Eu sempre penso muito antes de escrever sobre um tema que pode causar “tretas” na rede. Sempre penso mesmo antes de escrever, mas acabo me rendendo ao comichão que sobrevém aos meus dedos, e quando vejo, lá se tem mais um texto que pode gerar “treta” nas redes.
Por muitos anos, eu deixe de falar/escrever sobre o personagem principal deste texto (me reservo aqui o direito de não discorrer sobre os fatos que me levaram a não falar/escrever sobre o Lula por muitos anos), porém, diante do frisson que o Brasil vive depois da expedição do mandado de prisão na primeira semana do corrente, achei por bem atender aos anseios dos meus dedos.
Este texto será para exaltar os feitos do Lula? Versará em favor de operações policias que “visam o combate à corrupção”? Não! Este texto tem por objetivo único falar do animal político, esculpido e acabo chamado Luís Inácio Lula da Silva. Para tanto, peço a você que lê este texto neste momento, que deixe as paixões partidárias um pouco de lado, e vamos refletir juntos sobre esse personagem tão peculiar na política nacional, com reflexos diretos na política internacional.
A maioria de nós já ouviu falar de Luís Inácio Lula da Silva. Pra ser honesto, não há quem não tenha ouvido falar o nome deste homem, e quem não saiba quem ele é. De todas as figuras emblemáticas da história do Brasil, ele certamente ocupa lugar de destaque ao lado de vultos que entraram para a história nacional. Quer goste dele ou não, Lula está no panteão histórico nacional, e isso é um fato!
Pernambucano de nascimento, e paulista por adoção, Luís Inácio formou-se em torneiro mecânico em finais da década de 1960, na região que trabalhou por longos anos, conhecida como ABC Paulista. Por influência do seu irmão que tinha relação estreita com à ideologia comunista, Luís Inácio começou a frequentar as reuniões e assembleias do sindicato dos metalúrgicos situado em São Bernardo do Campo/SP.
Nessa mesma década, ele conseguiu ser eleito presidente do supracitado sindicato e, segundo a opinião de cientistas políticos, jornalistas, historiadores, sociólogos, dentre outros profissionais, foi nesta época que começou, mesmo que indiretamente, a sua carreira política partidária.
Sabe-se que ele foi preso em 1980 pelos agentes da ditadura civil/militar vigente à época, e que ficou no cárcere por volta de 31 dias. Ao sair da prisão, Lula (como já era conhecido), dedica-se de maneira mais direta ao envolvimento partidário, no partido que ele ajudou a fundar e que permanece até a presente data, ou seja, o Partido dos Trabalhadores (PT).
Não se pode falar de Luís Inácio Lula da Silva sem que o PT deixe de ter algumas linhas neste texto. O Partido dos Trabalhadores nasceu em meio as tumultuadas manifestações grevistas que se sucederam na década de 1980. De maneira mais estreita, o Partido surgiu aproximadamente antes e durante a grande greve dos metalúrgicos no ABC Paulista, no início dos anos 80.
De origem sindical, mas permeado por outras correntes, o PT nasceu e foi buscando o “seu lugar ao sol” no espectro político nacional. No livro História de uma década quase perdida: PT, CUT, crise e democracia no Brasil: 1979-1989[1], Gelsom Almeida faz menção a vários textos de outros autores, que têm como foco principal a origem e o programa ideológico do Partido de Lula. Selecionei o texto escrito por Cláudio Gurgel, que analisou as origens e os dilemas do PT.
As tendências e agrupamentos internos, a precariedade dos núcleos, o contraponto entre os modelos de partido ‘de massa’ e ‘de vanguarda’, a insuficiência de suas concepções programáticas, sobretudo a (in) definição da concepção de socialismo.
O PT nasceu como uma novidade para a política partidária brasileira, e consolidou-se como a maior força partidária da esquerda, antes mesmo de ter uma década de existência. Nesta toada, a agenda defendida pelo Partido sempre foi a agenda dos trabalhadores, operários, classe mais sofrida e menos privilegiada no país. Essa era a luta do PT, mesmo sem saber ao certo qual era a sua posição ideológica dentro da esquerda.
Para dar peso ao que escrevi acima, me valho mais uma vez do livro já mencionado aqui.
Ao final dos anos 80, o PT se constituiu como principal partido de esquerda do Brasil. Não era um partido leninista, nem gramsciano, mas tampouco socialdemocrata. O que era (é) então? Como conquistou essa condição? O Partido dos Trabalhadores foi o que foi (ou é o que é) porque não teve um projeto político fechado e dogmático, mas em permanente elaboração, permitindo o pluralismo de ideias e posições, a diversidade de grupos e tendências etc.
E foi assim, sem um posicionamento ideológico claro, mas apostando na agenda do social, que o PT ganhou força e muitos filiados nos anos de 1980, e muito mais na década seguinte. Dito isso, voltemo-nos ao personagem principal deste texto.
Sem diploma de nível superior como alguns intelectuais e até mesmo parlamentares do PT, e à revelia das muitas correntes e discussões visando a liderança do partido, Lula foi se tornando uma figura central, capaz de atrair para si às atenções dos seus correligionário, e sanar as tensões que pairava sobre o Partido, que de regra ocorre em todos os outros.
Com a sua capacidade de prender os olhares e atenção das pessoas, ele conseguiu a façanha de ter sido o único candidato do PT que disputou todas a eleições presidenciais desde a redemocratização. Todas!
Lula disputou com Collor, Fernando Henrique Cardoso (duas vezes), Serra e Alquimin. Venceu os dois últimos, quando obteve, no somatório dos dois pleitos em que foi vencedor, mas de 110 milhões de votos. Goste-se ou não do Lula, esses números são irrefutáveis.
Incorporando a pluralidade que o PT sempre teve desde a sua fundação, Lula precisou mudar o discurso e acenar para este ente imaginário, mas que nos controla remotamente chamado Mercado. Quem aqui não se lembra da Carta ao povo brasileiro? E foi assim que ele conseguiu vencer as eleições de 2002 e colocar a faixa presidencial no peito, em primeiro de janeiro de 2003.
Entre melhorias, ascensão social das classes menos favorecidas, criação de novas universidade federais, acusação de mesadas para parlamentares votarem em favor do governo, benefícios generosos aos bancos “que lucraram muito em meu governo” (palavras do Lula), dentre outros, Lula ficou oito anos na Presidência da República, elegeu uma sucessora e a reelegeu quatro anos mais tarde. Goste-se ou não do Lula, esses números são irrefutáveis.
Nos últimos anos, Lula foi acusado de ter tido envolvimento com esquemas que pilharam a Petrobrás, e empreiteiras que dominam o mercado da construção civil no país. São muitos os processos em que ele já é réu, e que terá que provar a sua inocência no momento oportuno. Um desses processo, e que foi o primeiro a ser encerrado a pouco, foi o que julga a questão do tríplex na praia do Guarujá.
Segundo a acusação, Lula é o dono do imóvel, que foi dado a ele por um acionista de uma das grandes empreiteiras do país, devido aos benefícios recebidos para vencer licitações durante seus mandatos.
Mesmo acusado de todas as formas, e ver crescer uma onda nacional de aversão ao seu nome e ao seu projeto político, Lula conseguiu movimentar milhares de pessoas em todo o país, que ignoraram as acusações contra ele, e gritaram nas ruas, redes sociais, palanques… “que Lula é inocente”.
Não cabe aqui fazer nenhum juízo de valor sobre o caso que corre na Justiça. Não vou me ater aos fatos judiciais. Se é inocente ou culpado eu não sei, o que vi (e vejo) são centenas de milhares de pessoas, para o bem ou para o mal, falando, gritando, brigando, xingando por um só motivo: Lula!
Com todas as acusações contra ele, Lula ainda lidera todas as intenções de votos para presidente do Brasil. Com média de 35% das intenções de votos, supera quase em dobro o segundo colocado.
“Nunca antes na história deste país”, houve uma figura tão amada e tão odiada ao mesmo tempo. Capaz de suscitar paixões de todos os lados. Amor e ódio permeiam as discussões políticas nacionais e, sem exagerar, o nome do Lula sempre está presente. Goste-se ou não do Lula…
Nos últimos dias, o pedido de prisão foi expedido e o juiz Sérgio Moro estipulou um prazo para que o ex-presidente se apresentasse à Polícia Federal em Curitiba. Lula foi para o sindicato dos metalúrgicos do ABC Paulista, permaneceu lá durante todo o dia que deveria se entregar (06/04/2018), e, certamente embasado em teorias do Direito, resolve não se entregar espontaneamente em Curitiba, no dia estipulado pelo juiz do caso.
Foi uma desobediência à Justiça? De forma alguma, o juiz deu a oportunidade dessa opção, não foi uma determinação.
Lula soube usar isso em seu favor. Aproveitou-se da brecha da lei para fazer-se mais falado, comentado, amado e odiado. “Nunca antes na história deste país…” Permaneceu no sindicato durante todo o dia 06/04/2018, e dormiu lá pela segunda noite consecutiva. Na manhã do dia 07 do corrente, Lula saiu do prédio para participar de uma missão em homenagem a passagem da data natalícia de sua finada esposa.
Depois da celebração ele discursou por cerce de 55 minutos, e falou às favas tudo o que queria. Mais uma vez, na atmosfera sindical, Lula falou à multidão, que atenda, o aplaudiu, chorou, entoou cantos em apoio e o carregou nos braços, literalmente nos braços.
Ali se concretizava o desejo dele e de toda a cúpula do PT: se queriam vê-lo algemado, sendo conduzido por agentes policiais e colocado em um camburão, tiveram que vê-lo nos braços do povo, do seu povo que permaneceu ali, as voltas da sede do sindicato que o consagrou e o fez o líder que ele é.
Reservada às proporções da fotografia que fora feita, em que o ângulo favorecia imaginar que uma incontável multidão cercava o ex-presidente, o fato é que ele não teve medo de andar no meio do povo: milhares ou centenas, Lula andou no meio do povo! Goste-se ou não do Lula…
Luís Inácio Lula da Silva, um político sem comparação neste país; amado e odiado por muitos, reconhecido internacionalmente. Líder, carismático, bom orador. Capaz de mover pessoas pelo amor e pelo ódio. Preso pela ditadura civil/militar nos anos 80; preso pela Justiça Federal nos anos 2000.
Lula, homem capaz de mudar todas as programações dos veículos de imprensa durante dois dias seguidos e falar mal dos mesmos veículos ao vivo. Lula, para o bem ou para o mal, o maior político que este Brasil já teve. Ele é de fato um animal político, esculpido e acabado, fruto notável do meio que o criou!
[1][1] ALMEIDA, Gelsom R. de. História de uma década quase perdida: PT, CUT, crise e democracia no Brasil: 1979-1989. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.
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