Muito provavelmente pra homenagear o Abraham, que meu avô Pedro deu o nome de Licoln ao seu primogênito. O tio mais velho, mais ranzinza, que todos temiam. Comerciante, dono de boteco, lembro do sorriso calmo, das frases sarcásticas (que descobri muito depois que eram) e das polêmicas familiares que protagonizou.
Lembro do meu tio mais velho, porque foi numa tarde qualquer de 1972, anos em que o disco “Os brutos também amam” foi lançado, que eu ouvi na sala da casa dele um dos grandes sucessos daquele ano de autoria de Roberto e Erasmo Carlos:
“Que pena tudo terminar
Da maneira que acabou
O seu amor não foi bastante
Pra querer-me como eu sou
Você um dia vai saber
Que eu te amei como ninguém
Minhas lágrimas reclamam
Elas dizem no meu pranto
Que os brutos também amam”
Meu tio Lincoln, um pão duro famoso, comprou o álbum do Agnaldo Timóteo e dizia orgulhosamente que o mineiro de Caratinga era um cantor de verdade, à antiga, como ele gostava. Eu descobria o mundo e achei curioso o tio durão se dobrando ao ídolo , intui em pura analogia que brutos também podiam ser fãs.
Agnaldo Timóteo é um artista popular com tudo que o título carrega. De origem operária, insistiu bravamente, desde a saída de Caratinga em 1961, em lutar pelo sucesso, que atingiu tanto pela voz que revela as profundezas de um Brasil nem sempre (re)conhecido, como pela personalidade controversa.
Naquele mesmo ano de 1972, ele deu uma entrevista polêmica para Ivan Lessa, Jaguar, Henfil e para Ziraldo, seu amigo de infância (moravam na mesma rua), na qual detonava os ídolos da MPB: Chico, Caetano, Milton. Muitos impropérios e tiração de sarro da banca do Pasquim. Dizem que ele se arrependeu depois.
Com tanta qualidade intempestiva, foi quase que natural o caminho do apaixonado torcedor do Botafogo para a política. A autoestima de cantor do vozeirão e a sinuosidade da trajetória partidária – foi brizolista, malufista, abraçou o lulismo, nos últimos tempos – deram o tom de sua vida agitada.
De alguma maneira, associo meu tio Licoln ao cantor Agnaldo Timóteo até hoje. Pelas polêmicas, pelas falas sarcásticas e aquela certeza de sempre estar certo, mesmo não agradando uma boa parte das pessoas.
Reduzir Agnaldo Timóteo a um reacionário e a um cantor brega revela o jeito ligeiro que o Brasil julga seus personagens marcantes, sobretudo os populares. Ele foi reacionário, foi brega sim, e foi um monte de outras coisas que dependem de sensibilidade e disposição para entendimento dos setores populares.
Agnaldo Timóteo foi mais uma vítima da Covid19, a peste maldita que está tirando da gente muito mais do que imaginamos.
Boa viagem, camarada!
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