Recentemente estivemos informados pela grande mídia televisiva do descredenciamento de uma corporação universitária que era mantenedora de duas conhecidas universidades: a Universidade Gama Filho (UGF) e a UniverCidade, ambas localizadas na cidade do Rio de Janeiro. Na verdade o descredenciamento foi para as Universidades em questão. Não sei em termos jurídicos se a corporação é descredenciada também.
É muito de se estranhar essa grande exposição desse fato no noticiário: Será que somente estas universidades em todo o Brasil foram descredenciadas ou extintas? O fato é que houve uma maior repercussão porque, possivelmente, a Universidade Gama Filho é muito tradicional no Rio de Janeiro e já formou milhares de profissionais em diversas áreas do saber além de o público a ter como referência de certa qualidade de ensino.
Porém com o surgimento de outras universidades como, por exemplo, a Estácio de Sá, e o aumento do número de vagas nas Universidades Públicas, principalmente as Federais através do REUNI – Plano de Reestruturação das Universidades Federais –, aliada às políticas de inclusão por cotas, os estudante puderam ter mais oportunidade de escolher para onde iam estudar e com isso a UGF pode ter começado a apresentar problemas de baixa procura, principalmente em cursos ligados à área das Ciências humanas e sociais, tais como História e Letras.
A universidade particular necessita de alunos pagando regularmente suas mensalidades para não falir. Porém o discurso sobre a falta de qualidade no ensino por do MEC foi o mote para o descredenciamento. Não pretendemos aqui discutir essa questão nem trazer falas dos atores (professores, alunos e representantes institucionais da Corporação e do MEC) envolvidos na questão. Somente atentamos caro leitor que a opção de federalização divulgada é incoerente. Senão não teríamos o REUNI e o PROUNI (programa que concede bolsas em instituições particulares) para aumentar a oferta de vagas. Essa opção de federalização foi rejeitada logo de início pelo MEC.
Leitor amigo, lanço, aqui, uma hipótese de extinção da UGF e da UniverCidade e a seguinte pergunta: para onde será destinado o acervo documental em especial os arquivos? São nos arquivos que os ex-alunos têm documentado sua vida acadêmica e têm o direito de ter acesso a certidões, históricos e diplomas dentre outros documentos.
Como garantir que os ex-alunos terão seu direito a sua documentação em segunda via ou via original de diplomas e históricos? Como comprovar sua vida acadêmica para que possam usufruir de seus direitos: seguir adiante exercendo suas profissões ou ter seus documentos para comprovar sua formação em geral?
Para onde vão os arquivos?
Possivelmente ficarão sob custódia das referidas Universidades em seus depósitos até que o processo de extinção se finalize. Posterior caberá ao poder público acolher essa documentação para que possa disponibilizar ao cidadão às informações de que necessita. Há uma linha que separa a garantia que o cidadão tem em ter acesso às suas informações. É a Lei de Acesso à Informação – Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Esta lei pune com sanções os agentes públicos que não prestarem a informação requerida pelo cidadão, neste caso os ex-alunos.
Não entraremos em detalhes sobre esta lei, mas ela representa um marco na garantia dos direitos dos cidadãos em todos os ambientes, não só arquivísticos. Mês é nesse ambiente, o arquivístico, que o cidadão tem a maior dificuldade de ter acesso às informações que lhe permitam a garantia de seus direitos.
O caso da extinta FAHUPE
Naquela fase de o poder público custodiar a documentação é que fica a questão de para onde vão aos acervos. Possivelmente a Universidade Federal mais próxima irá acolher a documentação, no caso do Rio de Janeiro ou a UNIRIO, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, ou a UFRJ, Universidade Federal do Rio de janeiro, em específico na cidade universitária localizada na Ilha do Fundão.
Mas o leitor curioso me indagará como eu lanço essa hipótese. Eu respondo, meu amado leitor: participei, por curto tempo, em uma experiência de trabalho no qual a UFRJ acolheu documentação de uma Universidade extinta, a FAHUPE, Faculdade de Humanidades Pedro II, no qual há um site-blog que nos dá uma “cronologia” de sua inauguração e descredenciamento:
1- A FAHUPE foi idealizada e fundada pelo professor Vandick Londres da Nóbrega, que era professor de Latim e diretor do Colégio Pedro II, através do Decreto n. 65.763 de 20 de dezembro de 1969;
2- O reconhecimento dos cursos de História, Letras, Psicologia, Matemática, Química, Física e Biologia se deu em 10 de maio de 1974, mediante o Decreto n. 74.039 de 1974;
3- A faculdade, que no início era mantida pelo colégio Pedro II, não pode mais ter o salário dos professores e funcionários vinculados ao CPII com o advento do Decreto-lei n. 1.360/74, inviabilizando sua manutenção pelo Colégio;
4- Em 03 de março de 1975 foi criada a SEPE – Sociedade Educadora Pedro II, com o intuito de assumir a manutenção da FAHUPE;
5- Em 15 de junho de 1989 foi criada a Cooperativa Educacional dos docentes da Faculdade de Humanidades Pedro II – COOPFAHUPE;
6- Posteriormente, a COOPFAHUPE sofreria denúncia de desvio de verbas federais;
7- Ocorre a intervenção do MEC na faculdade, com seu posterior descredenciamento e dos seus cursos, com o encerramento total das atividades em 1998.
Fonte: http://fahupe.blogspot.com.br/2011/04/fahupe-cronologia-de-sua-inauguracao-ao.html
O trabalho na UFRJ com o acervo da extinta FAHUPE
Tive a oportunidade de fazer parte de uma equipe composta por mim como arquivista, uma técnica de arquivos e duas estagiarias com apoio do DGDI- Divisão de Gestão de documentos e Informação e, se não me engano, da PR3- Pró Reitoria de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças. A documentação estava em depósito que pertenceria a uma biblioteca localizada ao lado e que já fora também utilizada pelo Museu D. João VI, vinculada ao curso de Belas Artes. Local bastante precário no qual oferecia perigo de vida á nós, trabalhadores, e ao acervo, posto que fosse passível de a água da chuva “pingar” na documentação devido ao teto estar em situação bastante precária.
Alunos já estavam solicitando documentação com base na Lei de Acesso à informação através da ouvidoria da UFRJ com certeza e pela ouvidoria do MEC não tenho essa informação. O intuito em se ter um arquivista se devia pela possibilidade em a UFRJ ter de custodiar com toda a documentação e para isso teríamos de fazer uma seleção da documentação aplicando-se a tabela de atividades de atividade-fim e atividade-meio. Esse trabalho intelectual foi inicializado e até vislumbramos uma possibilidade de acomodar tal documentação em outro local.
Houve uma visita de uma comitiva de arquivistas e técnicos do MEC no qual realizaram um diagnóstico e localização de tais pastas de alunos que pediam históricos e diplomas. Trabalhamos de todos os modos para localizar tais pastas de alunos. Foi um trabalho árduo e penoso.
Enfim a comitiva do MEC decidiu levar a maior parte da documentação, visto que havia também acervo da antiga representação do MEC no Rio – REMEC. Iriam levar também pastas de funcionários, prontuários de Saúde do Trabalhador, enfim, tudo que servisse, também para a Comissão da Verdade, ação do governo federal para apurar os casos de tortura e desaparecidos políticos durante a ditadura militar. Isso porque a FAHUPE nasceu pública e muitos professores universitários à época foram perseguidos politicamente.
Existência de resolução do MEC: infraestrutura para o “nosso” e para o “deles”
Então leitor amigo, nessa descrição sobre esse trabalho que realizei, respondo o que vocês querem saber: em conversa informal com uma das arquivistas da comitiva do MEC eu soube que haveria uma resolução do MEC (que nunca visualizei) que orientaria que a universidade federal mais próxima da universidade particular extinta teria de “acolher”. Não sei ao certo sobre a obrigatoriedade de ter de dar acesso, já que ficariam na UFRJ justamente as pastas dos alunos. Mas a lógica é que a UFRJ também teria de dar acesso.
Podemos dizer, então, que as universidades federais possuem mais uma atividade-fim que é o recebimento de fundo arquivístico de instituições universitárias extintas. Torna-se imperioso, então, o reconhecimento dessa atividade e criação de infraestrutura para isso. Se para “nosso” acervo a infraestrutura é precária, imagina, caro leitor, para o que não é “nosso”.
Saudações arquivísticas!
Comentários
Comentários