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Felicitações não pagam as contas de ninguém, nem recuperam a dignidade… muito menos de um professor

Hoje, 15 de outubro, é um daqueles dia em que parte da sociedade lembra que existem professores. Vejo a cada ano as mensagens – bem intencionadas, em muitos casos – de pessoas que de fato lembram com carinho de alguns de seus professores.

Uso esta data simbólica, no entanto, para me despedir. Por 25 anos atuei como professor (e continuarei atuando, porém cada vez menos). Não tenho reclamações dos alunos. Diria que a única parte boa desta profissão são vocês. Mesmo os que contribuíram para o surgimento de muitos dos meus cabelos brancos.

Ocorre que felicitações eventuais não pagam contas. Cumprimentos não trazem dignidade. Saudações formais não atenuam o desrespeito diário.

Nesses 25 anos de carreira, cansei de ver, ler ou ouvir equiparações entre o sacerdócio e a educação. O professor seria uma espécie de abnegado idealista. Tudo muito bonito mesmo. Mas extremamente desrespeitoso. Um professor precisa sobreviver com dignidade! Ele não é um missionário! Ao equiparar tais atividades (mesmo que se tenha o intuito de enaltecer a categoria), nega-se ao professor o direito de receber uma justa remuneração, equivalente às exigências que sempre lhe são cobradas.

Cansei de ver famílias barganhando preço de aulas em grupos de estudos. Nenhum deles barganha o valor de uma consulta num médico, ou um dentista. Pior, muitos desses quando passam em Medicina na Ulbra, Unisinos, Feevale (famosas universidades privadas do Rio Grande do Sul) etc., prontamente fazem a matrícula e pagam as mensalidades sem pestanejar.

Cansei de ver alunos que pediam desconto, ou pior, bolsa integral nos meus grupos postarem fotos de viagens para Europa, EUA, entre outros. Ou seja, o trabalho do professor não vale NADA! Mas no dia 15, muitos tem a pachorra de fazer postagens parabenizando os professores… Dispenso parabéns. Prefiro que mudem sua postura diante da categoria.

Cansei de ver colegas de profissão que se submetem a qualquer desmando, que reclamam genericamente nas redes, mas furam greves, são incapazes de se unir quando a categoria precisa demonstrar firmeza diante de governos ou entidades privadas abusivas. Pior ainda são os que pateticamente tiram fotos e fazem propaganda gratuita de instituições privadas nas redes. Que rastejam diante de migalhas…

Mas acima de tudo, cansei de ser humilhado. Já fui roubado em várias instituições. Repito – ROUBADO. Em uma delas, houve uma reunião formal em que um dos diretores/dono anunciou rebaixamento de salários. Todos os professores teriam que assinar que concordariam com isso, ou estariam demitidos. Isso foi num final de ano, logo após a conclusão das últimas atividades daquele período.

Três ou quatro professores (???), digo capachos, não apenas assinaram (como todos, pois precisávamos muito do emprego), como APLAUDIRAM no final, de forma patética. Nesta mesma instituição, um dos sócios PLAGIOU meu material e PUBLICOU um livro que era vendido na instituição. Quando eu denunciei o ocorrido, fui demitido…

A gota d’água veio esse ano, em uma instituição que obviamente não vou citar o nome porque nem mesmo propaganda negativa eles merecem… Minha esposa travou uma batalha gigantesca com um câncer de mama detectado em janeiro. Esse pré-vestibular estava ciente. Mandei TODOS os laudos médicos, bem como etapas do tratamento. Tudo documentado.

Em abril, minha esposa começava a quimioterapia, com a imunidade extremamente baixa. Justamente nesse período, queriam voltar as aulas presenciais, SEM QUE NENHUM PROFESSOR TIVESSE TOMADO NENHUMA DOSE da vacina. Obviamente me recusei. Até que eu e minha esposa estivéssemos devidamente vacinados, eu não voltaria… Após ela e eu tomarmos a 1ª dose, passadas três semanas, comuniquei que poderia voltar. Era MAIO. O que ocorreu? Fui demitido.

Cansei de viver em um país em que governos não apenas não investem em educação, como fazem questão de precarizar ao máximo tanto a estrutura como os salários. Cansei de ler comentários das pessoas dizendo que os professores tem “privilégios”. Cansei de ser professor no Estado que tem o PIOR SALÁRIO NACIONAL entre todos os professores.

Cansei de ser professor e passar 8 ANOS sem NENHUM REAJUSTE salarial. Cansei de ser professor e ouvir comentários na imprensa condenando qualquer manifestação de professores. Cansei de ser professor num país em que cumprimentam professores no dia 15 de outubro e chamam de “vagabundos” nos outros 364 dias do ano.

Por tudo isso e muito mais, estou abandonando essa profissão. Estar dentro de uma sala de aula e lecionar é muito gratificante. Ser reconhecido – como fui e ainda sou – por grande parte dos alunos é maravilhoso. Mas os bastidores, as intrigas, a falta de união, o real tratamento da sociedade, imprensa e governos em relação a nós não compensa.

Boa sorte aos que ficam.

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