É com especial prazer e, ao mesmo tempo, com sentimento de desafio, estar nas páginas deste livro [“A Biblioteca de Foucault – Reflexões sobre ética, poder e informação” do bibliotecário Cristian Brayner], uma amostra do pensamento articulado e crítico, bem como do estilo refinado e erudito de Cristian Brayner.
Um escritor que faz parte da nova geração de intelectuais bibliotecários e que ocupa, com talento e competência, o espaço de pensar o ideário da Biblioteconomia brasileira.
Ele chega como uma brisa impregnada de novas ideias para reinterpretar as questões da área, na atualidade.
Possui um diferencial pessoal importante, quer seja, a disciplina acadêmica, aliada a experiência profissional, e complementada pelo exercício da militância no movimento associativo bibliotecário.
Neste último aspecto, ele reúne credenciais suficientes para fornecer uma análise enriquecedora que rompe conceitos e posicionamentos de a muito superados, embora teimosamente vigentes.
Os ensaios, que fermentam este livro, estão construídos entorno desta vivência e de observações aguçadas.
E o autor não cede às concessões fáceis ou palatáveis para a audiência da obra, ao contrário, procura provocar e questionar. Assim, é possível que não agrade a todos os leitores. Ademais, não é uma leitura passiva, tão pouco se desenvolve sob qualquer prisma ideológico. A ideologia é unicamente Cristian.
É a postura de um espírito e mente dotados de liberdade e do inconformismo permanente diante das verdades e saberes impostos por um poder dominante. Afinal, como ressaltava Isaac Asimov[1], “O maior bem do Homem é uma mente inquieta”.
A leitura propõe um fazer pensar, e pensar para a além da “caixa” dos domínios bibliotecários. Olhar dentro do próprio “eu” profissional de forma dura e realista, conforme destaca Lee Pierce Butler[2], professor de Biblioteconomia da Universidade de Chicago, 1933 [citado pelo autor], “O bibliotecário é estranhamento desinteressado dos aspectos teóricos de sua profissão. O bibliotecário é o único a permanecer na simplicidade de seu pragmatismo”.
É uma leitura inquietante e que integra, continuamente, o interior e o exterior de uma atividade profissional, o seu lado visível e o invisível, exigindo que nossa consciência profissional se amplie a cada novo trecho das reflexões desenvolvidas por Cristian, até que possamos com lucidez perceber que, enquanto bibliotecários, somos as fontes das quais um futuro diferente pode começar a surgir.
Também fica praticamente impossível escapar da certeza e das indagações que acompanham as leituras, o que reforça a percepção de visualizar o bibliotecário como a fonte criadora da realidade e acontecimentos descritos.
O livro deve ser saboreado sem preconceitos ou reservas, para que o espelho refletido da profissão possa ser olhado com toda claridade para melhor observação. Embora, como ressalta Christian Jacob, a biblioteca é um lugar:
da memória nacional, espaço de conservação do patrimônio intelectual, literário e artístico, uma biblioteca é também o teatro de uma alquimia complexa em que, sob o efeito da leitura, da escrita e de sua interação, se libertem as forças, os movimentos dos pensamentos. É um lugar de diálogo com o passado, de criação e inovação, e a conservação só tem sentido como fermento dos saberes e motor dos conhecimentos, a serviço da coletividade inteira.[3]
Toda biblioteca dissimula uma concepção implícita da cultura, do saber e da memória, bem como da função que lhes cabe na sociedade de seu tempo. Uma biblioteca, em última instância, só adquire sentido pelo interesse do seu público.
Desta forma, Cristian Brayner propõe refletir, de forma acurada, a formação e a atuação do bibliotecário na ambiência tecnológica e digital, da atualidade.
Compreender o espaço da biblioteca brasileira, no contexto de uma sociedade que desconhece o real significado deste espaço de cultura, aprendizagem e lazer, mas que se torna importante aos desejos ou interesses de uma parcela do público pela gratuidade que algumas bibliotecas oferecem no acesso ao Wi-Fi.
Os textos não têm uma ordem temporal ou obrigatória de leitura. Pode-se iniciar a partir de qualquer capítulo, porém não são aleatórios. Estão relacionados por fios condutores de alta eletrificação pelos assuntos que conduzem. Porém, devem ser saboreados por completo.
Com talento e habilidade, o autor extrai de fatos e acontecimentos recentes, no país, contidos em registros de: notícias jornalísticas; políticas públicas para bibliotecas; e relatórios sobre o nível de leitura.
Elabora uma fundamentada análise da deontologia do código de ética do bibliotecário, a atuação das entidades de representação e a legislação do exercício profissional em vigor.
As temáticas dissecadas por Christian realizam-se com articulada vivacidade. E dos insumos obtidos desenvolve uma fundamentação crítica e pertinente.
O livro “A Biblioteca de Foucault” estruturada a partir das entrevistas, palestras e conferencias proferidas pelo autor, é também, um livro autobiográfico, na medida que ele retira dos fragmentos de sua história, características que o moldam como pensador e profissional.
Na base conceitual do livro, o referencial é Michel Foucault, responsável pelos novos caminhos na análise do poder e da história. Assim, Cristian estabelece a ligação saber-poder, explicitando os discursos que legitimam bibliotecas e bibliotecários, mas que não lhes permite dominar os acontecimentos de seu próprio destino.
“A Biblioteca de Foucault”, portanto, analisa o poder sofrido e, principalmente, o poder exercido pela biblioteca a partir da identificação de certos mecanismos ali presente, como os separação, interdição e vontade de verdade, ressaltando as possibilidades de resistência.
Apesar de crítico e provocador, o autor é um apaixonado pela Biblioteconomia. A dedicação pessoal em elaborar esta obra, demonstra essa viva paixão, bem como o seu comprometimento e responsabilidade profissional com a área.
[1] PENSADOR. Isaac Asimov. Disponível em: <https://www.pensador.com/>. Acesso em: 26 Mar. 2018.
[2] BUTLER, L. P. An introduction to Library Science. Chicago: University of Chicago Press, 1933. p. xi-xii.
[3] JACOB, C. Prefácio. In: BARATIN, M.; JACOB, C. (Dir.) O poder das bibliotecas: a memória dos livros no Ocidente. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 2000. p. 9.
*Publicado originalmente como posfácio do livro “A Biblioteca de Foucault – Reflexões sobre ética, poder e informação” do bibliotecário Cristian Brayner.
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