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Renato Janine, ex-ministro da Educação

Por Rodrigo Martins da Carta Capital

Passado o primeiro turno das eleições municipais, a PEC 241, a prever um teto para os gastos públicos, com o congelamento dos investimentos em saúde e educação por 20 anos, avança no Congresso. Um primeiro relatório sobre a proposta, favorável à aprovação, foi apresentado na Câmara na terça-feira 4, enquanto o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), marcava a votação inicial em plenário para a segunda 10.

Com o objetivo de tentar diminuir resistências parlamentares à aprovação, o relator Darcísio Perondi (PMDB-RS) combinou com o governo uma mudança no projeto. O congelamento dos recursos de saúde e educação começaria não em 2017, como previa a proposta original do governo, mas em 2018. Desse modo, levará mais tempo para a população sentir os efeitos da falta de verba em hospitais e escolas e, talvez, isso não afete o humor do eleitorado nas próximas eleições gerais.

Ex-ministro da Educação do governo Dilma, o filósofo Renato Janine Ribeiro alerta que a proposta inviabiliza o cumprimento da meta de universalizar o atendimento das crianças e adolescentes em idade escolar até 2020, como prevê o Plano Nacional de Educação. Atualmente, 3 milhões de alunos entre 4 e 17 anos estão fora da escola, segundo o Censo Escolar, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) no fim de março.

“Além da questão quantitativa, há o desafio de melhorar a qualidade da educação pública, o que implica em melhor formação dos professores, em investimentos em material didático alinhado com as novas diretrizes curriculares e também na valorização da carreira docente”, afirma o ex-ministro, em entrevista a CartaCapital. Professor de ética e filosofia política da USP, Ribeiro pondera, porém, que a esquerda precisa apontar alternativas, em vez de apenas reivindicar mais recursos. “Desde a reeleição de Dilma, a esquerda ficou muito na defensiva, e isso se intensificou ao longo do processo de impeachment”.

CartaCapital: O que representa a PEC 241 para a educação?


Renato Janine Ribeiro: Representa um grande perigo. Mesmo que seja possível ter alguns ganhos com uma gestão mais eficiente, há uma necessidade de aumentar os investimentos em educação por duas razões. Primeiro, para garantir o atendimento de 100% das crianças e adolescentes durante todo o período de educação obrigatória, com 14 anos de duração. Algo entre 15% e 20% das crianças com 4 e 5 anos de idade precisam ser integradas à pré-escola. Outro tanto deve ter acesso ao ensino médio. Para universalizar o atendimento, é preciso construir escolas, contratar professores.

Além da questão quantitativa, há o desafio de melhorar a qualidade da educação pública, o que implica em melhor formação dos professores, em investimentos em material didático alinhado com as novas diretrizes curriculares e também na valorização da carreira docente. Um professor com diploma de graduação ganha cerca de 72% do salário médio das demais profissões de nível superior. O Plano Nacional de Educação estabeleceu como meta, até 2020, nivelar essa remuneração. Ou seja, conceder aumentos reais, acima da inflação, para os professores terem um salário compatível com o das demais profissões com mesmo nível de formação, de forma a tornar a carreira docente atrativa.

CC: Se as despesas em educação forem corrigidas apenas em função da variação da inflação do ano anterior, seria impossível atingir tais metas…


RJR: Estamos em um momento de crise, em que mal conseguimos repor a inflação nos reajustes salariais. E a demanda por recursos na área não é pequena, porque não adianta apenas manter o nível atual. É preciso calcular o custo de toda essa expansão de novos alunos, bem como os gastos para melhorar a qualidade de formação dos professores. No entanto, no médio prazo, teremos jovens com uma formação melhor para o mercado de trabalho. O que quero dizer com isso? Até do ponto de vista econômico, esses investimentos são necessários.

Com a manutenção dos gastos no atual nível, como propõe a PEC 241, não será possível nem sequer incluir todos os brasileiros com 4 a 17 anos na escola, muito menos com professores competentes e bem formados. O investimento seria insuficiente. E repare: nem estou falando do Plano de Educação como um todo. Refiro-me apenas a dois pontos.

CC: Hoje, o Brasil está num ciclo recessivo, mas pode voltar a crescer dentro de dois ou três anos. Mas essa proposta fixa um teto para os gastos públicos por um período mínimo de 10 anos. Não há certo exagero?


RJR: Vamos falar sinceramente. Apesar de ser uma emenda constitucional, eu acredito que, se a situação econômica melhorar, o governo que estiver no poder vai abrandar isso. Essa regra é uma espécie de bode na sala, como naquela história do folclore judaico-russo. Um homem vai ao rabino e reclama que a sua casa é muito pequena. O rabino orienta, então, a colocar uma porção de coisas que estavam fora da casa em seu interior, inclusive o bode. A vida do sujeito fica insuportável e o rabino manda retirar tudo, até o bode. Aí o homem fica feliz com o tamanho da casa.

Pois bem, essa emenda tem um caráter de bode na sala. Se as coisas melhorarem, eles vão atenuar as restrições. Por outro lado, devido a todo esse período de recessão, desde a reeleição de Dilma Rousseff, é bem provável que o Brasil chegue ao término do governo Temer no mesmo ponto em que estava quando Dilma assumiu seu segundo mandato. Vamos ter um quadriênio perdido em termos de recursos. Temer garante que não vai penalizar a educação. A questão é que não adianta dizer que não vai retirar recursos, deveria aumentar os investimentos por conta dessas metas mínimas que mencionei.

No Brasil, 3 milhões de alunos entre 4 e 17 anos estão fora da escola (Foto: Suami Dias/Gov. Bahia)

CC: É justo estender o ajuste fiscal a áreas historicamente subfinanciadas no Brasil, como a saúde e a educação?


RJR: Esse é outro problema. No orçamento federal, as despesas mais difíceis de se abater são aquelas mais injustas, enquanto as mais fáceis de cortar são as justas. É muito difícil, por exemplo, reduzir as despesas do Legislativo, que são excessivas. O Congresso tem funcionários demais, poderia enxugar, mas isso nunca vai acontecer. Nunca! Qualquer governo depende do Legislativo para aprovar suas medidas, este, o anterior, o que vier. Entende? O mesmo ocorre em relação ao Judiciário. Nossos juízes ganham muito bem e ninguém mexe nisso. É mais fácil cortar o que é mais essencial para a sociedade. Essa é a perversão do nosso sistema orçamentário. Não é obra de Temer, vem de muito tempo.

Aliás, a educação não está ameaçada só por conta dessa emenda, também é fruto da deterioração da economia. Dilma levou ao Congresso um orçamento deficitário, sem dizer como iria cobrir o déficit. Um ano e meio atrás, quando estava discutindo a distribuição dos recursos, o governo pretendia reduzir os recursos da saúde ao mínimo constitucional. O então ministro Arthur Chioro disse: desse jeito a saúde para em setembro. Não é um problema do momento. É anterior, um desafio para o Brasil.

CC: O que poderia ser feito?


RJR: O impasse é que não temos no horizonte nenhuma proposta de política tributária mais justa. Com o que se arrecada hoje é muito difícil equacionar esse problema. Só temos duas possibilidades: cortar despesas ou aumentar a receita. O problema é que os cortes afetam os gastos mais necessários e justos, como saúde e educação. Por outro lado, um aumento de impostos só faria sentido se pegasse os mais ricos, se houve uma tributação mais progressiva no imposto de renda, no IPVA e no IPTU, três pontos onde é possível fazer maior justiça social, cobrar de quem pode pagar mais. Mas os compromissos do governo Temer impedem o avanço de qualquer discussão dessa natureza. O que eram os patos da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo)? Um recado claro de que os ricos não querem pagar mais imposto. Então fica difícil fechar as contas.

CC: Para superar o atraso, quanto o Brasil deveria investir em educação?


RJR: Hoje, o País investe cerca de 6% do PIB em educação, enquanto os países desenvolvidos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) gastam um pouco menos que isso. Só que o PIB per capita alemão é cinco vezes maior que o brasileiro. Por esse critério, para ter um investimento em educação semelhante ao da Alemanha teríamos de gastar 30% do PIB, o que é impossível. Só é possível colocar mais dinheiro na educação se houver crescimento econômico. Esse é o ponto no qual o governo Dilma falhou. Na medida em que a economia começou a patinar, os recursos para a educação escassearam. Não é tão simples retirar dinheiro de outras áreas. Muita gente reclamou do volume de investimentos para o Plano Safra, mas ele gera comida e imposto.

CC: É preciso aliar crescimento com uma dotação orçamentária mais justa.


RJR: Sem dúvida. O quanto antes o Brasil voltar a crescer, melhor. O governo Dilma tentou impulsionar a economia, mas enfrentou sérios problemas. Primeiro, porque o Congresso sabotou tudo o que pôde, sobretudo o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB). Segundo, porque Dilma fez uma desoneração fiscal exagerada.

De 2011 a 2015, o Estado renunciou a cerca de 500 bilhões de reais em desonerações, e as empresas não aproveitaram esses recursos para investir. Não houve, portanto, o retorno esperado. Esse montante equivale a três anos e meio do orçamento do MEC no ano passado.  Por isso, eu digo que está na hora de a esquerda parar um pouco de reclamar e preparar propostas mais consistentes.

Quando fui ministro, a impaciência era enorme. Ninguém se convencia de que o MEC não tinha mais dinheiro. Era uma greve atrás da outra’ (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

CC: Por que o senhor diz isso?


RJR: Desde a reeleição de Dilma, a esquerda ficou muito na defensiva, e isso se intensificou ao longo do processo de impeachment. A esquerda precisa apresentar novas propostas, acenar para alternativas. Não adianta apenas dizer: “a educação precisa de mais recursos”. Tive a experiência de ser ministro de Dilma, um governo que foi eleito, mas não havia mais dinheiro. A impaciência dos atores na área de educação era total. Os sindicatos, os reitores, os secretários, nenhum deles se convencia de que o MEC não tinha mais dinheiro. Era uma greve atrás da outra.

Tentei melhorar a qualidade dos gastos, mas a falta de vontade era muito grande. Só para dar um exemplo: publiquei uma portaria orientando as universidades federais a economizar com energia elétrica e ar condicionado, gastar só o que era razoável. Havia muitas salas vazias com ar ligado, sem ninguém. Isso foi em abril do ano passado. Agora, li no jornal El País que o reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul decidiu fazer isso agora, um ano e meio depois. Até para reivindicar mais recursos, é preciso mostrar que o dinheiro está sendo bem empregado.

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