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O liberalismo tupiniquim e a questão do mercado

Ministro da Economia Paulo Guedes. Foto: Isac Nóbrega/PR

Salve-se quem puder!

Está aberta a seção sobre preços abusivos nos gêneros alimentícios em meio à maior crise sanitária do Brasil republicano. Lendo assim, distraidamente, até parece uma chamada de algum jornal, se bem que poderia ser mesmo. O que estamos a ver nos supermercados Brasil a fora é uma síntese, nua e crua, de como os mercados se comportam, quando o assunto é garantir a melhor fatia do bolo. Como bem diz o ditado popular: “farinha pouca, meu pirão primeiro!”

Há dois anos o Brasil estava às voltas com a campanha eleitoral para escolhermos deputados federais e estaduais, senadores, governadores de estado e presidente da República. Exatamente nesta data, falávamos da famigerada facada desferida no então candidato a presidente Jair Bolsonaro, que ocorreu no dia 6 de setembro de 2018. Muito se falava que esse episódio iria ajudar e muito à candidatura do presidenciável, o que se provou verdadeiro com o resultado das eleições.

Oriundo das camadas populares, eu não cresci ouvindo falar de economia no sentido acadêmico da coisa, nem tão pouco sabia o que era liberalismo econômico. Ao longo da minha caminhada acadêmica, sobretudo estudando ciências sociais, tive contanto com textos clássicos sobre economia política (Marx, Engels etc.), e me familiarizei com termos como capitalismo, socialismo, liberalismo e suas ramificações conceituais. O que quero dizer com isso? Dentro dos meus círculos familiar (sobretudo) e social, ouvi muita gente defendendo o tal “liberalismo de mercado”, sem ao menos perceber que estavam sendo a voz dos que detêm o controle da produção.

Bolsonaro venceu as eleições e assumiu o governo do Brasil em primeiro de janeiro de 2019. O ministro da economia, diante da sua soberba mercadológica, anunciava uma era de boas novas ao Brasil, a reboque do liberalismo pensado por ele. É bom salientar que o liberalismo exercido por Paulo Guedes, e um sem número de reprodutores de suas ideias, é um liberalismo extemporâneo, punitivo, que tem olhos arregalados para engolir quem tem menos e preservar a vida nababesca dos que estão em situação favorável.

Não precisa fazer muito esforça para compreender a verdadeira moção de Paulo Guedes, liderando o ministério da economia. Pode-se recorrer às suas falas, principalmente suas projeções, e ver que ele é uma espécie de personagem delirante na trupe bolsonarista, que de resto, salvo raríssimas exceções, é composta de personagens delirantes. Veja a projeção do PIB do ano passado feita por ele, e o PIB real do período.

Lembra do projeto de desoneração apresentado por ele? Uma piada! E claro, não podemos nos esquecer do projeto de reforma administrativa que, mais uma vez, visa punir a base do funcionalismo público, e neste caso apenas do executivo, preservando com honras as categorias que de fato oneram o estado brasileiro. É este liberalismo estranho aos liberais, que o Brasil apresenta como solução para resolver décadas de problemas estruturais. Isso não tem a mínima possibilidade de dar certo!

Diante da maior crise sanitária que temos conhecimento em nosso país, com projeções de crescimento para baixo em diversas economias consolidadas, o Brasil, na figura do seu guru econômico, quis conceder aos cidadãos que foram atingidos em cheio pela crise, resultando em desemprego (eu fui um destes que perdi o emprego), um auxílio emergencial no valor de R$ 200,00. Se não fosse o Congresso Nacional legislar por esta causa, o benefício não chegaria aos R$ 600,00 oferecidos hoje.

Com o benefício emergencial sendo depositado nas contas de quem precisava (quis o destino que eu não fosse um destes, embora tenha perdido meu emprego), o poder de compra do brasileiro teve um aumento significativo. As pessoas passaram a comprar mais coisas, movimentando a economia. Setores como a construção civil, especialmente de obras pequenas, reformas e afins, foram os que mais tiveram crescimento no período, seguido pela alimentação, sobretudo em estabelecimentos de bairros, os chamados mercadinhos.

A circulação do dinheiro é seguida por outros fenômenos. Embora o poder de compra durante a pandemia tenha se mantido estável, o dólar teve um crescimento elevado no período, e nós sabemos as consequências da subida do dólar. Produtores nacionais, observando a flutuação do câmbio, optaram em direcionar seus produtos para o mercado externo, haja vista que esta transação é substanciada em dólar, o que eleva sobremaneira os lucros. O Real desvalorizou-se consideravelmente neste mesmo período, o que ajudou também na tomada de decisão dos produtores brasileiro.

Eis uma questão de mercado. Os produtores de qualquer lugar não querem amargar prejuízos, e como capitalistas que são (aqueles que detêm os meios de produção), o lucro é o mote principal. Ora, como exigir que os produtores abram mão de lucrar com a venda para o exterior, direcionando seus produtos para o mercado consumidor interno?

Vemos nos últimos dias alguns produtos que fazem parte da cesta básica do brasileiro, saltarem de preços de uma forma assustadora. Os maiores de 30 anos vão se lembrar da hiper inflação dos anos de 1980, em que produtos eram remarcados inúmeras vezes durante o mesmo dia. A inflação só em agosto teve alta de 0,24%, puxada pelos preços dos alimentos. O arroz nosso de cada dia, o feijão e o óleo de soja são alguns exemplos de produtos que tiveram seus preços bem elevados.

A indignação já começa a ganhar corpo no tecido social. Não obstante o aumento dos preços de gêneros alimentícios, o auxílio emergência que era de R$ 600 e que fora prorrogado até o fim do correte, agora será a metade, ou seja, R$ 300. Levando em consideração que hoje se encontra um pacote de 5 kg de arroz por quase R$ 40, a situação vai ficar complicada para muitos que estão sobrevivendo apenas com o auxílio.

O governo federal quer saber o motivo do aumento dos preços. Bolsonaro apelou para que os donos de redes varejistas demonstrem seu lado patriota e baixem os preços, ignorando que todo patriota que produz, quer levar as cores da sua nação para fora, desde que isso resulte em lucro para eles, se é que me fiz entender… O governo se articulou com a Câmara de Comércio Exterior, e zerou alíquota do imposto do arroz com casca e beneficiado, pelo menos até 31 de dezembro futuro.

O que dizer sobre isso? É péssimo ter que pagar mais, e neste caso é muito mais, por produtos que fazem parte do dia a dia da nossa alimentação, mas, como deixei claro no início deste texto, pessoas que não sabiam o que é liberalismo, fizeram verdadeiras juras de amor ao mesmo, proclamando que o livre mercado era a nossa solução, e pregando o estado mínimo, lembram? Tenho lá minhas reservas no que tange o envolvimento do estado com certas questões, porém, acredito que ele é necessário para basilar certas relações sociais, principalmente as que têm o mercado como protagonista. Salve-se quem puder, a temporada de caça às moedas começou.

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