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O belo que se torna frágil

Michael Berg tinha apenas quinze anos quando se envolveu com Hanna Schmitz, operária alemã duas décadas mais velha. O tórrido romance foi marcado pela descoberta sexual de Berg e as incansáveis leituras que o adolescente fazia para Hanna, incluindo clássicos como Odisseia e a trágica peça Emilia Galotti.

No entanto, os encontros furtivos foram interrompidos quando Hanna Schmitz desaparece, deixando o adolescente à deriva. Depois de certo tempo sem notícias do paradeiro da amante, Michael passa a acreditar que jamais tornará a vê-la. Então, segue a sua rotina, atravessa os anos escolares e chega à universidade. Acadêmico do curso de Direito, ele é impelido a acompanhar o julgamento de envolvidos em crimes de guerra realizados na Alemanha nazista.

É nesse cenário de juristas, réus e jurados que o jovem descobre, com perplexidade, que a mesma mulher que incendiou seu corpo e cauterizou seu espírito estava sendo julgada por atrocidades executadas em campos de concentração. A confusão de Michael expõe uma ferida mais profunda: Devemos ser indiferentes aos crimes e omissões cometidos por aqueles a quem amamos?

Essa é a trama de O Leitor (original Der vorleser), romance bestseller do jurista e professor alemão Bernhard Schlink, publicado originalmente em 1995. Para além da relação entre amantes, a obra traz conflitos vividos pela geração alemã do pós-guerra, assolada pela difícil balança que pesa moral e culpa. Revisitar o passado, discutir os atos, julgá-los e condená-los tornou-se a missão de jovens que viram seus pais, tios, avôs e conhecidos apoiarem ou se calarem frente ao Holocausto. Em uma passagem decisiva, Bernhard Schlink revela essa necessidade de expiação de filhos e netos do nazismo:

“A geração que se serviu dos guardas e carrascos, ou não os impediu, ou não os expulsou pelo menos, quando poderia tê-lo feito depois de 1945, estava diante do tribunal, e nós a julgávamos em um caso de revisão e esclarecimento, condenando-a à vergonha” (pág.103, edição de 2009, editora Record).

Essa “dívida alemã”, discutida pelo autor alguns anos atrás em entrevista à jornalista Leila Sterenberg, impulsiona os conflitos internos vivenciados pelo personagem Michael Berg, já que ele é perseguido pela imagem da mulher que amou, pelo passado de silêncios e conivências e por ações monstruosas de pessoas que estiveram perto, muito perto.

Outro ponto interessante do livro aparece junto a um misterioso segredo de Hanna, revelado somente para Michael no decorrer da narrativa. A vergonha e o arrependimento são capazes de amainar a culpa? A conhecida frase “Eu apenas estava cumprindo ordens” é suficiente para abrandar penas? Temas da Filosofia do Direito são postos em discussão de forma luminosa, especialmente no capítulo em que o protagonista discorre sobre a essência do direito, da existência de códigos de conduta e das leis:

“O que é o direito? O que está no código ou o que é imposto e cumprido de fato na sociedade? Ou é direito aquilo que, estando ou não no código, deveria ser imposto e cumprido, se tudo corresse normalmente?” (págs. 101 e 102, edição de 2009, editora Record).

Adaptado para o cinema em 2008, o filme traz Kate Winslet no papel de Hanna Schmitz – fato que agradou o autor Bernhard Schlink e rendeu à Kate o Oscar de Melhor Atriz -, Ralph Fiennes interpretando Michael Berg na fase adulta e David Kross em seus anos juvenis. A linguagem cinematográfica obteve sucesso em criar imagens, vozes, cores e sons às palavras do livro, anteriormente vivas para o leitor por meio de sua própria imaginação.

A atuação de Kate Winslet foi capaz de humanizar e heroificar Hanna Schmitz: desde a mulher asséptica e misteriosa que se envolve com o Michael até a compenetrada acusada sentada no banco dos réus. Em determinado ponto do longa-metragem, olhando para a atriz inglesa respirando na pele de Hanna, o espectador pode ser seduzido a, por um segundo, tentar não julgá-la, levando em conta que as leis da época nazista asseguravam o massacre.

Bernhard Schlink escreveu uma história que cativa pela forma direta, sugestiva e capaz de despertar questionamentos que vão além da filosofia. Reconhecido internacionalmente, O Leitor conquistou vários prêmios literários e traduções em diferentes idiomas. Pessoalmente, o livro arrastou minha mente até o relato de Primo Levi, sobrevivente do Holocausto.

Definhando de sede, Primo Levi conta que tentou pegar um pedaço de gelo fora da janela quando um guarda desferiu contra ele um golpe de bastão. Levi então questionou “Por quê?”, recebendo como resposta “Aqui não há por que”. O amor, assim como a culpa, sobrevive de porquês. Sem essas justificativas doces ou rancorosas, as barreiras, limites e sustentações tornam-se tão frágeis como plumas viajando dentro de furacões.

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