O Plano Nacional da Educação (PNE) foi aprovado em seu texto-base pela Câmara Federal no dia 28 de maio de 2014 dividido em 20 metas e apresentando como pontos fundamentais a erradicação do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar e a valorização dos sujeitos que atuam na educação como estudantes, professores, técnicos etc. (para conhecer a estrutura estratégica do PNE acesse o Portal do MEC.
Em diálogo com o próprio conceito de plano que indica a proposição de um modelo sistemático dirigido para uma ação, considero que há, em princípio, alguns descompassos entre o modelo proposto para o PNE e as suas perspectivas de execução:
a) Primeiramente, a temporalidade do Plano que, após ser proposto em 2010, apenas em 2014 está sendo oficializado como modelo de aplicação;
b) Segundo, toma como referência a falta de garantia dos recursos para cumprimento do PNE no prazo de 10 anos, uma vez que ainda não foi efetivamente definido como será estabelecido os investimentos de 10% do PIB, o que pode comprometer a eficácia do plano;
c) Terceiro, envolve algumas alterações aparentemente simples do ponto de vista discursivo, mas significativas do ponto de vista pragmático que envolve, sobretudo, a mudança do termo “investimento em educação pública” para “investimento público em educação” conforme indicado no “Art. 2º, inciso VIII – estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto” e na Meta 20, em especial, nos pontos, 20.4 e 20.5. A grande diferença nesta mudança reside que os investimentos até então focalizados na educação pública serão divididos com os investimentos na iniciativa privada, como ocorre a partir de políticas como o PRONATEC, PROUNI, FIES, entre outras impossibilitando um amadurecimento mais célere da educação publica e a continuidade de valorização do setor privado das Instituições de Ensino Superior via recursos públicos.
Diante dos fatores elencados, posso destacar que quando um plano já apresenta problemas de sistematização e aplicação pode comprometer outros pontos relevantes do PNE como valorização do professor, valorização do estudante, ampliação do custo de investimento entre salário-educação e a consequente qualidade da educação básica e superior.
E como ficam as bibliotecas neste cenário? Em tese, e não me parece surpreendente, as bibliotecas mais uma vez não são contempladas como pontos expressivos de ações do governo, mas são apenas inseridas como pontos específicos sem um olhar mais particularizado. Neste caso, a biblioteca é mencionada no PNE a partir das seguintes metas:
META 6 – Oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica. 6.2) Institucionalizar e manter, em regime de colaboração, programa nacional de ampliação e reestruturação das escolas públicas por meio da instalação de quadras poliesportivas, laboratórios, bibliotecas, auditórios, cozinhas, refeitórios, banheiros e outros equipamentos, bem como de produção de material didático e de formação de recursos humanos para a educação em tempo integral. 6.3) Fomentar a articulação da escola com os diferentes espaços educativos e equipamentos públicos como centros comunitários, bibliotecas, praças, parques, museus, teatros e cinema.
Nesta meta, a biblioteca é contemplada juntamente com outros ambientes como centros de apoio a educação pública de tempo integral, mas apenas no que se refere a sua implantação não havendo uma estrutura específica de execução. No primeiro ponto, a preocupação do PNE reside mais propriamente na construção da biblioteca escolar como ponto interno de apoio técnico-pedagógico a escola. No segundo ponto, o PNE ressalta um olhar de apoio mais externo da biblioteca com a escola através de bibliotecas públicas, universitárias, comunitárias e especializadas, por exemplo.
META 7: Atingir as seguintes médias nacionais para o IDEB (ver quadro no Portal do MEC). 7.19) Assegurar, a todas as escolas públicas de educação básica, água tratada e saneamento básico; energia elétrica; acesso à rede mundial de computadores em banda larga de alta velocidade; acessibilidade à pessoa com deficiência; acesso a bibliotecas; acesso a espaços para prática de esportes; acesso a bens culturais e à arte; e equipamentos e laboratórios de ciências.
Na meta proposta, a biblioteca é inserida como centro de apoio a escola a fim de melhorar índices gerais de desenvolvimento da educação pública. O termo “acesso a bibliotecas” só apresenta sentido sólido de aplicação, se houver uma política específica contemplando como a biblioteca pode atuar no âmbito escolar sendo que nesta política é pertinente a participação de bibliotecários, professores, gestores, alunos, funcionários, família e comunidade externa, já que não é possível simplesmente pensar uma política generalista de aplicação em todas as escolas, mas é preciso pensar dualmente em princípios gerais que possam ser aplicados de modo comum às escolas e princípios específicos que garantam a satisfação das necessidades de cada escola.
Apenas estes pontos estão relacionados à biblioteca, o que torna a realidade preocupante, já que a biblioteca não parece ser definida como centro de informação expressivo para a comunidade de usuários. Desse modo, visando reconhecer a pertinência mais efetiva da biblioteca como fundamento institucional no PNE, proponho as seguintes questões:
a) Inserir a aplicação da Lei 12.244/10 referente a universalização das biblioteca escolas como ponto específico do PNE no sentido de mostrar as contribuições de bibliotecas escolares para composição da educação integral;
b) Valorizar o Sistema Nacional de Biblioteca Públicas (SNBP) como ponto de articulação entre a comunidade escolar e a sociedade de forma mais ampla a partir de um viés descentralizado entre bibliotecas públicas centrais (grande porte) e bibliotecas públicas específicas situadas em comunidades diversas, principalmente mais distantes mantidas a partir de uma parceria entre Governos Federal, estadual, municipal e a própria comunidade. É possível denominar estas bibliotecas setoriais de bibliotecas públicas secundárias ou simplesmente de bibliotecas públicas comunitárias ou populares;
c) A criação de uma política nacional de bibliotecas universitárias calcada na dinamização social e tecnológica destes centros de informação como fomento de apoio interno à produção da informação entre a comunidade acadêmica e de apoio a comunidade externa;
A integração destes pontos ao PNE tornariam mais sólidos e exequíveis a concepção de biblioteca nos diversos ambientes educacionais e promoveriam recursos mais definidos para atuação das bibliotecas no âmbito de investimentos em recursos humanos, infraestrutura, acervo (política pensada, conforme necessidades específicas e não atrelada apenas aos interesses de editores, bem como a aferição do acervo não somente vinculada ao livro, mas a uma múltipla política documental de acervos), entre outros.
É preciso observar que o PNE, malgrado suas deficiências discursivas e principalmente políticas, se configura como avanço para a educação em geral, mas, em caráter prévio, a mesma constatação não pode ser designada a biblioteca no sentido de que esta não foi efetivamente contemplada no Plano. Apenas com a inserção de pontos concretos como princípios da Lei 12.244/10, SNBP, política sistemática de bibliotecas públicas e outras ações que busquem agregar valor a atuação da biblioteca é possível pensar em uma atuação continuada e permanente da biblioteca em outros setores.
É preciso ainda considerar que a ideia de arquivo sequer é mencionada no PNE, em particular, como ponto de contribuição para preservação da memória educacional e desenvolvimento da informação orgânica e o museu é mencionado apenas na Meta 6 (tópico 6.3) que trata da interação entre ambiente escolar e espaços públicos como museu.
Por fim, penso que a biblioteca, diante das propostas jurídicas e politico-institucionais efetivadas, tendem a se desenvolver nos próximos anos, mas ainda é uma atenção muito ínfima diante das contribuições que os centros de informação podem promover à educação básica e superior. E não adianta pensar (como é comum acontecer) de que a biblioteca não atua como deveria simplesmente por falta de competência do bibliotecário, pois este discurso seria atentar para a realidade de “baixo para cima”, enquanto, na verdade, a biblioteca não atua como deveria em virtude da falta de aplicação de uma política continuada para a biblioteca (o problema é de “cima para baixo”) assegurando condições estruturais, técnicas, pedagógicas, humanas e institucionais de atuação e indicando uma aproximação concreta entre o que se discursa, se propõe e aquilo que é executado.
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