Promulgada em 2010, a Lei nº 12.244 estabeleceu um prazo de dez anos para as escolas do ensino básico das redes públicas e privadas criassem suas bibliotecas, as quais deveriam contar com, no mínimo, um título para cada aluno matriculado. Dez anos após sua entrada em vigor, a “lei das bibliotecas escolares”, conforme ficou conhecida, está longe da sua realização.
Hoje apenas 45,7% das escolas públicas de ensino básico contam com bibliotecas ou salas de leituras, segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019. Ao analisar os recursos de infraestrutura disponíveis nas escolas, a pesquisa descobriu que no Ensino Fundamental apenas 48% têm bibliotecas e/ou salas de leitura (só bibliotecas 27,3% e só salas de leitura 14,5%).
Já no Ensino Médio, esse número sobe para 85,7% (só bibliotecas 53,8%; só salas de leitura 20,6% e salas de leitura e bibliotecas 11,3%). Nas escolas de Ensino Integral, por sua vez, 53,1% dispõem de bibliotecas e/ou salas de leitura. Embora os números tenham avançado nos últimos anos, estes podem ser questionados na medida em que são fornecidos pelas direções escolares, que ao responderem o Censo Escolar acabam muitas vezes por contabilizar como bibliotecas espaços incondizentes com o conceito de biblioteca.
A Lei, assinada pelo então presidente Lula, considera “biblioteca escolar a coleção de livros, materiais videográficos e documentos registrados em qualquer suporte destinados a consulta, pesquisa, estudo ou leitura”, devendo ser a profissão de bibliotecário ser respeitada. A propósito, não existem dados sobre o quantitativo destes profissionais empregados atualmente nestes estabelecimentos, o que dificulta sua caracterização.
No ano passado o Senado Federal realizou uma enquete sobre o estabelecimento da presença de bibliotecários em todas as bibliotecas escolares do país. Ao receber 20 mil apoios, a ideia, cujo prazo limite de participação se encerrou no dia 11 de março deste ano, se tornaria uma Sugestão Legislativa, o que garantiria ser debatida pelos Senadores. Só que a proposta não alcançou seu objetivo, fechando em 9.110 apoios.
Também no ano passado a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania ( CCJC) da Câmara dos Deputados aprovou a redação final do Projeto de Lei 9.484/18, de autoria da ex-deputadas Laura Carneiro (PMDB-RJ) e da deputada Carmen Zanotto (PPS-SC), que cria o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE).
Pela proposta, o Sistema terá como funções básicas incentivar a implantação de bibliotecas escolares em todas as instituições de ensino do país, promover a melhoria do funcionamento da atual rede de bibliotecas escolares, bem como definir a obrigatoriedade de um acervo mínimo de livros e materiais de ensino nas bibliotecas escolares etc.
Além de criar o SNBE, o Projeto de Lei busca prorrogar para 2024 o prazo para que todas as escolas do país tenham biblioteca com acervo mínimo de um livro para cada aluno matriculado e um bibliotecário por escola. Um dos principais pontos do PL prevê a modificação do conceito de biblioteca escolar, previsto na Lei nº 12.244/2018, substituindo a palavra “acervo” por “equipamento cultural”. O objetivo é que esses espaços deixem de ser vistos como “depósito estático de livros e materiais”.
Depois de aprovado na Câmara, o PL seguiu para o Senado onde tramita como Projeto de Lei n° 5656, de 2019, estando nesse momento na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, aguardando o parecer da relatora, a senadora Zenaide Maia. Como o prazo original da Lei continua em vigor, ele continua obrigatório para as escolas de educação básica, sejam públicas, sejam privadas.
Nos últimos anos uma série de debates sobre a implementação da Lei foram realizados. No Congresso Nacional, em Assembleias Legislativas e até em Câmaras de Vereadores as audiências públicas se multiplicaram. Aqui na Biblioo o tema das bibliotecas escolares foi de longe o mais abordado nestes nove anos de existência, o que não foi suficiente para garantir a realização na prática deste importante espaço de educação.
A importância da biblioteca escolar
Uma pesquisa realizada em 2018 pelo Instituto Pró-Livro mostrou que o fato de uma escola ter uma boa biblioteca impacta diretamente no nível de aprendizado de seus estudantes. E o resultado é ainda melhor quando os alunos estudam em áreas mais vulneráveis do ponto de vista social e econômico.
Os pesquisadores estabeleceram correlações entre a qualidade de cada um desses quesitos e o impacto na aprendizagem. A presença de um responsável qualificado, que cuide da biblioteca e participe das atividades pedagógicas, por exemplo, gera um efeito no aprendizado de Português de até 4,0 pontos na Escala do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Isto representa um terço de um ano letivo.
Em relação aos professores, quando eles se envolvem em atividades de pesquisa e incentivam os alunos a frequentarem a biblioteca, isto aumenta em até sete pontos o desempenho no Saeb, o que representa 63% de um ano de aprendizagem em Português. No indicador de recursos eletrônicos, uma biblioteca bem equipada pode proporcionar uma diferença de quase 80% em termos de desenvolvimento de habilidades. Os quesitos espaço físico e qualidade dos responsáveis tiveram resultado semelhante: cerca de até 4,0 pontos no Saeb, o que corresponderia a 40% de um ano letivo.
“Parafraseando uma célebre frase, não pergunte o que uma boa biblioteca pode fazer dentro de uma boa escola pela educação integral de qualidade, pergunte o que você pode fazer para que todas as escolas do seu bairro, da sua cidade, do seu estado e do nosso País tenham uma boa biblioteca”, disse em artigo a socióloga Christine Castilho Fontelles, que concebeu e coordena a Campanha “Eu Quero Minha Biblioteca” desde 2012.
Em outro artigo publicado aqui na Biblioo, Fontelles explica que as pessoas podem influir para garantir recursos públicos para que todas as escolas tenham sua biblioteca. Para tanto é fundamental que conheçam alguns mecanismos básicos da governança como o Plano Plurianual – PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA.
A Campanha Eu Quero Minha Biblioteca, nascida em 2012 na esteira da Lei 12.244/10, atua na “produção e divulgação de argumentos para defender a importância da biblioteca da escola, preferencialmente aberta à comunidade, informações sobre recursos públicos que podem ser acessados para viabilizá-las e caminhos de incidência da sociedade civil junto ao poder público no chão em que se pisa”.
Em seus próprios canais e na parceria com a Biblioo tem desenvolvido conteúdo para auxiliar as pessoas na luta em favor das bibliotecas escolares.
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