Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […] (Artigo 5º da Constituição Federal de 1988)
É importante trazer o trecho da Constituição Federal que aborda o assunto dos direitos e deveres individuais e coletivos no Brasil para se fazer um raio-x em nossa conduta enquanto sociedade, não deixando de lado a atuação das instituições constituídas para se ter a noção de que nem tudo é como a lei manda que seja. No tocante à justiça que se faz no Brasil, pode-se observar como a mesma é cega, porém, com uma significativa inclinação em favor de certas camadas da sociedade.
O Brasil é um país gigantesco, e ao contrário do que dizem ainda hoje, conseguiu manter-se unido (territorialmente falando) como o vemos, a custa de muitas “revoltas regionais”, que é um nome romântico dado às guerras civis que ocorrem no tempo do Império Brasileiro. Um dos motivos que causou muita revolta no país foi à demonstração clara de garantir e dar manutenção a certos privilégios, que como não poderia deixar de ser, favorecia um pequeno estrato da sociedade nacional.
Esses privilégios eram concedidos por meios de cargos públicos, títulos de nobreza, perdão de dívidas, arrendamento de terras e por aí vai. Se fizermos à árvore genealógica de boa parte de integrantes dos três poderes da República, chegaremos aos apaniguados ao longo da história do Brasil.
As classes dominantes (como ficaram conhecidas ao longo da história) sempre dispuseram do capital econômico para se ter influência sobre as decisões tomadas pelo Estado. Assim foi o início do capitalismo, quando os burgueses se uniram para alijar do poder os nobres com suas manias de luxo e ostentação à custa do trabalho, pagamento de tributos, serventia dos outros.
Além do capital financeiro/econômico, era preciso ter o capital cultural/conhecimento para se ter plenamente dominadas as classes subalternas. Neste contexto, a classe dominante instruiu-se a si a aos seus, para não perder os benéficos privilégios, e poder continuar no topo da “cadeia alimentar social” até quando houver vida na Terra.
Sabemos que os poderes da República vivem em plena harmonia em nosso país, harmonia tanta que as vezes extrapola até os limites legais. Todavia, não há poder mais benévolo do que o poder judiciário. Mas, cuidado: a depender de que setor da sociedade você vier, esse poder pode ser o mais cego, inexorável, incisivo, mão de ferro de todos!
Há uma máxima que diz assim: “a justiça tarda, mas não falha!” Entretanto, se tratando da justiça brasileira, ela torna-se quase seletiva, classista, corporativista, excludente. São inúmeros casos de criminosos que foram libertos por decisões judiciais, decisões essas que na prática foram afrontas à opinião pública. E quando ocorrer de algum magistrado está envolvido em ações criminosas e o esquema é descoberto? Tal pessoa é aposentada compulsoriamente, garantindo-lhe todos os benefícios que tinha na vida ativa.
Meses atrás foi publicado neste veículo um texto de minha autoria intitulado “Moro em um país…”, em que, além de outras abordagens, eu trouxe o caso do marginal flagrado com uma grande quantidade de drogas, munições e uma arma, além de ter sido grampeado pela PF (com autorização da justiça) negociando a fuga de um traficante. O marginal foi preso em flagrante, mas dias depois foi posto em liberdade pelo desembargador José Ale Ahmad Netto.
O detalhe desta história toda é que o marginal é filho de uma desembargadora e presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul, a senhora Tânia Garcia Freitas. Ao invés de estar trancafiado no sistema prisional do mesmo Estado, o delinquente goza da liberdade de uma clínica de recuperação para dependentes químicos. Ironias à parte, sobre a “liberdade de uma clínica de recuperação”, o dito senhor precisa mesmo é ir para a cadeia!
Na contramão do que ocorrer com os filhos, parentes próximos e apadrinhados de alguém do poder judiciário, ou dos outros poderes da República, o sistema prisional brasileiro esta de mal a pior. O local que deveria ser de ressocialização e recuperação de delinquentes, é a melhor escola da criminalidade que já se teve notícia.
É bom deixar logo claro que eu não guardo nenhum sentimento agradável por quem comete crime; embora eu tenha consciência de que o sistema penitenciário não fará com quê o delinquente se emende, pra mim, bandido bom é bandido preso!
Trago agora alguns dados colhidos no site do Ministério da Justiça, sobre a população carcerária brasileira, e suas especificidades. Os dados foram colhidos pelo IBGE (PNAD) e datam de 2014. Me atentei nas informações inerentes a: quantidade de pessoas no sistema prisional, gênero, cor/etnia, faixa etária ativamente econômica e grau de instrução.
Os dados são os seguintes: população carcerária brasileira (622,202 pessoas encarceradas); gênero (37.444 mulheres – 584.758 homens); cor/etnia (branca 188.695 pessoas – preta/parda 312.625 pessoas – amarela 3.312 pessoas – indígena 666 pessoas – outras 1.608 pessoas); faixa etária (entre 18 e 24 anos – faixa economicamente ativa -, 158.185 pessoas); grau de instrução (analfabetos – 19.487 pessoas – ensino fundamental incompleto 242.222 – ensino fundamental completo 72.216 – ensino médio incompleto 68.192 – ensino médio completo 46.602 – ensino superior incompleto 4.623 – ensino superior completo 2.253 e acima de ensino superior completo 107).
Os números já falam por si mesmos, e não vejo razão para dissecá-los. É extremamente impressionante como no Brasil há uma massa desta envergadura no sistema prisional. Nosso país trocou os investimentos em educação por construção de presídios; optamos em trancafiar pessoas, ao invés de prepará-las para a vida, desde os anos de formação do indivíduo.
Da mesma forma que se prende muita gente no Brasil, libertam-se muitos outros. Como foi dito no início do texto, as relações de privilégios são bem definidas, e estão extremamente atuantes. Ainda sobre os números da pesquisa feita pelo IBGE, pode-se observar que a justiça mantém presos em sua maioria, as pessoas não brancas, os jovens e os que não ingressaram em universidades. Esse é o perfil da população carcerária brasileira. É o tipo de pessoa que é estigmatizada socialmente. É a presa que os policiais caçam nas ruas das cidades!
Daí você pode se perguntar se as pessoas que ingressaram no ensino superior não comentem crimes. Tanto cometem que se criou uma tipificação específicas para alguns quadros desse estrato social, ou seja: o crime de colarinho branco. A elite nacional que está nas esferas de poder federal, estadual e municipal (inclui-se aí o judiciário), tem mais de 90% dos seus pares com ensino superior completo, e por fazerem parte da elite, mesmo que cometam crimes, sempre se tem uma forma de livrá-los do péssimo sistema prisional brasileiro.
Alguns exemplos de que a elite nacional não vai para a cadeia (exceto raríssimas exceções) puderam ser vistos nos últimos meses do corrente ano. A Suprema Corte do Brasil, o STF, nos proporcionou um dantesco espetáculo que beira a impunidade, mas como por aqui em tudo se dá um jeito, nada de novo aconteceu senão a manutenção do staus quo.
O primeiro exemplo que vou citar é do médico Roger Abdelmassih. Acusado de estuprar dezenas de pacientes em seu próprio consultório, foi condenado a 278 anos de prisão. O ministro Gilmar Mendes concedeu liberdade ao dito médico, enquanto era presidente do Supremo, por entender que uma vez tendo o registro de médico cassado, e por não oferecer perigo, não tinha (na visão do ministro), como continuar cometendo crimes. Ou seja, dane-se a condenação, vou libertá-lo!
Entre prisão e soltura por parte do judiciário, foram várias as instâncias em que os advogados do ex-médico recorreram. Por fim, no dia 29 de setembro de 2017 o ministro Ricardo Lewandowski, também do STF, concedeu o benefício da prisão domiciliar ao condenado, visto que o estado de São Paulo não dispunha de tornozeleiras eletrônica para o monitoramento do preso.
O ministro também enfatizou que a saúde debilitada do condenado exigia auxílio de terceiros para que o mesmo pudesse fazer suas necessidades básicas. Com a benesse do judiciário, um homem que abusou, aterrorizou e traumatizou várias mulheres, está em casa, mesmo tendo sido condenado.
Outros beneficiados pela justiça brasileira gozam do conforto de suas mansões, construídas com financiamento sabe-se lá a licitude da origem. Um exemplo do que acabo de discorrer são os presos pelas várias fases da Operação Lava-jato que, mediante a delação de crimes cometidos por eles e, principalmente por outros, receberam o indulto judicial. São vários os nomes daqueles que gozam desse benefício. Poupá-los-ei de ler os nomes aqui, para que não tenham asco.
No Rio de Janeiro, algumas pessoas foram presas por conta de maus hábitos com o erário público, mas receberam o afago da justiça que se inclina para um dos lados. Me refiro ao ex-homem mais rico do país, o dono das empresas que tinha uma fascinação pela letra X, e réu em alguns processo, Eike Batista.
O chamado “rei dos ônibus”, Jacob Barata Filho, foi beneficiado também com um Habeas Corpus concedido pelo padrinho de casamento da filha dele, o senhor ministro do Supremo Tribunal Federal, que deveria, numa questão de ética, se declarar impedido de julgar o caso, Gilmar Mendes. Esse mesmo senhor é esposo de uma advogada que trabalha no escritório de advocacia que tem como um dos clientes, Eike Batista.
O último ato de benesse do ministro, já acima citado, foi conceder ao condenado e réu em vários outros processo, Sérgio Cabral Filho, ex-governador do Rio, a permanência no sistema penitenciário do seu estado, sistema esse que o trata como ao um rei, dando-lhe comida diferenciada, deixando as celas abertas para que ele possa circular pelos corredores da casa de detenção, e ainda criando uma sala multimídia para que o mesmo e seus asseclas pudessem assistir um filminho de vez em quando, com equipamentos que chagam ao quilate de uma tevê de ultima geração com 67 polegadas.
Isso depois que um juízo federal determinou a transferência do condenado para um presídio fora do estado do Rio. Este texto chega ao fim, mas eu não quero terminá-lo com as minhas palavras apenas. Me valho aqui de algumas frases, de autorias outras que não a minha, mas que ilustram melhor do que as minhas o que fora escrito neste espaço. Vamos a elas:
Não sou umas das pessoas que tem visão punitivista da vida, porém direito penal absolutamente ineficiente e incapaz de enfrentar o crime do colarinho público criou um país de ricos delinqüentes. Um país em que pessoas são honestas ou desonestas se quiserem ou não quiserem (Luiz Roberto Barroso, ministro do STF, durante um evento da CNseg, Setembro de 2017 no Rio de Janeiro).
Então não transfira pra mim essa parceria que Vossa Excelência tem com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco […] Vossa Excelência vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu; isso não é estado de direito, é estado de compadrio; juiz não pode ter correligionário. (Luíz Roberto Barroso, ministro do STF durante discussão no plenário da corte, com Gilmar Mendes, Outubro de 2017).
Aos amigos tudo, aos inimigos a lei (Autor desconhecido).
A pior ditadura é a do judiciário. Contra ela não há a quem recorrer (Ruy Barbosa).
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