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Intensificando a crítica

Disciplinas vinculadas ao contexto da informação, em especial, o campo da Ciência da Informação e disciplinas como Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia possuem perspectivas muito associativas em termos de produção do conhecimento, seja nos processos de atividade científica, seja nos processos de aplicação acadêmica e mercadológica.

No entanto, não é de hoje que as críticas se estabelecem em torno da fragmentação e superficialidade com que essas áreas produzem, de forma geral, questões relacionadas à informação/documento/conhecimento e, de forma específica, questões ligadas ao cotidiano pragmático e teórico como gestão, tecnologias, fontes, estudos de usuários, política de acervos, entre outros.

Quando Nélida González afirma que a CI (podendo ser estendida as disciplinas Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia) é uma área norteada mais por questões do que por teorias é possível confirmar essa fragmentação e superficialidade da produção de conhecimento. Embora esta afirmação não pareça tão relevante do ponto de vista mercadológico (e até mesmo acadêmico), considero que é pressuposto sine qua non para compreendemos as deficiências construtivas de conhecimento no campo da informação.

Posso iniciar minha crítica referindo a pouca (no sentido quantitativo e qualitativo do termo) produção de livros nas áreas atestando a escassez de subsídios bibliográficos mais densos e crítico-criativos. A priori, esta incidência pouco produtiva de livros pode ser justificada pelo caráter aplicativo e profissional das áreas que demanda infinidades de estudos empíricos, ou mesmo, pela dinâmica corrente de produção de artigos em larga escala que poderia suprir certas carências conteudísticas e pragmáticas.

Porém, se observamos de forma mais detalhada, a produção de livros é ponto vital para o reconhecimento de qualquer área do conhecimento por vários motivos:

a) Os livros são os suportes mais concretos e consistentes vinculados ao acesso à informação para estudantes, profissionais, professores, pesquisadores e sujeitos de uma forma geral;

b) Comumente focalizam visões inovadoras, densas e diferenciadas sobre determinados assuntos;

c) Se constituem como elementos basilares de leitura e de socialização do conhecimento na história da humanidade;

d) Denotam processos de leitura mais continuados e reflexivos.

Para não ser injusto e comprovando minha concepção, parte dos livros produzidos nas áreas vinculadas ao campo da informação são coletâneas (basicamente reunião de artigos em uma mesma obra) deliberando essa falta de consistência de obras fundamentais para o desenvolvimento destas áreas. Não que as coletâneas sejam frágeis do ponto de vista conteudístico, mas viver basicamente de coletâneas é um sinal claro de deficiência fundamentacionalista (teórica e prática).

A rigor, posso citar como exemplos questões fundamentais do campo da informação que padecem de consistência teórico-pragmática, em especial, na falta de produção de livros em nível de Brasil:

a) Estudo de usuários – o principal livro da área foi publicado por Nice de Figueiredo a partir de uma compilação de conteúdos de experiências diversas vivenciadas pela autora no exterior, cujo título é “Estudos de uso e usuários da informação”. Embora o livro tenha sido publicado em 1994, as experiências e proposições concebidas, datam do fim da década de 1970 e década de 1980;

b) Política de coleções – por muitos anos, a obra basilar da área foi produzida por Waldomiro Vergueiro intitulada “Desenvolvimento de coleções” (1989) estabelecendo um panorama descritivo-propositivo da política de acervos;

c) Fontes de informação – por muitos anos, as principais obras foram produzidas por Murilo Bastos da Cunha, além de livro organizado por Bernadete Campelo;

d) Tecnologias da informação e da comunicação – talvez um dos pontos mais nevrálgicos da área, de modo que os principais estudos se constituem como importação/aplicação de teorias e questões de outras áreas, como a Computação, sem uma perspectiva mais ampla de criação nas áreas do conhecimento vinculadas a informação;

e) Gestão da informação – boa parte das concepções que a norteiam no campo da informação provem da Administração e são adaptadas nas áreas do conhecimento vinculadas a informação.

Evidentemente que estes são apenas alguns exemplos para ilustrar o pensamento e que fique assegurado que o intuito não é tecer uma crítica aos autores mencionados (ao contrário, estes merecem elogios pela ousadia e pela condição de propor novos subsídios a área). A crítica pesa a área pela ausência de continuidade e ampliação dos estudos, principalmente a partir da produção de materiais bibliográficos mais consistentes.

Os resultados deste limite de avanço incidem na escassez de leituras mais densas para estudantes, profissionais e até pesquisadores da área, além da quantidade e qualidade deficitária de livros nas bibliotecas. Por exemplo, no caso da Ciência da Informação é incomum encontrar livros que relatem a história da área impossibilitando que os integrantes construam conhecimentos sobre a própria trajetória do campo, bem como que haja uma popularização mais ampla das questões que conduzem os destinos da área.

As consequências podem até ser consideradas catastróficas, pois uma área que praticamente não produz elementos teóricos e práticos com densidade continuada e histórica através de livros (excetuando as coletâneas), inibe condições para:

a) Popularizar os conhecimentos da área entre seus integrantes;

b) Popularizar o conhecimento da área para/entre membros de outras áreas;

c) Inibe a produção de obras mais densas e consistentes;

d) Inibe a percepção crítica e criativa no âmbito da informação (não é a toa que a própria área apresenta sérias dificuldades para definir as condições informacionais que estuda);

e) Inibe que os assuntos relevantes da área sejam publicizados e aceitos nas instituições/organizações em que profissionais da informação atuam;

f) Inibe o reconhecimento profissional e social da área no mercado;

De forma geral, o que pretendo sinalizar é que nossa área dispõe de uma infinidade de conteúdos interessantes, mas que são explorados com superficialidade gerando um entendimento deformativo na própria área e, por conseguinte, a falta de socialização desses conteúdos para o mercado (incluindo organizações contratantes de profissionais da informação e comunidade de usuários).

Exemplo disso é a resistência de instituições/organizações aceitarem práticas informacionais em centros de informação concernentes à aplicação de estudo de usuários, marketing em centros de informação, política de desenvolvimento de coleções, mediação da informação (normalmente esta é pré-determinada pela própria organização), uso de tecnologias etc. Isso significa que há um abismo latente entre o que se produz e se aplica e um dos principais motivos deste abismo é relativo à superficialidade com que se produz ou, em outras palavras, com a limitação que os integrantes da área visualizam mercado, academia, usuário, suportes tecnológicos e bibliográficos (sem generalizações).

Este abismo entre o que se produz e aplica na academia, mercado e na sociedade de forma mais ampla pode ser constatado na improfícua redundância em desenvolver estudos sobre “a importância da área” ou “importância de qualquer assunto ligado à área” que, no fundo, buscam muito mais convencer a nós mesmos dos significados sociais da área do que a sociedade. O problema é que, ao transferirmos para o outro (organizações e sociedade) a falta de reconhecimento das áreas vinculadas ao campo da informação e de suas práticas profissionais estamos, em verdade, esquecendo-se de nossas responsabilidades críticas e criativas de como alcançar de forma mais concreta a sociedade, especialmente aquela considerada mais marginalizada.

Logo, a visão limitada e/ou irrelevante sobre a atuação da área (acadêmica e profissional) não é apenas da sociedade (esta muito mais privada de acesso a serviços básicos de informação em que profissionais e pesquisadores em informação são essenciais), mas da própria classe que olvida de produzir de modo consistente suas perspectivas de atuação. Afinal, o reconhecimento de uma área do conhecimento não perpassa apenas por status, mas principalmente por produções críticas e criativas e de efetiva representação política.

Portanto, se queremos diminuir o abismo entre o que produzimos e aplicamos é preciso intensificar nossas críticas e criações. De outro modo, se queremos reconhecimento, precisamos sair da cômoda posição de responsabilizar o outro (instituições e sociedade) de possíveis insucessos e sair em defesa (valorização) da área com produções e propostas sólidas que transformem a história de atuação acadêmico-científica e profissional das áreas vinculadas ao campo da informação.

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