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Um pedaço das minhas tripas

Introspection. Imagem Getty Images

Recentemente, esbarrei com um meme na internet que dizia mais ou menos o seguinte: “Se você não teve nenhum surto neste ano de 2018, então você não sabe o que aconteceu”. Piadas e trocadilhos à parte, 2018 está acenando para a plateia que não irá seguir viagem.

Alguns se despedem eufóricos, agitados, erguendo as mãos em punho e fazendo caras e bocas na tentativa de imitar centuriões romanos. Outros se despedem cabisbaixos, arrastados, melancólicos…

Gente que sabe que está a bordo do transatlântico Titanic e que ele vai afundar quando chegar a hora. Mas há aqueles que erguem os braços, o coração e a fé, olhando para o alto. Apesar dos pesares, eles vão continuar em frente. Não sabem ainda como, mas irão.

Não faço parte do primeiro grupo, evidentemente. Dentre o lamento copioso e inerte e a crença operante de que é possível fazer algo – exatamente como a fábula do passarinho que tentou apagar um enorme incêndio florestal usando a água do rio, que buscava usando o seu corpinho miúdo -, prefiro ficar com a “esperança de esperançar”.

Ouvi essa ideia em uma palestra do professor e filósofo Mário Sérgio Cortella, que fez referência a Paulo Freire ao mencioná-la. E antes que ameacem ultrajar a memória e o trabalho de Freire, já vou me despedindo.

Ofensas banais costumam passar batido, mas algumas forçam demais a paciência. Compartilho aqui a poesia que 2018 me inspirou a escrever. Ela se chama “Tripas”:

Tripas

Há aqui e ali um pedaço das minhas tripas

Expostas em um silêncio público

Há aqui e ali um pedaço das minhas tripas

Aprendendo a lidar com a irrealidade do desejo ardente que se queria real

Há aqui e ali um pedaço das minhas tripas

Percorrendo estradas sem rastros

Há aqui e ali um pedaço das minhas tripas

Sentindo incontáveis vezes o vazio das incontáveis intenções

Há aqui e ali um pedaço das minhas tripas

Copos de cólera dissolvidos no esquecimento do passado

Há aqui e ali um pedaço das minhas tripas

Um útero irrespirável e secreto, que não espera, mas aguarda

Há aqui e ali um pedaço das minhas tripas

Refazendo fins onde há começos e recomeçando nos lugares onde há fins

Há aqui e ali um pedaço das minhas tripas

Sensação alada que não se conforma mais em ser bípede

Há aqui e ali um pedaço das minhas tripas

E nas minhas tripas toda a minha vida está escrita: seu começo, meio e fim.

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