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Ex-roçador de café ganha a vida vendendo livros

Por Rayanderson Guerra de O Globo

Em uma estante improvisada na Rua da Lapa, Clarice Lispector se apoia em Drummond. Ao lado, “Capitães da Areia”, do baiano Jorge Amado, parece vibrar ao ser folheado por José de Souza Dias. Paranaense roçador de café, Zé — como costuma ser chamado — trocou o campo pela metrópole e o cafezal pelas palavras. Há seis anos, ao entardecer, ele estaciona sua carroça, com quase 2 mil livros, em frente à Igreja Nossa Senhora do Desterro. O sebo itinerante se tornou o local de trabalho dele, que deixa claro: “Quero vender as minhas palavras, não as dos outros”.

EXPEDIENTE DAS 16H ÀS 21H

Em 2006, quando chegou ao Rio, José vendia livretos de até três páginas escritos por ele. As crônicas ficavam ao lado das revistas semanais que ele negociava pelas rua da cidade. Não deu muito certo. No fim do mês, o dinheiro não pagava as contas. Quatro anos depois, em 2010, ele comprou cerca de 50 livros e decidiu revendê-los na calçada da Glória. Com o lucro, adquiriu mais obras e, seis meses depois, uma carroça para carregar o material.

Há dois anos, José tenta emplacar seu livro: “A alma humana e o poder”. São dois volumes, cada um com cerca de 500 páginas, que serão publicados em duas semanas pela editora Biblioteca 24 horas, de São Paulo. Nas páginas, histórias esotéricas e outras passadas por ele na cidade.

— Eu tenho vocação para o conhecimento. Todo o meu trabalho na rua é para publicar o meu livro e divulgar as minhas ideias — suspira Zé, que, entre um cliente e outro, acompanha com os dedos a leitura de um manual de literatura brasileira.

Por dia, ele vende cerca de dez “livros dos outros”. Das 16h às 21h, Virgínia Woolf, Fernando Sabino e Machado de Assis dividem o espaço na calçada com outros autores como Martha Medeiros. Os preços variam de R$ 5 a R$ 20, e José consegue ganhar até R$ 1.200 por mês.

Ao voltar para casa, em Copacabana, Dona Judith Mendes parou para ler algumas lombadas na carroça. Por R$ 10, comprou o romance “Jubiabá”, de Jorge Amado.

— A ideia dele é ótima. Vivemos em uma correria, mas quem passa aqui se encanta com os livros, para e compra — elogiou.

José teve pouco contato com a literatura na infância. Mesmo sem a influência de leitores na família, fala um pouco sobre cada livro que vende. E seu escritor favorito é o indiano Osho, fundador de um movimento espiritual nos anos 1960.

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