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Lei das Bibliotecas Escolas: cinco anos depois

Embora os dados não sejam recentes, eles mostram a ineficácia de uma lei (Lei nº 12.244 de 2010) que tinha, em seu nascimento, a ambição de universalizar as bibliotecas escolares no Brasil até 2020. Segundo dados do portal Qedu, em 2010, quando a lei entrou em vigor, só 33,1% das escolas tinham bibliotecas, em 2013 esse número não passava de 35%. Um aumento absolutamente inexpressivo.

De acordo com o Instituto Ecofuturo, que desenvolve desde 2012 a campanha Eu quero a minha biblioteca, para atender à legislação dentro do prazo seria necessário implantar cerca de 55 bibliotecas por dia, sem contar o grande número de profissionais que precisariam ser formados.

Segundo o Instituto, os benefícios de uma biblioteca viva e de qualidade para uma comunidade já foram comprovados. Dados do SAEB 2003 (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) para alunos da 4ª série (atual 5º ano) há maior proficiência em leitura quando até 25% dos alunos da escola fazem uso da biblioteca e esse número aumenta quando mais de 75% dos alunos a utilizam regularmente.

As dificuldades para fazer a lei “pegar” não estão totalmente claras, mas certamente a falta de bibliotecários no mercado para assumir estes espaços é uma das mais relevantes. Isso por que mesmo que os gestores públicos e empresários de ramo educacional queiram contratar, a escassez destes profissionais pode dificultar ou mesmo inviabilizar a empreitada.

De acordo com o Censo Escolar da Educação Básica de 2011 (Pesquisa do feita pelo Inep), existiam naquele ano 194.932 estabelecimentos de ensino de Educação Básica pelo Brasil, sendo 157.381 na rede pública e 37.551 na rede privada. Já os bibliotecários somam 34 mil inscritos no sistema CFB/CRBs, sendo que destes apenas 18 mil estão ativos. A disparidade entre os números é gritante.

Professores e/ou bibliotecários?

Então como resolver o problema? Formando cerca de 170 mil bibliotecários em cinco anos (tempo que resta para se esgotar o prazo da lei) ou possibilitando que outros profissionais (como professores, por exemplo) assumam estes espaços? É preferível garantir reserva de mercado aos bibliotecários, como querem alguns, prescindindo da biblioteca escolar ou garantir a existência destes espaços custe o que custar?

Um Projeto de Lei da Câmara (PLC nº 28 de 2012 que visa alterar a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – LDB), tramitando hoje no Senado Federal, parece abrir a possibilidade de professores, mediante a supervisão de bibliotecários, assumirem estes espaços. Conforme o texto da proposta, a União, os estados e os municípios estariam autorizados a condicionar o funcionamento dos estabelecimentos do seu sistema de ensino à disponibilidade de bibliotecas escolares, assistidas por bibliotecários com formação em nível superior “ou profissionais da educação com capacitação específica em biblioteca escolar e sob a supervisão do bibliotecário”.

O referido PLC não fala quantos bibliotecas escolares um bibliotecários poderia assumir. Mas tomando como base os números já apontados, cada profissional deveria ser responsável por pelo menos 10 estabelecimentos, isso se todos os bibliotecários ativos se dedicarem exclusivamente a este tipo de biblioteca, o que, obviamente, não acontecerá.

Gunter Schlamp explica que em seu país a escola oferece para um ou dois professores a formação de professor-bibliotecário ou de especialista em mídias

A ideia de professores assumindo bibliotecas escolares não é de todo desarrazoada, uma vez que essa é uma prática bem aceita em outros países. Em entrevista a edição 6 da Revista Biblioo, o conselheiro de Secretarias de Educação nos estados alemães de Hessen e Berlim-Brandenburgo, Gunter Schlamp, explicou que naquele país a escola oferece para um ou dois professores a formação de professor-bibliotecário ou de especialista em mídias.

“O curso dos professores-bibliotecários para todas as escolas deve ser o primeiro passo; o distrito ou estado estabelece uma central de serviços com uma equipe de bibliotecário, especialistas em mídias e profissionais de TI. Eles aconselhariam as escolas e ajudariam a preparar os cursos de treinamento”, esclarece Schlamp.

Nesta mesma edição da Revista, a bibliotecária colombiana Silvia Castrillón disse algo que ela julga impopular entre os bibliotecários: a possibilidade de professores assumirem a biblioteca escolar:

“Acredito que as bibliotecas escolares poderiam ser tratadas por professores com conhecimentos de Biblioteconomia. Eu acho que os conhecimentos de Biblioteconomia são necessários, mas que as bibliotecas devem colocar o foco em pedagogia. Mas também acredito que a formação do bibliotecário deveria estar mais voltada para questões relacionadas com a cultura escrita, leitura, escrita, a formação de leitores, livros (não somente de literatura), literatura etc.”, defende Castrillón.

Para Silvia Castrillón a ideia de professor assumindo bibliotecas á algo impopular entre os bibliotecários

Não é a toa que Castrillón se sinta constrangida com a ideia de um professor-bibliotecário. No Brasil quase toda a classe biblioteconômica rechaça por completo a ideia. O Conselho Federal de Biblioteconomia, por exemplo, fez circular na internet uma petição pública na qual solicitava a supressão, no PLC nº 28, da expressão “ou profissionais da educação com capacitação específica” que constava da proposta antes da terceira emenda.

Jonathas Carvalho, professor do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará (UFC), campus Cariri, e colaborador da Revista Biblioo, julga ser vazio o argumento sobre a disparidade entre o número de estabelecimentos de ensino básico a ser atendido e número de bibliotecários, pois o mesmo pode ser resolvido com uma projeção gradual, inclusive com o apoio da Universidade Aberta do Brasil (UAB) que promete lançar em breve um curso de Biblioteconomia na modalidade à distância.

Para Jonathas, o problema de fato está na relação centro-periferia. Isso por que, segundo ele, quanto mais periférico for o local mais dificuldades este terá de absorver bibliotecários, especialmente as periferias que não contam com curso de Biblioteconomia. Por esse raciocínio, mesmo que o Brasil consiga formar um número considerável de profissionais em pouco tempo, corre-se o risco destes se negarem a trabalhar nas regiões mais afastadas dos grandes centros, assim como já ocorre com os médicos e outros profissionais.

Sobre professores assumirem as bibliotecas escolares, Jonathas admite a possibilidade com a ressalva de que estes sejam supervisionados por bibliotecários, o que perece ir ao encontro do já citado PLC nº 28.

“Em tese, professores em bibliotecas estão pautados em apenas cumprir tempo de carga horária fazendo atividades básicas como ‘arrumar acervo’ e receber alunos em horários aleatórios sem um planejamento específico, que inclui o desenvolvimento de projetos de leitura (normalmente a leitura como fenômeno literário)”, diz Jonathas.

Jonathas propõe que o bibliotecário atue nestes espaços, mas sem excluir o docente readaptado, ou seja, uma atuação em parceria destes profissionais. Propõe, também, práticas pedagógicas, incluindo o desenvolvimento de projetos e serviços, inclusive para além da comunidade escolar interna, além do uso das práticas curriculares da Biblioteconomia na biblioteca escolar como estudo de usuários, acervos, fontes etc.

De acordo com uma pesquisa da Ecofuturo, quando a biblioteca escolar tem um responsável (o qual a pesquisa não aponta qual seria), a média aumenta, e, quando os professores realizam atividades dirigidas nesse ambiente, há ganhos importantes e significativos na aprendizagem.

A propósito desta observação, a edição 44 da Revista Biblioo, a ser lançada amanhã (26), trás a bela história da professora Vivin Fraga que, a muito custo, conseguiu envolver a comunidade escolar em torno do projeto de uma biblioteca na escola em que trabalha na Baixada Fluminense, Região Metropolitana do Rio.

Vivian, que teve uma relação espacial com as bibliotecas e com os livros desde cedo, trabalhou aos poucos com os alunos a ideia de que a biblioteca pertence à comunidade escolar e que eles tinham direito ao acesso dos livros. Segundo ela, muitos alunos demonstraram interesse e a partir daí se tentou um acordo com a direção. Depois de idas e vindas que resultou, inclusive, no afastamento da direção que obstava o acesso a biblioteca, a professora e seus alunos conseguiram acesso ao espaço que aos poucos foi sendo reconstruído.

Para Vivian, a biblioteca possibilitou um interesse crescente nos estudantes pela leitura. Segundo ela, é frequente se ouvir que os alunos não gostam de ler, o que lhe leva a questionar: “mas será que na realidade eles tiveram a oportunidade de saber, de descobrir se gostavam de ler?”. “Esta foi sem dúvida nossa maior conquista: os alunos frequentarem a biblioteca, desfolharem os livros, se interessarem, fazerem rodas de leitura e guardarem seu dinheiro para comprar livros, montarem em casa suas pequenas bibliotecas”.

Um levantamento realizado sob a coordenação do pesquisador Ricardo Paes de Barros, para o Ecofuturo, feito com 55 bibliotecas do Programa Ler é Preciso – implantadas pelo Instituto com parceria técnica da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – em municípios dos estados da Bahia e Pernambuco, mostra a elevação de 156% do progresso natural de aprovação escolar e redução de 46% na taxa de evasão escolar em comparação com regiões que não possuem bibliotecas do Programa na comparação com aqueles que não contam com uma.

Como se vê, a questão da biblioteca escolar está para além do profissional que irá tocá-la. É claro e evidente que o bibliotecário não pode e nem deve ser alijado deste processo. Mas a falta destes profissionais no mercado também não pode impedir que estes espaços se realizem.

Em verdade, muitas perguntas sobre a questão estão por ser respondidas como, por exemplo: o que os órgãos de fiscalização, como o Ministério Público Federal (pois a lei a ser obedecida é federal) e os Conselhos Regionais de Biblioteconomia têm feito para garantir o respeito à lei da biblioteca escolar? O que o poder os poderes executivos e legislativos locais têm feito para estimular a efetivação da lei? Como a academia tem contribuído com esta discussão? Existem experiências bem sucedidas?

I Seminário Diálogos Biblioo

Para tentar contribuir com essa discussão, a Revista Biblioo realizará no dia 24 de junho o I Seminário Diálogos Biblioo, cujo tema será Lei da Biblioteca Escolar: houve avanços em seus cinco anos de existência?, que trará à tona estas e outras indagações. O evento é gratuito. Maiores informações no site: www.biblioo.info/1seminario

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