Segundo o Manifesto da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, 1994): “A biblioteca escolar proporciona informação e ideias que são fundamentais para o funcionamento com sucesso em nossa sociedade contemporânea com base em informações e conhecimento. Ela proporciona aos alunos competências para a aprendizagem ao longo da vida e ajuda a desenvolver a sua imaginação, permitindo-lhes realizar-se na vida como cidadãos responsáveis.”
Preste a chegar ao prazo final de 10 anos da Lei Federal 12.244/10, que estabelece universalização das bibliotecas em todas as escolas do Brasil sob os cuidados de um bibliotecário até 2020, nota-se que os avanços efetivos foram poucos.
Em março, tive a oportunidade de participar do I Encontro de Bibliotecas Escolares realizado na Universidade Federal Fluminense (UFF) no Campus do Gragoatá em Niterói (RJ) e de assistir a uma palestra virtual do bibliotecário Dr. Cristian Bayer (profissional do Senado e pós-doutor em História).
O I Encontro de Bibliotecas Escolares: formação dos bibliotecários e iniciativas legislativas foi realizado no dia 26 de março de 2018 e foi uma parceria entre o Conselho Regional de Biblioteconomia da 7ª região (CRB-7) com o Grupo de Estudos e Pesquisa em Sociologia, Política e Educação (GEPSPE) da Faculdade de Educação (FEUFF) e fez parte ainda da comemoração pelo mês do bibliotecário. Além do CRB-7, estavam presentes a representante do Sindicato dos Bibliotecários, discentes, docentes (Prof. Dr. Marcos Marques de Oliveira – Pós-Graduação em Educação da UFF – e a Prof.ª Dr.ª Rosimeri Mendes Cabral – Departamento de Ciência da Informação da UFF) e bibliotecários de instituições públicas e privadas para refletir sobre este espaço que ainda é pouco conhecido e utilizado pela maioria das crianças em nosso país, principalmente, aquelas que mora em famílias com menor poder aquisitivo.
Durante o evento, foi colocado que a biblioteca escolar ainda é um lugar de conflitos entre o bibliotecário e os professores da escola. Infelizmente, ainda é muito comum, a biblioteca escolar ser tratada apenas como sala de leitura, onde atuam professores em final de carreira. A Prof.ª Rosimere iniciou a sua fala fazendo um breve relato da decadência do ensino brasileiro, principalmente, o público, nas últimas décadas e contou a sua experiência como bibliotecária de instituição escolar na rede pública e privada, antes de se tornar professora da universidade. Ela citou um trabalho que demonstrou que a maioria dos cursos de graduação em instituições públicas do país não oferta a disciplina de biblioteca escolar, nem como optativa e, isso afeta diretamente o profissional que muitas vezes não tem interesse em atuar neste mercado e quando atua sente muita dificuldade. Ela mencionou o clássico da literatura biblioteconômica A Miséria da Biblioteca Escolar (1994), fruto da dissertação do Prof. Dr. Waldeck Carneiro da Silva. Na dissertação, ele fez um levantamento entre 1989 e 1991 sobre o uso dos livros de didática na formação de professores e da não abordagem desses na utilização da biblioteca escolar no ensino e aprendizagem. Atualmente, Waldeck Carneiro é deputado estadual no Rio Janeiro.
Sobre a Lei Federal 12.244/10, a Prof.ª Rosimere mencionou algumas falhas, como a definição de biblioteca escolar que trata apenas do acervo (“Art. 2º – Para os fins desta Lei, considera-se biblioteca escolar a coleção de livros, materiais videográficos e documentos registrados em qualquer suporte destinados a consulta, pesquisa, estudo ou leitura.”) e também não trata da qualificação do profissional que ainda não é suficiente no país. Para suprir essa carência, no último dia 23, foi lançado o Curso Nacional de Biblioteconomia à Distância (BibEaD) oferecido por meio do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), sendo este resultado da parceria entre a Comissão de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes), o Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Também participou do evento, o bibliotecário Gustavo Andrade, profissional do Colégio Marista RJ que mostrou as diversas atividades implantadas por ele na instituição. Nesta unidade, há duas bibliotecas que atendem desde o maternal até o ensino médio e tem obtido excelentes resultados. Gustavo comentou as dificuldades apresentadas por ele para exercer a profissão com o público infantil e está graduando-se em Pedagogia pelo CEDERJ. Gustavo disse “A biblioteca não pode ser apoio. Tem que ser protagonista […] O bibliotecário precisa conquistar o seu espaço na instituição; é um ‘trabalho de formiguinha’, mostrando a importância do profissional e do trabalho com os alunos, integrando-se com os outros profissionais.”
Durante o debate, muitos bibliotecários colocaram os problemas encontrados no dia a dia de uma biblioteca escolar, como falta de recursos humanos, tecnológicos, de material e financeiros. A invisibilidade da biblioteca e do profissional na escola ficou evidente, principalmente, em escolas municipais. Há uma desigualdade enorme na educação brasileira e consequentemente nas bibliotecas escolares públicas e particulares. Uma profissional comentou que em bairros onde há algumas escolas na cidade do RJ, a Prefeitura tem colocado apenas uma biblioteca para atender a todas as unidades escolares o que dificulta a ida de muitos alunos a mesma. Embora desde 2015, na Câmara Municipal do RJ, esteja tramitando o Projeto de Lei nº 1216/2015 que corrobora com a Lei Federal 12.244/10.
No dia seguinte (27), tive a oportunidade de acompanhar a palestra online As Bibliotecas Escolares estão em risco? Uma análise a partir dos projetos de lei do Congresso Nacional, ministrada pelo Dr. Cristian Bayer realizado pelo Conselho Regional de Biblioteconomia da 1ª região (CRB-1) que iniciou a sua fala dizendo que a gostaria de desconstruir a invisibilidade da biblioteca escolar sob a ótica da ética. Mencionou que, na Câmara e no Congresso Nacional, há em torno de 30 a 40 projetos ou proposições vinculados ou não que impactam o ambiente da leitura. Exemplos: PL 3855/2007 (que sugere a leitura da Constituição Federal de 1988, nas escolas de ensino médio do País), PL 9164/2017 (que altera e acrescenta dispositivos à Lei nº 9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para incluir “Estudo da Bíblia Sagrada” como disciplina obrigatória no currículo do ensino), entre outros projetos de lei.
Dentre os projetos citados, Cristian Bayer elogiou o PL 9484/2018 que altera a Lei nº 12.244/10, para dispor sobre uma nova definição de biblioteca escolar e cria o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE). Segundo o mesmo, o conceito de biblioteca foi ampliado com o PL 9484/2018, pois a considera um equipamento cultural importante para o processo de ensino-aprendizagem na formação do cidadão e abrange o acervo, o profissional e os serviços oferecidos. Com este projeto de lei, o prazo para a universalização das bibliotecas escolares em todo o território brasileiro seria estendido até o ano 2024 e haveria aplicação de multas para as instituições que não cumprissem a Lei. Segundo Cristian Bayer, hoje estamos numa situação melhor, pois nota-se que os governantes estão compreendendo a importância do livro e da leitura embora nem todos os projetos sejam realmente relevantes. Ele enfatizou que “Não podemos abrir mão do conceito de biblioteca como equipamento cultural. […] O bibliotecário precisa ganhar poder simbólico. Precisa criar diálogo com os outros personagens.”
Ao assistir ambas as apresentações, ficou evidente que para alterar as condições das bibliotecas escolares, faz-se necessário uma mudança não só nas leis como também na postura profissional. É preciso exigir tanto da academia de disciplinas obrigatórias sobre a temática e cursos de especialização presenciais e on-line na área com enfoque na biblioteconomia social/pedagógica, como dos parlamentares na elaboração de leis e uma política pública bem planejada sobre livro, leitura e bibliotecas para mudar o quadro de leitura no Brasil. É preciso denunciar casos de destruição de acervos de bibliotecas escolares para o Conselho e o Sindicato. A biblioteca escolar ainda é um grande desafio. A população tornar-se-á leitora quando criar o hábito e isto se dá nos primeiros anos de vida. Finalizo com um pensamento do poeta Mário Quintana (1906-1994): “Os livros não mudam o mundo. Quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas.”
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