Na primeira parte no assunto que está sendo abordado, eu terminei questionando se havia covardia por parte do poder público em cobrar que as empresas de transporte se adequassem as normas impostas pelo Estado ou se na verdade havia cumplicidade do mesmo poder com as mesmas empresas. Vamos entender o esquema (ou seja lá o que for!).
Quando o prefeito Eduardo Paes propôs, através do seu então secretário de transportes em 2010, o senhor Carlos Osório (antes, amigo pessoal e correligionário do PMDB, agora desafeto e membro do PSDB ) que a cidade fosse dividida em 4 grandes regiões e que o sistema de transporte público (leia-se ônibus) fosse organizado em consórcios, ele prometeu uma série de benefícios às empresas de ônibus que já atuavam na cidade desde muitos tempo.
Um dos benefícios foi o próprio edital de convocação que, de forma nada as escondidas, dizia que uma das exigências para se obter a concessão sobre o transporte público com ônibus era ter pelo menos 50% da frota atuando nas regiões pretendidas. Isso beneficiou sobremaneira as empresas que já atuavam na cidade deixando de fora, por exemplo, empresas de São Paulo e de Curitiba, que tinham interesse na concessão. Com essa manobra no edital de convocação ficou fácil para 40 das 47 empresas que atuam no sistema de transporte em ônibus ganharem à concorrência e se dividirem em quatro consórcios.
Outro benefício dado pela governança municipal foi à isenção fiscal às empresas que, em contrapartida, deveriam cumpri uma série de exigências, dentre as quais, segundo o ex-prefeito, serem “submetidas a regras claras que não existiam!”. Sabe-se que as ditas “regras claras” não foram cumpridas, ou melhor, uma parte significativa delas não foi e não serão.
As obrigações que foram honradas são poucas: a implantação do Bilhete Único Carioca (que dá direito a duas passagens no intervalo de 2h) e a padronização dos ônibus, diferenciando-os pelas cores que correspondem aos consórcios. Ar-condicionado, pontualidade, nova frota, treinamento para os motoristas etc., etc., etc., esquece, pois se não ocorreu durante os dois governos do ex-prefeito, tão pouco ocorrerá no atual.
Para saciar o desejo desenfreado por dinheiro dos empresários do ramo de transporte, o governo municipal deu-lhes uma generosa isenção de impostos. O Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISS), que tinha uma alíquota de 2%, foi reduzida para 0,001%, deixando assim a cobrança no patamar do simbolismo e gerando um lucro extra para as empresas no valor de 33 milhões ao ano. Não é maravilhoso isso?!
Na outra ponta da corda, a população sofre com constantes aumentos no valor das tarifas, atrasos, ônibus mal cuidados… Com tudo isso, uma dúvida paira no ar: se a prefeitura deixa de arrecadar 33 milhões por ano com as empresas de ônibus, porque o ex-prefeito Eduardo Paes pagou as mesmas pelo retorno do valor das passagens em 2013?! Há ou não “algo de errado no reino da Dinamarca?!”
E por falar em estranheza, segundo informações dadas pelo PMDB ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), em 2012, uma boa parte das doações ao comitê da campanha do prefeito Eduardo Paes à reeleição, fora doados por quem não quis se identificar. Estranho, não?!
Em 2010, Paes sancionou a lei nº 5.223, que garantia isenção às empresas de ônibus devido às mudanças que o transporte público sofreu no Rio, inclusive em contrapartida pela implantação do Bilhete Único Carioca. No somatório até o fim do corrente, a prefeitura deixará de receber cerca de 71,1 milhões das empresas de ônibus. Na atual conjuntura econômica que atravessa o país e, sobretudo o estado do Rio de Janeiro, pode uma prefeitura deixar de arrecadar 71,1 milhões de reais de um setor que não cumpre com as exigências básicas do contrato?!
Em agosto de 2013, à Câmara Municipal do Rio de Janeiro quis instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as denúncias contra os consórcios que atuam no transporte público municipal. Havia as assinaturas necessárias para a instalação da CPI, mesmo à prefeitura mandando mensagens à sua base para vetar a mesma.
Com uma manobra da mesa diretora da casa, presidida pelo vereador Jorge Felippe (PMDB), a reunião que seria no plenário foi mudada para uma sala menor. Com isso, as senhas que foram prometidas para distribuição às 7h, não foram dadas, e o ingresso de muitas pessoas à casa foi negado. Com esse fato, gerou-se uma confusão na portaria da Câmara e a tomada do plenário da casa pelos manifestantes que queriam assistir a seção.
A composição da CPI não estava de acordo com a maioria dos manifestantes que foram protestar na casa legislativa, e nem para a oposição ao governo. Dois vereadores do partido do prefeito não assinaram a lista de requisição para instalação da CPI, mas, acabaram sendo eleitos presidente e relator da Comissão. Eram eles: Chiquinho Brazão e professor Uóston (PMDB), respectivamente.
Diante da pressão vinda da sociedade, o ex-prefeito do Rio de Janeiro encomendou uma auditoria no período compreendido entre 2014 a 2016, para saber como funcionava o sistema de transporte público da cidade, haja vista que a Secretaria de Transporte não dispunha de pessoal para a fiscalização (nem pessoal e nem boa vontade para fazê-lo!).
O resultado dessa auditoria constatou o que muitos cidadãos já sabiam: as tarifas das passagens são definidas com base em custos que a prefeitura desconhece e não tem como controlar; a distribuição de passageiros nos ônibus é irregular (70% das pessoas usam 33% das linhas); alguns consórcios operam com o número da frota inferior ao destinado para cada linha; o valor da passagem pelo PIB é superior à cidade de São Paulo, Londres e Buenos Aires, dentre outras coisas.
No âmbito da Operação Lava Jato, em um dos seus braços mais atuantes fora de Curitiba, a Operação Ponto Final, deflagrada em julho passado, levou à cadeia o maior empresário do setor de transporte no Rio de Janeiro, o comumente chamado de “Rei do ônibus”, Jacob Barata Filho. Com ele foi preso também o ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (FETRANSPOR), Lélis Teixeira, ambos acusados de participarem de um esquema de corrupção no setor de transporte público em que, além de empresários do setor, tinha a anuência do poder público e seus representantes.
Segundo informações obtidas e divulgadas pela força tarefa, os representantes das empresas de ônibus da capital Fluminense recebiam informação privilegiadas no tocante aos reajustes das passagens que a prefeitura daria. O privilégio era tanto que antes mesmo de sair no Diário Oficial do município, os empresários já estavam de posse dessas informações. Isso vai ao encontro do resultado da consultoria feita no setor de transporte, que dentre outras coisas constatou que os preços das passagens eram definidos com base em custos que a prefeitura desconhecia.
Fica claro pra mim quem seriam os doadores de milhares de reais para “ajudar” na campanha de Eduardo Paes à prefeitura em 2012, e que preferiram ficar no anonimato. Apenas o setor de construção civil lucrou tanto na gestão do ex-prefeito quanto às empresas de ônibus da cidade do Rio de Janeiro.
No tocante à construção civil, dá para se ter uma noção dos motivos que estimularam os lucros, pois a cidade do Rio de Janeiro virou um verdadeiro canteiro de obras por conta da Copa do Mundo de 2014 e, principalmente, das Olimpíadas de 2016. Agora no transporte público, vivendo o que se vive dentro dos coletivos, recebendo o pífio serviço que se recebe e pagando caro pelas passagens, fica a seguinte questão a ser respondida por quem geriu a cidade nos últimos oito anos: o senhor se deslocou de ônibus pela cidade durante os seus mandatos, Eduardo Paes, ou só entrou em um coletivo para posar para os fotógrafos e inaugurar os corredores para ônibus expressos?!
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