O Coletivo Nacional de Bibliotecárias e Bibliotecários Negros (CNBN) publicou nesta sexta-feira, 11, uma carta por meio da qual expressa preocupação com a realização do desbaste, ou seja, a retirada de itens do acervo bibliográfico anunciado na última semana pela Fundação Cultural Palmares (FCP) sob a justificativa de que a coleção da sua biblioteca era composto por livros socialistas, marxistas, voltados à “sexualização de crianças” e à “bandidolatria”.

“Embora entendamos que toda biblioteca e unidade de informação tenha direito de gerir sobre seu acervo bibliográfico, e que, por isto, é direito da Fundação as tomadas de decisão quanto ao desbaste de seu próprio acervo, não conseguimos obter informações sobre como esses materiais informacionais foram selecionados para desbaste, quais os critérios de seleção, qual a comissão composta para a avaliação e realização da referida ação”, diz a carta do Coletivo.

Embora a devassa no acervo da FCP tenha sido anunciada há alguns dias, só hoje a instituição publicou um relatório com a lista dos títulos retirados da sua biblioteca e os com os critérios utilizados para isso. Dentre as obras excluídas estão: “A crise do Imperialismo, de Samir Amim (Graal, 1977); “Poemas: Rondó da Liberdade, de Carlos Marighella (Editora Brasiliense, 1994); “Homossexualidade: mitos e verdades”, de Luiz Motte (Editora Grupo Gay da Bahia, 2003) etc.

Segundo o relatório, 54% do acervo é composto de publicações “alheias à missão institucional” da FCP. Parte do material foi dividido em grupos como “iconografia delinquencial”, “iconografia sexual”, “intromissão partidária”, “sexualização de crianças”, “pornografia juvenil”, “técnicas de vitimização”, “livros esdrúxulos e destoantes”, “livros eróticos, pornográficos e ‘pedagógicos'”, “livros de/e sobre Karl Marx”, “livros de/e sobre Lênin e Stalin” e “material obsoleto”.

A FCP explicou que os critérios para o levantamento temático e quantitativo do acervo foram construídos pela equipe técnica do CNIRC, “dentro de suas atribuições legais e profissionais”. São eles: 1) “Ordem Regimental”, que estariam em desacordo com a finalidade da Fundação e 2) “Ordem Legal”, que contrariariam as leis brasileiras que “vetam e condenam a formação de guerrilheiros; a sexualização de menores; a subversão do estado democrático de direito; e a pregação da violência como meio político ou de alteração da ordem social”.

O relatório, intitulado “Três décadas de dominação marxista na Fundação Cultural Palmares”, assinado pelo seu presidente, Sérgio Camargo, também sugere a mudança do nome da sua biblioteca, que homenageia o escritor, intelectual e militante negro Oliveira Silveira em função da sua “mentalidade voltada para a manutenção de um gueto marxista”.

“Oliveira Silveira faz parte da história do negro brasileiro, e deve ser uma presença constante no acervo da Palmares, na forma de suas poesias, artigos e entrevistas. Porém, a escolha desse militante negro para nomear ações da Palmares – a exemplo do prêmio literário da Fundação – e seu próprio acervo, indica claramente a predominância de uma mentalidade voltada para a manutenção de um gueto marxista”, diz o relatório que sugere a substituição por Machado de Assis ou dos Irmãos Rebouças.

“Em qualquer estudo no qual se busque informações sobre o Grupo Palmares, as palavras-chaves que surgem são estas: movimento negro, identidade, reafricanização, resistência, subversão. Ou seja, trata-se de um movimento datado, de mentalidade revolucionária e marxista”, afirma o relatório.

Para o Coletivo Nacional de Bibliotecárias e Bibliotecários Negros, “as atitudes do atual presidente [da FCP] demonstram desapego com as lutas dos movimentos sociais negros da qual a Fundação tem origem, e ao longo de sua história acolheu, preservou e disseminou recursos informacionais que caracterizam a construção da sociedade brasileira”. A carta do Coletivo de Bibliotecários(as) Negros(as) também foi encaminhada à deputada federal Benedita da Silva, presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados.

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