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No embalar das letras

Na mãos de Narlize Costa, mediadora de leitura da Biblioteca Comunitária Semente Literária em São Luís, as histórias ganham vida, cores e formas para as crianças com a mediação de leitura. Foto: Juan Duarte / Divulgação

“Um livro é um brinquedo feito com letras. Ler é brincar”.

 Rubem Alves

Quase sempre a palavra ‘’criança’’ é associada ao brincar. Há uma infinidade de brinquedos e/ou brincadeiras que servem como instrumentos promotores do desenvolvimento infantil e um dos quais podemos citar é o livro. Como destaca Rubem Alves: “Um livro é um brinquedo feito com letras. Ler é brincar”, o ‘’brincar de ler’’ está intimamente ligado ao desenvolvimento integral desde a primeira infância.

Profissionais da área da educação e da saúde que desenvolvem um trabalho com crianças recomendam o acesso à leitura ainda nos anos iniciais. Isso contribui diretamente para o fortalecimento dos vínculos, no âmbito familiar ou educacional, sendo este formal ou não, pois a literatura une e também se configura como uma ferramenta de cuidado de si e do outro.

Outro fator importante é que sendo a infância um tempo de descobertas e experiências, os momentos de mediação de leitura, contação de história ou contato direto com os livros ficarão marcados na memória da criança, possibilitando uma vivência plena da infância e contribuindo para sua saúde. Crianças saudáveis são crianças que tem seu bem-estar assegurado fisicamente, mentalmente e socialmente.

Na entrega às histórias, as crianças podem ingressar no mundo do faz-de-conta, atividade principal nessa fase, e o adulto que estiver na mediação desse momento deverá ter um cuidado especial, buscando responder às necessidades individuais delas. Algumas dicas são essenciais na hora de mediar/contar uma história: modulação de voz, ritmos e quebras, mudança de voz, simplicidade e a proximidade da criança, pois a literatura proporciona uma segurança afetiva e equilibrada.

Desta forma, o papel do adulto é o de estimular essas atividades de forma direta e indireta, criando as condições para o contato emocional e afetivo com a literatura. Esse envolvimento mostra o interesse pelo processo de desenvolvimento global da criança, ser social que é capaz de mais coisas do que geralmente imaginamos. Ressaltando que cada uma evolui em um tempo diferente.

A fim de despertar um novo desejo, uma nova necessidade, um novo prazer em suas comunidades, mediadoras de leitura da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC) desenvolvem ações direcionadas às crianças de 0 à 6 anos, por meio da partilha de experiências diversificadas.

Compartilho aqui algumas práticas desenvolvidas nos estados da Bahia, Ceará e Maranhão, cuja troca de saberes possibilita o fortalecimento do processo de aprendizagem colaborativa, presente no trabalho desenvolvido em rede. Escolher bem o que será proposto ao público ao qual a atividade se direciona é fundamental. É necessário garantir experiências diversificadas para que seja possível realizar ações carregadas de sentido. Conhecer a realidade das crianças, seus interesses, necessidades e o que as atrai é essencial.

Inicio relatando a vivência de Sirlândia Silva, da Biblioteca Comunitária Paulo Freire, integrante da Ilha Literária de São Luís do Maranhão. O grupo já desenvolve essa atividade na comunidade há um tempo com o objetivo é promover às famílias um espaço de cuidado, que está intimamente ligado à educação.

A primeira fase da execução do projeto é o cadastro das famílias que serão acompanhadas, em seguida visitas domiciliares com o intuito de perceber a rotina da casa, quando são realizadas conversas sobre  higiene, cuidado, violência e demais assuntos que permeiam o contexto familiar.

Os olhos das crianças estão conectadas a história Literária, suas aventuras e descobertas, com a mediação de Samya Vieira, mediadora de leitura da Bibioteca Comunitária Criança Feliz da Rede Jangada Literária do Ceará. Foto: Juan Duarte / Divulgação

Nesse caminho rumo à sensibilização sobre a importância da literatura, do brincar, do cuidado e do fortalecimento dos vínculos são realizadas palestras com as famílias e simultaneamente os mediadores de leitura acompanham as crianças e realizam atividades de leitura, um instrumento poderoso no fortalecimento dos vínculos, e a família também é sensibilizada sobre o papel fundamental que tem na formação de leitores.

Destacando ainda a necessidade de auxiliar a criança a tomar consciência dela mesma e do seu entorno, a mediadora de leitura Sâmya Vieira, da Rede de Leitura Jangada Literária, de Fortaleza-CE, traz um pouco das ações realizadas na Biblioteca Comunitária Criança Feliz.

Sabendo que a criança aprende de forma autônoma e é capaz de realizar ações competentes e desenvolver o conhecimento de si mesma, a mediadora planeja e dirige intencionalmente os processos de formação do leitor, mais especificamente rodas de leitura direcionadas ao público de 3 à 6 anos. Por meio das atividades de relaxamento, roda de conversas, mediação de leitura, contação de histórias e empréstimos de livros, as crianças conseguem interagir com a literatura.

Como resultado das atividades planejadas e da experiência dentro da biblioteca comunitária, o objeto livro assume o fim para que foi criado, proporcionando uma leitura profundamente interessada, uma atividade significativa.

Na última parada dessa viagem pelas experiências das mediadoras de leitura, embarcamos na Rede de Bibliotecas Comunitárias de Salvador com Solange Sousa, que atua na Biblioteca Comunitária Clementina de Jesus, espaço que integra  a  Associação dos Moradores do Conjunto Santa Luzia.

Ela descreve que a atividade com esse público foi iniciada nas escolas do bairro do Uruguai, o que garantiu o enraizamento comunitário e a articulação com parcerias que potencializam as ações da biblioteca. A atividade na escola contempla as diversas turmas de Infantil, contribuindo para o estímulo ao desenvolvimento da identidade, inteligência e reflexão crítica dos leitores em formação.

Ao unir a teoria com as práticas descritas, percebemos  que a criança  nasce com a potencialidade de aprender e  traz um conjunto de aptidões e capacidades. Outro ponto importante é a necessidade de uma relação profunda que propicie o sentimento de segurança, condição necessária para um estado afetivo gratificante.

Seja qual for a atividade, a criança precisa estar envolvida diretamente em sua realização, sendo que o nível de participação irá corresponder a sua fase de desenvolvimento, que também diz respeito às características particulares da etapa vivenciada. Pensar na literatura na primeira infância é pensar nos aspectos perceptivo, motor, intelectual, afetivo e social.

Tornar a leitura significativa e atraente ainda nos anos iniciais é um desafio, pois a formação de bons leitores vai além da decodificação de códigos, representa ainda a leitura de mundo, que, como afirmou Paulo Freire, precede a leitura da palavra.

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