Biblioo

O míssil infectocontagioso das relações de areia em “Parasito”

Castelos de areia do artista Calvin Seibert. Fotos: Calvin Seibert / divulgação

A pena da carioca Andrea Rangel é rápida e afiada na navalha. Em tempos de “bom tom” (na verdade, tempos de hipocrisia poderosa camuflada pelo termo), de rascunhos prolixos ou asssuntos estacionados nas mesmas temáticas, “Parasito” (2018) chega com seus personagens quebrados, sem qualquer força para sustentar máscaras sociais e infectados por relacionamentos contagiosos.

O leitor vai ter que engolir Romeo, um pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, fluente em seu métier, premiado internacionalmente e arrasado por uma vida plástica. Seu casamento com Cecília é uma mentira mal lavada, seus filhos estão submersos em problemas e seu passado consegue devorá-lo vivo. Os outros personagens também não andam distantes da destruição de Romeo. Tudo aqui desmorona.

Uma das grandes qualidades da escrita de Andrea é a sua capacidade de apostar na inteligência e sagacidade do leitor ao fazer uso contínuo de fluxos de consciência e da cachoeira de diálogos sem indicação de nome ou rosto. Em “Parasito”, não há adoçante ou açúcar: a trama é coberta por gente que confessa suas taras sexuais e seus delirium tremens. Há honestidade nos diálogos, do tipo que você imagina acontecendo na vizinhança, e imperturbabilidade da autora em dissecar seu protagonista.

Criado pela tia, Romeo conheceu o abandono desde cedo. Tal fato, como é de se esperar, repercute na indecisão e na submissão existencial do cientista, um joguete nas mãos de sua ex-mulher e seu próprio obsessor.

Pessoalmente, abri bem os olhos na cena em que Isadora, filha de Romeo, foi internada por abuso de entorpecentes e onde o ponto nevrálgico da família estilhaça em mil pedaços. Mais do que fragilidade, há no trecho a observação de uma autora que não determina sua escrita por esse ou aquele caminho, mas deixa que as letras escorram leais e soltas.

Chuck Palahniuk, escritor norte-americano aclamado pelo sensacional Clube da Luta (1996), lançou a ideia de que os humanos transformam objetos em pessoas e pessoas em objetos. Em “Parasito”, a escritora Andrea Rangel transformou infecções em corações humanos e corações humanos em tubos de ensaio. Tal qual um míssil infectocontagioso, a rota percorrida por Andrea tenciona derrubar os castelos de areia. E de forma cruel: com os próprios pés.

Para quem tem interesse em pular da caixa e sair da mesmice que assola a literatura nacional, afundada em livros de “como fazer” ou capítulos de novela juvenil, o debut da carioca é um jantar completo, com direito a doce de figo e à sobrecarga introdutória do poema sinfônico “Finlandia”, de Jean Sibelius.

Ficha técnica

Autora: Andrea Rangel

Editora: Imã

Ano: 2018

Idioma: Português

Páginas: 184

Comentários

Comentários