Biblioo

Ler é bom, mas reler é ainda melhor!

O cortiço. Ilustração: Mathias Townsend / Editora Arara Azul.

Não é novidade a você, leitor(a) da Biblioo, que eu já escrevi sobre as maravilhas da leitura, dos seus benefícios para a nossa vida, nosso conhecimento, nossa relação social etc. E se você não sabe dos textos que já escrevi sobre esse tema, busque nas edições 41 e 55 da Revista, e leia o que deixei de opinião a respeito. Bom, partindo desta premissa, quero deixar a você, caro(a) leitor(a), as minhas impressões não sobre a leitura em si, mas sobre a releitura de uma obra, dez (10) anos depois.

Há dez (10) anos eu entrava no curso de biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, comumente chamada de UNIRIO, e comecei a me deparar com as exigências de leitura. Eram textos e mais textos sobre a área, de tal modo que comecei a achar que não iria dar conta de ler todos eles. Por sorte eu logo aprendi que a leitura é prática, e com ela toma-se gosto em ler. Feliz conclusão eu tive!

Entretanto, as coisas não se deram de modo fácil como eu pretendi que fossem. Pelo contrário, as coisas foram de fato complicadas, pois, além de ter que dar conta de um volume monumental de leitura que se impôs a mim sem aviso prévio, eu trabalhava o dia todo no meu emprego formal e só chegava em casa muito tarde da noite, arrasado de cansaço pelo dia vivido.

Bom, estava eu diante de um dilema: não podia abandonar o meu trabalho, até por que era dele que eu tirava o meu sustento, e não queria de jeito nenhum interromper os estudos, haja vista que eu havia passado um ano inteiro me preparando em curso pré- vestibular, e não queria deixar uma vaga tão árdua para conseguir, abandonada diante do primeiro obstáculo.

Tive que me reinventar, mudar meus hábitos, criar meios para não me prejudicar no emprego e nem nos estudos. Foi aí que passei a ler nos meus deslocamentos. Sim, sei que faz mal para a vista ler em ônibus e similares, mas eu não tinha outra opção senão ler nos mementos em que eu não estivesse dormindo, trabalhando ou estudando.

Cá pra nós, adquiri uma prática, de causar inveja, de ler nos meios de transporte. Brincadeiras a parte, eu realmente fiquei bom em ler nos ônibus, trens, metrô e barcas (meios de transportes que usava há época). Era eu entrar na condução que já abria a bolsa e pegava o calhamaço de textos, quando eu não entrava já com eles na mão. Eu lia sentado, lia de pé, segurando a barra de segurança para não cair, entre uma freada brusca e outra, entre uma parada longa na estação para esperar a “liberação do tráfego à frente”, e um desvio da rota na Baía de Guanabara por conta dos grandes cargueiros que entrevam rumo ao Porto, estava eu lendo, lendo e lendo…

Foi assim, de condução a condução, que adquiri o maravilhoso hábito da leitura, e comecei a ler uns clássicos da nossa literatura, que, infelizmente não tive o incentivo e nem a vontade de ler nos primeiros anos de vida escolar. Lembro que li uns clássicos machadianos logo na largada, mas me pareceram um tanto quanto confusos, com um português bem distante do meu vulgar, mas gostei muito de ter lido Dom Casmurro (até hoje eu gosto de dizer: eu e minhas camurrices…)

Aluísio de Azevedo e seu “Cortiço”

Não parei em Machado! Minha leitura sempre foi bem eclética, procurando ler um pouco de tudo. É claro que tem o que eu gosto mais de ler, que neste caso são os romances, as novelas, os contos, mas isso não é desculpa para não ler outros gêneros. Machado foi minha grande paixão do início da minha vida de leitor, até eu conhecer Aluísio de Azevedo!

Capa do livro “O cortiço”, de Aluísio Azevedo, edição da L&PM Pocket. Foto: divulgação

Ah, o Maranhão, quantos artistas, poetas, escritores célebres essa terra já nos deu… O que é a escrita de Aluísio gente?! Que maravilha. Pai do Realismo Brasileiro, Aluísio se especializou em descrever por menores em seus textos, as realidades vividas na sociedade brasileira do século XIX. O primeiro livro que peguei do Aluísio para ler foi o clássico imortal, monumental, incomparável O cortiço. Que livro, que história, que personagens marcantes, que lugar mítico, que transforma tudo e todos que vivem nele, e ao seu redor.

Foi esse o livro que mais me encantou há dez anos, e que agora, no final de 2016 e início de 2017, eu puder reencontrar com outra visão de mundo, com mais experiência na leitura, com praticamente duas graduações no currículo… Me reencontrei com O cortiço e, de modo especial, vivendo em um dos lugares que são retratados na história. A antiga praia da saudade, que hoje não mais existe, e o hospício que ficava próximo a ela são hoje meu destino todas as manhãs.

A antiga praia da saudade, se não me engano, deu lugar para o grande aterro que a região do pão de Açúcar sofreu, e que fez nascer o bairro da Urca, na Zona Sul do Rio. O Iate Clube Rio de Janeiro fica onde era a praia da saudade. Já o hospício que ficava em frente à praia, deu lugar ao Instituto Imperial dos Meninos Cegos, e que depois veio a ser o Instituto Benjamin Constant, local que desempenho minhas funções como bibliotecário que sou.

Confesso que li novamente em doses homeopáticas, saboreando cada frase, cada barraco que rolava no cortiço, cada personagem, cada história. Passei mais de um mês relendo este livro, e saboreando cada página. Ri muito no ônibus, quando eu passava por um episódio cômico entre Rita Baiana e Joana; entre o capoeira Firmo e o português que entendia de pedras, o Jerônimo; quando Pombinha, enfim, teve a sua primeira menstruação e sua mãe foi correndo falar no pátio da estalagem etc., etc., etc. Que livro maravilho; que história fascinante!

O cortiço não foi à única história que li do autor supracitado. Tive o privilégio de ler O mulato em outra ocasião, e fiquei tão encantado quanto com o primeiro por mim mencionado.

A experiência que tive na releitura foi muito proveitosa e de grande efeito pra mim, pois percebi que se pode ler mais de uma história no mesmo livro e que o tempo faz com que tenhamos a autorização de criar histórias dentro de uma história. Acho que com tal afirmação, devo me aventurar a redescobrir Clarice Lispector, que li pela primeira vez em 2009 e, confesso, não foi uma experiência muito boa.

Eis que estou em um dilema e, para mim, um dos melhores: continuar a ler os livros que pra mim ainda são inéditos, ou reler alguns já lidos há anos a fio?! Dúvida cruel para quem gosta de ler, mas acredito que seja fácil de resolver, todavia este segredo conto-vos em uma outra oportunidade. Até lá!

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