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Crônicas de uma andarilha pós-Idade Média – parte 9

Foto: Alpha Coders

Moro no último andar de um prédio mediano, camuflado por uma esquina e esnobado por uma ladeira. Todos os dias – bem, quase todos os dias, já que domingo é o dia da semana em que o despertador ganha vida e decide tocar às 7 horas -, vejo o amanhecer da janela.

Às vezes, ele chega em sua melhor forma, exibindo os raios de sol em toda a sua potência e furor – características que tanto encantaram o Egito Antigo. Outras vezes, vem silencioso, melancólico, sisudo, coberto por neblina e gotas de chuva que chegam a fechar aeroportos.

Seja qual for a ocasião, é um momento bonito de se ver! Tanto a aurora quanto o crepúsculo são horas mágicas do dia, momentos de transição, mudanças de ciclo. O dia se transforma em noite e, horas depois, a noite se transforma em dia.

Um olhar pragmático diria que se trata apenas da passagem do tempo, do transcorrer das horas. Uma visão transcendental apostaria na renovação de corpo, mente e espírito e na união entre natureza e humanidade. E uma mente otimista que se recusa a perder a racionalidade acreditaria na fusão dos dois mundos.

Todos esses floreios mentais surgem quando observo a luz de um poste ao longe, próximo a uma elevação, e que fica escondido por trás de grandes árvores. Faça chuva ou sol, dia ou noite, calor ou frio, eclipse ou névoa, guerra ou paz, o poste continua lá, sempre com a luz ligada.

Em qualquer hora do dia ou da noite, é possível captar aquela luz de cor alaranjada, quase como uma safira, resplandecendo no horizonte.

O que antes me intrigava, agora me enche de consolo. Esse é o tipo de luz que nunca se apaga. Uma luz tão forte e vibrante que não se deixa abater e nem intimidar pelos breus do caminho.

Ela vai continuar brilhando, a qualquer dia ou hora. Basta que o espectador saiba olhar. Em fases mais turvas, juro que posso escutar ao longe um sussurro que lembra muito a melodia da música “Apesar de você”, de Chico Buarque. Aposto que vem dali, daquele poste que nunca se apaga.

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