“Como nossos pais”, canção de Belchior, interpretada por Elis Regina, transmite com intensidade uma realidade que foi e continua sendo vivenciada por muitos brasileiros. A música que encanta gerações traz um verso que chama atenção: “e o sinal está fechado pra nós que somos jovens”. Mas quando o sinal poderá abrir para nós jovens? Quais estratégias podem ser utilizadas para a construção de um novo ideal para as juventudes?
Segundo o Estatuto da Juventude (Lei 12.852/13), são jovens aqueles entre 15 e 29 anos. Esse é um público também atendido nas bibliotecas comunitárias, que valorizam a pluralidade dos leitores e planejam atividades cheias de significados para esse grupo. Dentro das bibliotecas comunitárias diversos jovens, assim como eu, se encontram e veem suas vidas transformadas.
É nesse espaço de acolhimento que o sinal fica verde, possibilitando avanços no caminho que nos deixava estagnados. É também por meio da literatura que dialogamos com outras linguagens culturais, como nos exemplos que colhi no recente encontro do projeto Entre-Redes, da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC), mostrando ações direcionadas a esse público, que buscamos valorizar enquanto sujeitos de direitos universais e específicos.
Em São Luís, no Maranhão, a Biblioteca Comunitária Monteiro Lobato organiza uma Batucada Literária. Entre sons e ritmos, a batida que toca é a busca por oportunidades, é o desejo pela democratização do acesso ao livro e a leitura. Nos clubes de RPG da Biblioteca Comunitária Caminhos do Bem, em Minas Gerais, ou nos Círculos de Leitura, realizados na Biblioteca Comunitária Casa do Sol, em Salvador, Bahia, o que importa é que a biblioteca encontre os jovens e estes encontrem a biblioteca como lugar que possibilita sonhos e transforma realidades.
No Ceará, por meio da parceria com os grupos de jovens que integram a Rede de Juventudes em Defesa dos seus Direitos Sociais (REJUDES), as bibliotecas comunitárias Mundo Jovem, Leônidas Magalhães e Sorriso da Criança realizam clubes de leitura. Alguns desses leitores também atuam como voluntários nas bibliotecas, contribuindo com os espaços que tanto afetaram positivamente suas vidas.
No mesmo caminho existe o projeto “Literatura e Direitos Humanos: para ver, ler e contar”, desenvolvido pela Rede LiteraSampa com apoio do Consulado Geral da Alemanha em São Paulo, para disseminar informações de qualidade acerca dos Direitos Humanos pela seleção, leitura e debate de 50 obras literárias por adolescentes e jovens mediadores de leitura.
Por meio de atividades formativas, os jovens que integram a rede de bibliotecas paulista organizam nos espaços que frequentam e atuam clubes de leitura na perspectiva dos direitos humanos. Dentro desse coletivo, a Biblioteca Comunitária Solano Trindade é gerenciada por jovens que formaram o Slam Letra Preta, movimento que promove batalhas de poesias faladas, atraindo diversas pessoas para suas apresentações.
O Estatuto da Juventude assegura políticas voltadas às juventudes: direito à cidadania, à representação juvenil, à educação, à cultura, à comunicação e outros pontos que contemplem a especificidade desse grupo. Por meio dos exemplos acima, percebemos que as bibliotecas contemplam esses eixos de uma forma transversal, utilizando a literatura como principal estratégia no desenvolvimento das atividades.
É preciso nos reconhecer como sujeitos sociais e históricos, valorizar nossas diferenças, sejam estas de gênero, faixa etária, classe social, condição econômica etc. É preciso compreender como as relações juvenis se estabelecem, levando em consideração todas as especificidades listadas, como também garantir a escuta ativa dos jovens que vivem em situação de vulnerabilidade social.
As iniciativas voltadas para jovens nas bibliotecas comunitárias mostram que o sinal pode estar verde sim, para motivar os jovens a vivenciar situações e possibilidades de diferentes leituras, descobrindo os lugares onde as palavras moram, os livros. As vivências e experiências nas bibliotecas comunitárias têm sido extremamente significativas neste sentido, pois esse é o papel da literatura: humanizar.
Os livros possibilitam o sonho e eu, jovem da periferia que teve a trajetória literária iniciada em uma biblioteca comunitária, fui tomada por esse mundo, que me permitiu sonhar, diferente da realidade dada. Foi nesse espaço que me apaixonei pela literatura. E, além disso, passei a dialogar com a minha própria humanidade. Foi também entre os livros que descobri o prazer da escrita, de poder transmitir o que sinto, como nesse texto baseado na “Canção do Exílio” de Gonçalves Dias:
Minha favela tem beleza
Coisa linda de se olhar
Mas a mídia não diz isso
Porque só sabe discriminar
Os meninos são estrelas
As meninas uns amores
Eles merecem ter direito a vida
E vivê-la com todos os seus sabores
Mas quando chega a noite
Começo a me preocupar
Com o futuro dos meus vizinhos
Que tanto a sociedade quer calar
Minha favela tem primores
Vejo isso do lado de cá
Todos os dias da varanda
Tenho o prazer de contemplar
Minha favela tem belezas
E disso posso falar
Não permita Deus que eu morra
Sem a beleza da comunidade mostrar
Para que outros desfrutem os primores
Que vejo do lado de cá
Para que vejam que na favela
Temos sonhos para realizar
Posso afirmar que o contato mais intenso que tive com a literatura foi em uma biblioteca comunitária, primeiramente como leitora e depois, como mediadora de leitura. Nesse movimento pude compreender que a minha atuação estava além da sensibilização de novos leitores ou de uma prática mais assistencialista, como enxergava na época. O trabalho desenvolvido na biblioteca consistia em um ato político, totalmente associado à leitura como direito humano.
Vamos lá, com gente jovem reunida o sinal ficará verde e o novo virá!
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