Uma intervenção urbana nada usual permaneceu na esquina de minha rua por mais de quinze dias. Ao voltar de viagem, notei o objeto branco por fora e desgastado por dentro – tenho receio de palpitar sobre o que poderia ser esse desgaste – estacionado na encruzilhada.
Assim que dei conta do tal utensílio de porcelana, custei a acreditar – ainda preservo a inocência da dúvida – no que os meus olhos estavam denunciando. Então, diante da permanência e do cochicho geral, tive que aceitar: havia uma privada abandonada na calçada.
Pedestres e até mesmo motoristas esticavam suas cabeças para examinar o trono branco. Quem se aventurava a chegar mais próximo, desviava o olhar. Como mencionei, prefiro nem imaginar a razão dessa repugnância. O fato é que alguém teve a desfaçatez nada empática de deixar uma privada em via pública. Sabe-se lá em que condições.
Tal situação me levou a pensar na rotina de nosso amado Brasilzão, onde tudo acontece a todo instante e nada parece ser feito. Enquanto a comunicação oficial pelas redes sociais – um modelo avançado de governança, visionário, digno de homens à frente de seu tempo – afirma que as ações institucionais estão indo muito bem, que não há corrupção neste novo sistema (sobre “paraísos onde não existem crimes”, capturar fragmentos de filmes como ‘A Criança Nº 44’) e apresenta ministros e representantes de falas exemplares, dignas de ‘pro bono’, o país contabiliza índices assustadores de desemprego, falência e estagnação.
Fora os problemas estruturais, que não são poucos, ainda há sempre uma nova manchete de desassossego para as “almas boas”, já que peças importantes do judiciário são frequentemente citadas em escândalos e a plataforma política recém-formada, repleta de justiceiros e ‘pessoas de bem’ de partidos anteriormente nanicos, briga de foice a olhos vistos.
Tal situação, não sei por que, me faz lembrar da história de um ancião que morava na cidade de meu avô. Sempre cansado de fazer todo o trabalho da roça e, em seguida, partir para as atividades domésticas, indagava a quem parasse para ouvi-lo:
– Será que se eu deixasse um saco com excrementos no meio da sala, alguém perceberia, se incomodaria e retiraria? Ou apodreceria por lá?
Contando o tempo, esse senhor já não deve estar mais entre nós, mas a pergunta dele continua válida. Se John, supondo que a pessoa que abandonou a privada na calçada tenha o mesmo nome de seu inventor, largar outro aparelho para a eliminação de dejetos nas ruas novamente, por quanto tempo o mesmo permanecerá em exposição? Um mês? Dois meses? Ou quem sabe um ano?
E a nossa querida terra Kubanacan também ficará à mercê dos “senhores das moscas” enquanto é desossada? Só o tempo dirá.
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