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Nem tudo que conta é contável, nem tudo que é contável conta

Você já parou para pensar um bocadinho sobre a estranheza que é a gente ainda ter que estar às voltas em provar a importância da leitura após cerca de 6 mil anos de invenção da escrita? Doido, né?  Desconheço o senso de humor dos sumérios, os  criadores da escrita cuneiforme, então não vou dizer que rolariam de rir. Mas no íntimo suspeito um espanto. Tampouco egípcios, gregos, chineses, maias…., sim, porque ao contrário do que fica propagado como senso comum, a história da vida na Terra não é uma linha reta. Lá nos idos, em diversas partes do mundo, foram pipocando inovações como resposta às novas demandas dos grupos humanos e não foi diferente com a escrita.  

A produção de cultura e inovações segue seu curso como sempre, com a diferença de que hoje nascem tingidas pelas interações que ganharam um fluxo impensável com a expansão das redes digitais. E se você chegou até aqui com a leitura deste texto experimentou o salto tecnológico astronômico que a humanidade deu “apenas” com relação ao texto escrito em cerca de duas décadas. Ou seja: os hiperlinks, que são janelas para aprofundamento das citações para oferecer um “para ir além”, o que, aliás, levou você a registros em outra forma de linguagem: o audiovisual. Esta é uma pequena amostra da realidade que tem sido motivo de preocupação e pesquisas ao redor do mundo: o impacto das leituras digitais na formação da circuitaria do cérebro leitor.

Aliás, as “aspas” no “apenas” no parágrafo acima é porque não há “apenas” quando fazemos uso da palavra, há intencionalidades. Você sabe tão bem ou bem melhor do que eu. Sim, porque cada uma ou um de nós está numa certa camada de aprofundamento do tema. Assim o que já é bastante fica ainda maior diante de constantes movimentos produzidos e partilhados em tempo real via redes digitais que destamponam a diversidade contida há séculos por culturas opressoras, trazendo à superfície, por exemplo, o debate sobre identidade de gênero. Um dos temas geradores de debates acirrados que tem demonstrado o quanto estamos distantes de saber acolher com cuidado, afeto e respeito a diversidade com que a vida se manifesta. Diversa é a vida, dinâmica é a linguagem. Para nomear o mundo é necessário a contínua invenção de novas palavras, pois deixa de caber na estrutura de decodificação oriunda de uma diversidade sufocada. Prova disso tem sido o recorrente uso de recursos linguísticos para tentar nominar a diversidade. Por exemplo, pronomes: ELE, ELA, EL. Ou adjetivos: JUNTOS, JUNTAS, JUNTES. 

A língua é viva como a própria vida e nós todas, todos, todes deveríamos estar em um mergulho profundo para promover prosas significativas que darão sentido à renomeação da vida, ao invés de gastar energia provando quanto, como e porque é importante promover a leitura e a escrita de qualidade para todos, todas, todes.

Porque ainda não chegamos nesse patamar e não desistiremos até lá chegar, é extremamente importante a presença de gente que pesquisa séria e incansavelmente sobre, no caso, quais são os determinantes da leitura, suas implicações com o avanço das leituras digitais, trazendo à tona dados a partir dos quais podemos gerar alertas e, sonho dos sonhos, focalização para promover ações efetivas e sustentáveis, cuidando de pertinho de nomear a diversidade. 

Enquanto escrevo, o Brasil atingiu a marca de 652 mil mortes por Covid 19, No dia vizinho ao 8 de março de 2022 seguem gigantes os dados negativos sobre ser mulher no Brasil. É possível comprar um hambúrguer por 600 reais e, se preferir, por 7 mil reais também!  Em uma comunidade no Rio de Janeiro uma biblioteca comunitária nasceu em um posto policial desativado. O racismo visceja, mata e exclui vidas negras e indígenas.

Então, se o pleno letramento não é importante, eu não sei mesmo o que é, uma vez que é pré-requisito para acessar o conhecimento produzido e em produção pela humanidade e usá-lo para promover vida digna para todas as vidas; é meio para se expressar e se indignar no mundo com pronfundidade e persistência; desvencilhar-se das armadilhas de textos falsos e tóxicos disparados pelas mídias, em especial pela internet. E saber nela navegar, fazendo uso de toda a sua infinita potência justamente para tecer humanidades no miudinho dos dias. 

Simples assim: não podemos abrir mão da democratização do pleno acesso e uso competente da palavra escrita. 

O direito à palavra e a garantia da justiça social

Na esquina do século 20 para o 21 iniciei minha jornada na mesma perspectiva da bibliotecária francesa Genevieve Patte, escolhi “os livros, a leitura e a biblioteca como meios de dar poder a quem não tem poder: o poder de falar, o poder da escrita, a possibilidade de ser ouvido” e, assim, “militar em favor de maior justiça social”.

Foi com uma “esperança realista”, parafraseando Suassuna, que conheci os dados da pesquisa do Inaf em 2001: finalmente tinha em mãos dados confiáveis que passei a utilizar como reforço de argumentação em defesa da urgência em pôr de pé políticas públicas e sociais de bibliotecas em escolas abertas à comunidade, em rede com as públicas e comunitárias, como recurso educacional estratégico para promover cultura leitora e escritora

Cito políticas sociais porque à época do 1º. INAF estavam surgindo também reflexões e inciativas estruturadas para basear o então emergente setor do Investimento Social Empresarial. Estava também nascendo o GIFE – Grupos de Institutos Fundações e Empresas -, ainda como um grupo informal, que a partir de 2015 absorveu uma iniciativa que eu havia concebido em 2012: um grupo de pessoas com atuação na área, que passou a denominar-se Rede Leitura e Escrita de Qualidade para Todos (Rede LEQT), para aprofundar as reflexões e atuar de forma articulada por políticas efetivas e sustentáveis. 

Toda navegação requer uma carta náutica – sabemos há um tempão que Cabral não topou sem querer com este recanto da América, sabia bem o local que deveria invadir. Pois bem, aos dados diagnósticos do Inaf sobre letramento – não menos espantosos do que os atuais, seria pertinente reunir um referencial teórico robusto sobre de que leitura falamos quando falamos de promoção de leitura. À época, tanto quanto agora, e talvez ainda mais agora diante da profusão de informações falsas e tóxicas que transitam pelas redes e potencializam negacionismos e extremismos quando o que mais precisamos é de diálogo, articulação e cooperação -, pauto minha jornada baseada na argumentação potente do Prof. Luiz Percival Leme Britto, expressa no artigo que escreveu enquanto integrante do grupo constituído nos idos de 2014. 

“Leitura demanda engajamento em práticas de leitura de textos literários e de expressão cultural que instigam a indagação, a criatividade e o protagonismo; obriga reconhecer que, nesta ordem social, ler é uma forma fundamental de participação na vida social, cultural e política do país; obriga reconhecer que a leitura congrega a possibilidade de uma “experiência”, isto é, um processo de autoconhecimento e de afirmação subjetiva: é experiência “aquilo que ‘nos passa’, ou que nos toca, ou que nos acontece e, ao nos passar, nos forma e nos transforma”. 

É justamente este padrão de leitura em profundidade – padrão este que sequer tateamos por aqui -, base de onde podem emergir pessoas que pensam em profundidade para atuar em um mundo cada vez mais desafiador, que pode estar em risco em função do nosso despreparo para promover uma formação leitora e escritora potentes, aliado ao uso recreativo intensivo e extensivo dos recursos digitais. 

O cérebro leitor e a leitura digital

Não somos naturalmente programados para ler e podemos estar comprometendo a neuroplasticidade cerebral que precisa ocorrer para que possamos transformar capacidade em habilidade. “A invenção da escrita é muito recente para que nosso genoma a ela se tenha adaptado. No decurso de centenas de milhares de anos que acompanharam a longa caminhada da espécie, nosso cérebro se adaptou à linguagem e à socialização – mas não à leitura, que não data senão de alguns milhares de anos”, explica o neurocientista Stanislas Dehaene, pesquisador na área e autor do ótimo “Os neurônios da Leitura”. Ou seja, o cérebro realiza uma “reciclagem neuronal” a partir de regiões do cérebro relacionadas com a visão, e distribui as informações visuais para diversas outras áreas envolvidas em diversos graus com representação de significado, sonoridade e articulação das palavras”.

O cérebro leitor é resultado de uma longa jornada para a constituição de toda uma circuitaria que viabilizará o processamento de leituras cada vez mais aprofundadas e com diversos níveis de dificuldade. É preciso tempo e frequência, sem pressa e sem pausa, para transformar o que lemos em conhecimento consolidado e consolidar as vias neurais que nos tornam leitoras(es) proficientes. Essa capacidade pode estar sendo subvertida, alertam neurocientistas, devido ao excesso de leituras superficiais, com constante deslocamento da atenção, que inviabilizam experiências de leituras profundas necessárias para o que eu chamo de “enraizamento do cérebro leitor”. É como se estivéssemos desperdiçando potência ao invés de usá-la em prol de sua consolidação. É o que acontece com a prática do multitasking”, que significa realizar múltiplas tarefas simultaneamente on line, que ao mesmo tempo em que promove a capacidade de lidar com diversos fluxos de atenção gera dependência de dopamina (recompensa o cérebro por buscar constantes estímulos) e desestimula a memória. 

Imagine uma floresta atlântica ou amazônica ou cerrado suprimidos para a produção de cultivo extensivo, mineração etc, resultando igualmente na supressão de toda a sua biodiversidade. A analogia é para chamar a atenção para o que pode estar ocorrendo quando desprezamos qual e como deve ser a jornada para assegurar leitura e escrita de qualidade para todas e todos e todes. A analogia tem a ver com o fato de que a ausência de leituras que promovam a constituição de uma circuitaria cerebral potente compromete a possibilidade da constituição de neuroplasticidade necessária para que seres humanos desenvolvam permanentemente habilidades para colocar em ação ideias que possam promover o máximo de bem e o mínimo de dano a todas as vidas. Incluindo aí a conservação e preservação de áreas naturais, como também e não menos importante relações humanas de qualidade, capazes de matar pela raiz a desigualdade, os preconceitos e as injustiças.

Há quem passe pela floresta e só veja lenha para a fogueira”, escreveu Tolstói. A universalização da educação não está vindo acompanhada da universalização do pleno letramento. Este fenômeno, embora seja mais dramático para os mais pobres e alijados do acesso à educação de qualidade e cultura, é transversal na sociedade e nos territórios. Prova inequívoca são os dados trazidos no recorte alfabetismo no mundo do trabalho, onde verificamos com espanto que apenas 16% das(os) profissionais da educação são proficientes, e não com menos espanto que 8% tem nível rudimentar!!!!!! Nós podemos discordar em muitas questões, mas certamente concordamos que só com raras e honrosas exceções é possível que crianças e jovens sejam plenamente proficientes contando com educadoras(es) que não sejam 100% proficientes. Os ganhos jamais serão obras do acaso. A este dado soma-se outro assustador relativo ao baixíssimo hábito de leitura de educadoras(es), e aqui falo mais especificamente de literatura, trazida pela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil de 2015. Como diz a escritora argentina Maria Tereza Andruetto: “Um professor consciente, mas sem livros pode fazer pouco e pouco fazem os livros se não podem apropriar-se deles, em sentido profundo, os professores”. É pra lá de urgente que os currículos de graduação de professoras(es) prevejam como matéria obrigatória a formação em narrativa histórica, filosófica, científica e literária.

Uma geração que não sabe que não sabe

Em 2020 foi amplamente divulgado nas mídias que pela primeira vez o QI da atual geração era menor do que o dos pais e novamente vieram à tona preocupações apontadas por neurocientistas sobre como e quanto o ambiente digital poderia estar alterando nosso cérebro de forma inédita. Na opinião do neurocientista francês Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, crianças desta geração “se assemelham às descritas por Aldous Huxley em seu famoso romance distópico “Admirável Mundo Novo”: atordoadas por entretenimento bobo, privadas de linguagem, incapazes de refletir sobre o mundo, mas felizes com sua sina”.

Não se trata de ser ludista, alerta Maryanne Wof, e não reconhecer a potência de divulgação e acesso ao conhecimento possíveis em escala e praticamente em tempo real pelas midias digitais, mas sim considerar os alertas trazidos pelos achados científicos para obter o melhor resultado possível desta interação. Afinal, tecnologia é meio e não tem um fim em si mesma. Diz ela: “Quero reforçar que não vejo isso como uma questão binária, como uma oposição (entre telas e material impresso). Temos apenas de saber qual o propósito do que estamos lendo e qual é a melhor forma de fazê-lo. Não se trata de escolher um meio em detrimento do outro, mas sim entender o que está acontecendo como nosso cérebro e entender o propósito do que se está lendo”.

Quando o conhecimento produzido não é matéria prima de políticas robustas e sustentáveis o que se descobre é um retrato tão frustrante quanto perigoso, como os que foram divulgados recentemente a partir da pesquisa realizada em 2018 pelo PISA, cuja manchete é: “nativos digitais não sabem buscar conhecimento na internet”.

Os dados foram coletados em momento anterior à pandemia, o que certamente pode significar que a desigualdade verificada entre estudantes que tiveram todos os recursos à sua disposição para ter êxito nos testes e aqueles que não têm se aprofundaram ainda mais. Foi avaliada a habilidade em navegar em diversas fontes e ser capaz de extrair informações relevantes tendo em vista a qualidade da fonte, sabendo discernir entre fato e opinião. Considerou-se como leitura bem sucedida ser capaz de envolver os seguintes processos cognitivos: (1) Localizar: informações para acessar e recuperar informações em um texto para pesquisar e selecionar textos relevantes; (2) Compreender: compreender o significado literal das passagens e integrar diferentes partes do texto; (3) Avaliar e refletir: avaliar a qualidade e credibilidade das informações extraídas do texto, refletir sobre o conteúdo, formar opiniões, detectar e lidar com informações conflitantes de vários textos.

Na média dos países da OCDE, que totalizam 37 membros e são aqueles que apresentam maior índice de desenvolvimento, apenas 47% dos estudantes são capazes de discernir fatos de opinião, ou seja, menos da metade. No Brasil o índice é de 33%. As habilidades de navegação foram consideradas altamente eficientes para apenas 24% dos estudantes na média da OCDE, e para apenas 15% dos estudantes no Brasil.

Confira alguns dos achados do relatório: 

  1. Fornecer acesso a tecnologias digitais na escola não leva automaticamente a melhores resultados. Na verdade, a quantidade de tempo gasto de professores com o uso de dispositivos digitais em atividades de ensino e aprendizagem geralmente estão negativamente associados ao desempenho de leitura;
  2. Ler textos de ficção com mais frequência foi positivamente associado ao desempenho de leitura em 55 países. Ler textos digitais com mais frequência mostra uma associação negativa com o desempenho em leitura;
  3. Estudantes que leem por prazer tem melhor desempenho em leitura;
  4. Estudantes cujos pais gostam mais de ler tendem a relatar que leem por prazer com mais frequência do que aqueles cujos pais gostam menos de ler. No entanto, para muitos dos estudantes mais desfavorecidos as escolas são a única maneira de aprender e praticar habilidades de leitura;
  5. Estudantes que relataram leitura de ficção de livros sugeridos pela escola durante o último mês são mais propensos a relatarem ter lido livros de ficção porque quiseram. A maioria dos estudantes com alto desempenho em leitura também relatou ter lido textos mais longos para a escola. Esses resultados sugerem que as atribuições de professores de ler livros para a escola podem encorajar estudantes a lerem por prazer fora da escola;
  6. Leitores mais experientes tendem a ter um melhor conhecimento das estratégias de leitura e tem mais propensão a explorar e navegar ativamente itens de fonte única e múltipla em páginas relevantes para entender o conteúdo. Por exemplo, não alternaram rapidamente entre as páginas. Em vez disso, alocaram uma proporção menor de tempo para a página inicial e reservaram mais tempo para navegar em páginas mais exigentes. Em suma, regularam ativamente sua cognição e comportamento para atingir seu objetivo nesta tarefa específica;
  7. A aprendizagem de estratégias de leituras podem ajudar a motivação de leitores para perseverar em face das dificuldades (também conhecido como autoeficácia). Apenas cerca de metade de estudantes nos países da OCDE relataram ter recebido treinamento na escola sobre como reconhecer informações tendenciosas;
  8. Alguns estudantes têm uma lacuna entre suas percepções de seu nível de competência leitora e a realidade desse nível ou o que esse nível de competência realmente é. Essa lacuna pode estar prejudicando sua motivação e perseverança no desenvolvimento de suas habilidades de leitura. O relacionamento entre a percepção de sua competência e desempenho é mutuamente reforçada quando estudantes de alto desempenho recebem feedback. O feedback dos professores pode ser benéfico para estudantes mais pobres terem uma noção melhor de seus pontos fortes e fracos.

Caso você ainda não esteja com profunda inquietação com os dados trazidos pela OCDE, vale ler o alerta de Yuval Harari com toda a nossa atenção: 

No passado, a censura funcionava bloqueando o fluxo de informação. No século XXI, ela o faz inundando as pessoas de informação irrelevante. Não sabemos mais a que prestar atenção e frequentemente passamos o tempo investigando e debatendo questões secundárias. Em tempos antigos ter poder significava ter acesso a dados. Atualmente ter poder significa saber o que ignorar.

Sobre ler na primeira infância

É bom ressaltar que, sobretudo quando falamos de literatura infantil e juvenil, o livro físico, impresso, tem papel central. Seja porque a experiência estética e tátil é muito diferente no papel, seja porque não é recomendado na primeira infância o contato intensivo com suportes digitais. Segundo pesquisa divulgada pela Sociedade Americana de Pediatria há o comprometimento do desenvolvimento da coordenação motora fina – capacidade de usar os pequenos músculos em movimentos delicados, como escrever, pintar, desenhar, recortar, encaixar, montar e desmontar, abotoar e desabotoar. Tablets não são recomendados para serem levados à boca, como costumam fazer os bebês com os livros, por exemplo, tampouco suportam ser lançados à distância ou disputados, como geralmente ocorre na interação entre crianças pequenas e os livros.

 “A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um guia direcionado ao combate do sedentarismo infantil, mas que fornece orientações e recomendações para as perguntas acima. Segundo o estudo, para crianças a partir de 2 anos, o tempo máximo indicado de contato com telas não deve ser maior que uma hora. Para as mais novas, o uso deve ser vetado”.

O desenvolvimento mais acentuado da estrutura cerebral ocorre nos primeiros anos de vida e esse é um período sensível para o desenvolvimento de habilidades relacionadas à linguagem. Por esta razão, em 2008, quando estava diretora de educação no Instituto Ecofuturo atuei em prol da inclusão no calendário nacional do Dia Nacional da Leitura no dia 12 de outubro, Dia da Criança, com o objetivo de chamar a atenção da sociedade e do governo para a importância de ofertar leituras para crianças que ainda não sabem ler. A data foi oficializada como efeméride nacional pela Lei 11.899 de 2009.

É preciso ler e educar para ler “para além do cotidiano imediato, com níveis de complexidade variada, o que envolve a esfera de produção intelectual relacionada com a escrita, relativa à interação com os conhecimentos e valores formais, às ciências, às artes, à formação e ao estudo”, diz o professor Luiz Percival Leme de Britto.

Minha motivação na escolha do título deste artigo

Eu penso que é um título que oferece dois olhares para um mesmo tema: a importância da proficiência leitora como constituidora de uma mente instigada pelo conhecimento, preparada para navegar nas fontes, selecioná-las a partir de um referencial epistemológico, localizar dados, filtrar e ler nas entrelinhas. E por que revela uma “pegadinha”, dessas tantas que circulam net adentro.  Seguinte: até muito pouco tempo atrás eu “sabia” que a frase era de autoria de Einstein e figurava na parede de seu laboratório em Princeton. Tem até uma imagem super convincente!

Navegando na internet descobre-se que a frase pode não ser dele, mas sim do sociólogo Willian Bruce Cameron e está publicada no seu livro “Informal Sociology: A Casual Introduction to Sociological Thinking” e a citação está no trecho: “Seria ótimo se todos os dados que os sociólogos precisam pudessem ser enumerados, porque então nós poderíamos colocá-los em máquinas IBM e fazer gráficos como fazem os economistas.  Entretanto, nem tudo o que pode ser computado conta e nem tudo o que realmente conta pode ser computado”. Uma reflexão que possibilita ótimas reflexões sobre avaliações e indicadores, aliás! Esta informação está no site Quote Investigator, criado em 2010 por Gregory F. Sullivan, ex-cientista da computação da Johns Hopkins University, que verifica as origens relatadas de citações amplamente divulgadas. É o que informa o wikipedia. Mas é possível encontrar outros ambientes na internet contendo a mesma informação. Faça o teste com a frase em inglês: Not everything that can be counted counts and not everything that counts can be counted. Há muitas pegadinhas na internet e é preciso experiência na busca de informação, paciência e persistência para ler e fazer ponderações acerca da informação disponível, pois não são poucas as pessoas com a mesma dúvida e, na dúvida, citam a frase com o adicional “atribuída à Einstein”.

O outro olhar sobre o mesmo tema tem sido minha inquietação desde que passou a ser comum afirmar intensivamente que nunca antes se leu tanto antes etc etc etc por causa das redes digitais e que, portanto, a(o) brasileira(o) está sim lendo mais e que o problema está no elitismo de quem sentencia sobre o que tem valor ou não como leitura etc etc etc. A grande questão quando se trata de construção da circuitaria neuronal da leitura é justamente: 

O QUE SE LÊ, COMO SE LÊ, QUANTO SE LÊ e, tcharam!, O QUE É FEITO COM O QUE SE LÊ. Qual uso se faz da leitura, seja para dar conta de questões de ordem pessoal, funcional, espiritual, intelectual, afetiva, simbólica.

Espero ter reunido aqui alguns bons argumentos baseados em achados de pesquisa, em especial da neurociência, para provocar ou somar à sua inquietação sobre a armadilha implícita nos tempos digitais e líquidos nos quais vivemos. Porque esperamos, avidamente, que as pessoas que passem pelas florestas sejam arrebatadas pela vida e vislumbrem caminhos de regeneração, de preservação, que assegurem vida íntegra, digna e sustentável para todas as vidas, no aqui e no agora.

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