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Crônicas de uma andarilha pós-Idade Média – Parte 8

Homem dormindo na rua. Foto: Beto Felix / Sob Meu Olhar

Na famosa Rua do Ouvidor, no centro do Rio, um homem se arrasta pela calçada com uma caixinha de sapato aberta. Com as mãos sujas de terra, fuligem, poeira e da sola de sapatos envernizados, ele passa os dedos imundos no rosto e estende o braço fino no ar.

– Pode me dar uma esmolinha, patrões? – solta com um fio de voz.

Tiro do bolso duas notas e algumas moedas e entrego. Ele agradece:

– Que Deus te dê mais! O mundo vai melhorar.

Quase em frente à Confeitaria Colombo, um saxofonista toca “Vou Vivendo”, de Pixinguinha. Os olhos estão baixos, melancólicos. Um chapéu guarda alguns trocados que um ou outro transeunte lança para ajudar. Mais à frente, vendedores ambulantes falam sobre o país dar certo sem um governo corrupto, mas com pulso.

Em frente à uma loja de roupas masculinas, um homem faz sinal de arma com os dedos e grita sobre votar em capitão. Ao tempo em que isso acontece, o segurança da loja de roupas afugenta três meninos pequenos, frágeis e raquíticos que estavam pedindo para os clientes comprarem uma balinha.

Nas proximidades da Igreja Nossa Senhora do Carmo, na Rua Sete de Setembro, uma pessoa é ridicularizada com olhares e piadinhas por adotar um visual diferente do convencional. Um idoso usando camiseta vermelha e adesivos de apoio ao candidato professor foi interpelado por desconhecidos sobre suas escolhas. Logo após se desvencilhar, foi xingado.

Crianças que vivem nas ruas conversam em frente à porta de uma agência bancária na Rua Senador Dantas. Um menino de uns seis ou sete anos está com os olhos vermelhos de tanto chorar. Ele foi expulso da frente de um restaurante onde pedia comida.

Tomada por uma revolta espumante, comprei lanche para todos os garotos que estavam sentados na porta. Enquanto pedia os sucos e salgados, amaldiçoei o sistema político, social e ecocômico brasileiro, seu povo negligente e desestruturado, seus Gargântuas e Pantagruels.

Entreguei a comida aos meninos. Um deles disse:

– Valeu, tia!

– Vão para a escola – respondi.

– A escola vai ajudar a gente?

– Sim, vai.

– Os ói das pessoa pode melhorar. Não somo bicho.

– Não somos não, tia.

Não consegui nem encarar os garotos. De costas, acenei com um tchau. Não queria que eles vissem minhas lágrimas. Só consegui responder com o silêncio.

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