Não foi apenas uma, duas ou três vezes que presenciei arroubos nostálgicos quando o assunto retoma os “tempos de antigamente”. Para o espanto de quem credencia esses apelos a grupos de vovôs e tiozões, o chamado vem também da geração que nasceu em meados dos anos 1980, como eu.
Obviamente que não se trata de desprezar as conquistas da humanidade e dar de ombros para as maravilhas que o momento presente pode oferecer. É apenas o canto trovadoresco dos bardos que sentem falta de alguma coisa a mais em suas vidas; pessoas para quem apenas o virtual e o acesso quase ilimitado em tempo real está longe de ser suficiente.
Posso começar exemplificando com simplicidade através de perguntas: Quantas pessoas você conhece que ainda escrevem cartas, enviam cartões em datas comemorativas ou registram seus pensamentos em diários físicos? Com que frequência grupos de amigos se encontram para dividir momentos, jogar conversa fora, rachar uma pizza sem se preocupar com os chamados magnéticos do celular? Ainda há sessões de cinema caseiro, com escolha de filmes, pipoca recém-saída da panela e nenhuma notificação na tela?
Como mencionei antes, essas são apenas questões básicas, sem a intenção de formular tratados, mas que dizem muito sobre o que está acontecendo no Admirável Novo Mundo. Tem gente que não suporta mais atender chamadas telefônicas; prefere ler mensagens no Whatsapp ou – melhor ainda – ouvir a sequência entrecortada de áudios. Tenho relação com pessoas (ótimas, por sinal!) que não enviam sequer mais uma linha de texto. Quilos e quilos de áudios. “É mais rápido, mais prático”, dizem.
A socióloga norte-americana Amber Case fala um pouco dessa retomada de “antigos hábitos”, de “viver experiências reais e ter espaço para pensar”. O frenesi nos nocauteia de tal maneira que continuamos realizando atividades no piloto automático, sem saber o que ou quando estamos fazendo.
O prazer dos encontros olho no olho está sendo subjugado pelas presenças e urgências do outro lado da tela. Quem aqui nunca teve que fazer “cara de egípcia” porque o seu interlocutor o deixou falando com o vento, retorcendo o pescoço em um movimento quando exorcista para ver quem mandou mensagem no Whatsapp, quantos likes contabiliza no Instagram (a farra acabou!) ou nos vídeos no Youtube, postagens no Facebook e outras redes?
Quando lembramos que, em um passado não tão distante, tínhamos vivências mais próximas, nos relacionávamos presencialmente com as pessoas, nossas pesquisas eram feitas em bibliotecas, buscávamos sanar nossas dúvidas através da consulta de livros e nos encontrávamos só para ver aquele show da banda preferida que alguém gravou, é difícil – até duro demais – não sentir uma faísca (ou incêndios) de saudade.
Estamos colocando os dois pés em uma zona fantasma, onde nossos rastros são apagados – ou nem registrados. Não há mais ninguém aqui ou ali. Pelo menos fisicamente. Nem mesmo as realidades distópicas retratadas pela arte ou os filmes que lançam alguma profecia sobre o que pode nos acontecer se continuarmos assim parecem provocar nossa reflexão.
Os alertas pipocam de todo lugar, mas não tem importância porque se desfazer disso é muito mais doloroso.
Será?
Cabe aos trovadores saudosos continuarem tocando sua cítara e sonhando. Ou provar que há outros caminhos. Sempre há.
Comentários
Comentários