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O manto sagrado esquecido da seleção brasileira de futebol

Manifestantes, muitos com a camisa da CBF, em protesto contra a presidente Dilma em 2015. Foto: Werther Santana / Estadão Conteúdo

Nada é mais emblemático no mundo do esporte do que a camisa canarinho da seleção brasileira de futebol. Há um misticismo gigantesco em torno dela, além, é claro, do peso simbólico que tal indumentária possui: são exatas cinco estrelas, referentes aos cinco títulos ganhos em diferentes Copas do Mundo. Nenhuma outra seleção tem tantos títulos assim; nenhum outro time é reconhecido em todo o mundo como a seleção nacional de futebol.
Lembro-me quando criança, do fascínio que sempre tive por eventos esportivos transmitidos pela televisão.

Era de praxe assistir corridas de carro, vôlei de quadra e de areia, maratonas, basquete, nado sincronizado dentre outras modalidades. As Olimpíadas eram esperadas por mim com muito entusiasmo, mas as Copas do Mundo de Futebol tinham o poder de transforma a atmosfera da cidade, do estado, do país! Quem não passou de casa em casa pedindo contribuição para enfeitar a rua no período de Copa? Quem nunca participou de mutirão para ornamentar os meio-fios, postes, pendurar bandeirinhas?

O encantamento que as Copas trazem é algo difícil de ser explicado, haja vista que se trata de uma emoção que nasce de uma paixão, fomentada desde a tenra idade, num país que priorizou o futebol e o exaltou sobre todas as outras modalidades esportivas. Ouso dizer que essa emoção, nem Freud explica!

Frente ao exposto, a camisa da seleção brasileira de futebol sempre foi uma peça quase que obrigatória para cada brasileiro. Usá-la é deixar de lado as diferenças regionais, políticas, religiosas, econômicas e até mesmo de rivalidade entre times de futebol do Brasil. Claro que todas essas diferenças “somem” do radar social nacional por cerca de 90 minutos, tempo mínimo de uma partida de futebol. Por questões financeiras, eu nunca tive uma camisa da seleção brasileira de futebol, mas sempre quis ter (enquanto criança e adolescente).

De quatro em quatro anos, o Brasil passa a viver momentos de êxtase por conta da proximidade do maior evento esportivo do planeta. Comércio, ruas, repartições, prédios públicos, fachadas, enfim, a cidade vão mudando de cor. O espírito patriota do brasileiro surge, algo que não se vê dilatado nas nossas comemorações cívicas que ocorrem todos os anos!

Pois bem, da última Copa até hoje, a camisa da seleção canarinho foi perdendo espaço em guarda roupas, araras, gavetas, vitrines. O vexatório placar de 7×1 para a seleção de futebol da Alemanha, em pleno estádio do Mineirão em Belo Horizonte, fez com que muitos torcedores (e não só eles); muitos brasileiros que nem são tão torcedores assim, mas que não imaginavam que a seleção perderia daquela forma em uma Copa realizada no Brasil, perdessem a vontade de ostentar a camisa de futebol mais pesada (simbolicamente) do mundo.

Entretanto, nada foi tão devastador no tocante a usar a camisa da seleção brasileira de futebol, como a manifestação em torno do impedimento da presidente Dilma Russef, em 2016; e nós sabemos como tudo isso começou! É claro que não preciso discorrer aqui sobre o que levou o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, a abrir o processo que veio a resultar na saída da presidenta da República (caso tenha interesse pelo assunto, publiquei aqui na Biblioo os seguintes textos: Crise política brasileira e Onde estão aquelas panelas?!).

Quando os meus compatriotas foram às ruas nos quatro cantos do país, travestidos de verde e amarelo, imbuídos de sincero desejo de mudança na política nacional, eu me mantive parado onde estava, ou melhor, continuei fazendo o que eu estava, e não me envolvi com eles. Daí você pode pensar o que me levou a não mover um passo em direção à concentração destes movimentos… A resposta é simples: vi que o dito movimento não era que emergia naturalmente do povo (como foram às manifestações de 2013), mas sim por conta de uma maciça campanha midiática, costurada nos bastidores com membros do legislativo e judiciário. Como bem disse um senador da república: “um grande acordo nacional; com o Supremo e tudo!”.

Para completar a patuscada midiática e criar um ambiente patriota, convocou-se a população para ir às ruas de verde e amarelo, de preferência com a camisa da seleção brasileira de futebol. E por que escolheram a camisa da seleção canarinho? Ora, nada mais une o Brasil do que o futebol (que como sabemos, foi largamente difundido neste país), e neste contexto, nada mais forte simbolicamente do que a camisa que ostenta cinco estrelas referentes aos cinco campeonatos mundiais conquistados. Bingo!

Manifestantes usaram camisas da seleção brasileira de futebol em protestos contra a então presidenta Dilma em 2016 na Avenida Paulista. Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil

A camisa da seleção passou a ser o uniforme oficial das manifestações contra a corrupção, mesmo já tendo havido denúncias de corrupção por parte e no seio da CBF. Mas isso foi ignorado solenemente, pois o que se queria nas ruas não era combater à corrupção, mas sim tirar o Partido dos Trabalhadores do poder. Meses depois da abertura do processo de impedimento da presidenta, ela foi deposta no primeiro semestre de 2016.

O governo do presidente ilegítimo assume o Planalto. Ele e sua corja de asseclas golpistas e corruptos. E qual a surpresa do povo patriota que foi às ruas depor a presidenta eleita? A corrupção não acabou com a saída do PT, pelo contrário, ela estava cada vez mais atuante, a despeito das inúmeras fases da Operação Lava Jato, que de resto também surgiu para combater a corrupção (de um só partido, diga-se de passagem!).

Foram escândalos atrás de escândalos que vieram à tona: malas de dinheiro sendo levadas as pressas pelo assessor pessoal do presidente ilegítimo, nas ruas de São Paulo; encontros fora da agenda aos montes, sendo o mais emblemático de todos, um com o dono de uma gigante do ramo da comercialização de proteína animal; duas denúncias contra o presidente ilegítimo sendo arquivadas pela Câmara dos Deputados que, a bem da verdade, além de ter seus deputados comprados por emendas liberadas pelo governo, não tem nenhuma moral no campo da ética para fazer correr um processo motivado por corrupção; e por aí vai (ladeira a baixo).

Penso que o golpe final nos conterrâneos meus, travestidos de verde e amarelo e reivindicando para si a alcunha de patriotas, foi à revelação que o vice colocado nas eleições de 2014, o senador pelo PSDB de Minas Gerais, a última reserva moral e esperança de um futuro melhor para o país, que afirmou em uma ligação que mataria o primo antes de ele fazer delação; que governava Minas Gerais do Leblon/RJ; que tem íntima relação com outro senador, dono de um helicóptero que foi interceptado pela Polícia Federal com 400 quilos de pasta base de cocaína; o senhor Aécio Neves, ter sido flagrado pedindo 2 milhões de reais a um dos irmãos Batista, para, supostamente, arcar com despesas com advogados.

Alguns quadros do governo ilegítimo foram acusados de corrupção. O homem de confiança do presidente golpista foi flagrado correndo com uma mala cheia de dinheiro em São Paulo; um homem forte do governo e que fora ministro da articulação política, está preso em Brasília pelo fato de ter 51 milhões de reais em espécie guardadas em um apartamento; outros homens fortes do governo estão arrolados no inquérito que acusa o presidente ilegítimo de favorecer uma empresa no Porto de Santos e com isso tirar vantagens indevidas; e por aí vai (e como vai!).

No último mês de maio, caminhoneiros de todo o Brasil, depois de tentarem sem sucesso, dialogar com o governo para se chegar a uma solução sobre as altas dos combustíveis (dentre outros tributos que pagavam), pararam em acostamentos, postos, distribuidoras, causando um verdadeiro desabastecimento no Brasil. Diante deste fato, o governo golpista decidiu conversar com os profissionais, mas já era tarde. A popularidade do presidente ilegítimo que nunca foi lá grandes coisas chegou a patamares nunca antes visto na história deste país. Nenhum outro presidente foi tão mal avaliado como o presidente golpista é!

A nova política de preços promovida pela Petrobrás acompanha à cotação do petróleo no cenário internacional. Para os especialistas de plantão é a forma correta de está em sintonia com o mundo comercial e econômico (leia-se capitalista). Só que essa nova política da Petrobrás vai de encontro aos anseios da maioria da população, isso devido ao fato de que, um dos motivos da indignação de certos setores da população com a presidente Dilma, era de ter que pagar R$3,25 pelo litro da gasolina, e agora pagam entre R$ 4,50 a R$ 5,00 pelo mesmo litro.

Curioso constatar que as pessoas que faziam suas panelas emitirem sons de protesto em todo território nacional estão covardemente caladas, estáticas, assistindo um presidente corrupto e ilegítimo fazer as maiores atrocidades com as suas chamadas reformas, dentre outras mazelas. Das duas uma: ou essas pessoas não fazem autocrítica ou têm medo de assumirem que colocaram alguém semelhante a elas no poder!

A Copa do Mundo de Futebol está aí, e a população não está lá tão empolgada como nas outras. Claro que os 7 x 1 para a Alemanha ainda ecoa nas gavetas guardadas no imaginário brasileiro; toda uma expectativa em torno da Copa realizada no Brasil, e coube a seleção o vexatório (neste caso) quarto lugar na competição. Entretanto, não foram apenas os 7 x 1 que impedem à população de assumir sua veia futebolísticas e vestir à camisa da seleção canarinho.

A vergonha de ter usado essa camisa para promover um bando de corruptos, carregados de denúncias de bandalheira com o dinheiro público e ter tirado uma presidente que, com todos os erros e equívocos, não foi até o presente momento acusada de roubo e/ou corrupção. Fica para nós a lição: deixemos os símbolos nacionais populares fora das nossas convicções ideológicas e/ou políticas. Quem perde com isso é a seleção brasileira de futebol que, de regra, não tem nada a ver com esta pândega criada com o seu uniforme. Força, Brasil! Traz este caneco pra cá!

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