faixa do “Direito Antifascista” ocupava a faixada do prédio da Faculdade de Direito da UFF em Niterói. Foto: Facebook

8) ABL nega vaga à Conceição Evaristo

Com o falecimento do cineasta Nelson Pereira dos Santos, o que aconteceu em abril deste ano, abriu-se uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL). Em função disso, iniciou-se uma mobilização na internet, com dois abaixo-assinados virtuais, para que a escritora Conceição Evaristo, reconhecida pela sua militância em favor da causa negra, fosse conduzida ao posto vago.

Nas redes sociais, diversas personalidades se manifestaram em favor da escolha da escritora para ocupar a cadeira cujo o patrono é Castro Alves. Mas mesmo com tantos apelos, a Academia resolveu negar a vaga à escritora que poderia ser a primeira mulher negra a ocupar um assento na mais alta instituição literária nacional. O vencedor foi o também cineasta Cacá Diegues, que recebeu 22 votos, dos 24 imortais presentes à solenidade.

9) Literatura de Cordel como patrimônio cultural

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu hoje em setembro a literatura de cordel como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. A decisão foi tomada por unanimidade pelo Conselho Consultivo da instituição.

“Poetas, declamadores, editores, ilustradores, desenhistas, artistas plásticos, xilogravadores, e folheteiros, como são conhecidos os vendedores de livros, já podem comemorar, pois agora a Literatura de Cordel é Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro”, anuncia o Iphan na ocasião.

O gênero literário é ofício e meio de sobrevivência para inúmeros cidadãos brasileiros. Segundo o instituto, apesar de ter começado no Norte e no Nordeste do país, o cordel hoje é disseminado por todo o Brasil, principalmente por causa do processo de migração de populações.

10) Cais do Valongo como patrimônio cultural da humanidade

O Cais do Valongo, maior porto de entrada de negros escravizados da América Latina, recebeu no dia 23 de novembro o título de Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Construído em 1811 e aterrado em 1911, estima-se que cerca de um milhão de negros desembarcaram no local.

Localizado na Zona Portuária do Rio de Janeiro, o sítio arqueológico foi descoberto em 2011 durante escavações das obras do Porto Maravilha. O Cais foi inscrito na Lista de Patrimônio Mundial da Unesco em 2017 por atender o critério que diz respeito à ligação do local com acontecimentos e tradições vivas, ideias ou crenças, obras artísticas e literárias de significação universal.

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