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The OA e a experiência do “desarmamento mental”

Observação: A resenha contém spoilers descarados. Se não deseja saber detalhes da série, essa leitura não é recomendada.

Na calada da noite de dezembro de 2016, sem qualquer alarde, o Netflix lançou para o público mais um de seus investimentos no quesito “série”. Dessa vez, a trama mergulharia em teorias do além-morte e daria ao espectador dois caminhos: o do ceticismo lógico-racional e o da crença em uma envolvente história oral.

Série do Netflix surpreende público com trama repleta de mistérios. Imagem: Divulgação

The OA, produção norte-americana de drama, ficção e suspense, evoca o “desarmamento mental” para prender a atenção do público. Criada e produzida por Brit Marling e Zat Batmanglij, a série conta a história de Prairie Johnson (vivida por Brit Marling), uma jovem cega que foge de casa e retorna sete anos depois. Prairie é resgatada após saltar da ponte e a primeira coisa que chama a atenção é o fato de que ela está enxergando novamente.

A partir daí, os fatos começam a ser espalhados lentamente no decorrer da série. Os primeiros capítulos são bem intrincados: Prairie reencontra os pais e tenta fugir da medicação controlada. Desesperada para acessar a internet e encontrar Homer, um sujeito que esteve com ela durante os setes anos em que ficou desaparecida, Prairie acaba conhecendo Steve, Alfonso “French”, Buck, Jesse e, posteriormente, a professora Elizabeth.

No transcorrer da série, é possível perceber que essas cinco pessoas que Prairie conheceu não parecem ser fruto do mero acaso, pois a moça faz de cara o convite para uma reunião noturna em uma casa fechada com o intuito de contar sua história. A partir do ponto em que o público começa a conhecer o passado de Prairie, os portais da crença e da descrença se abrem. Quem escolhe acreditar – afinal, a série é sobre crer ou não crer -, percorre atentamente o passado de Prairie e descobre que ela, na verdade, é filha de um magnata russo.

Seu nome verdadeiro é Nina e, ainda criança, ela passa por uma EQM (experiência quase morte) quando o carro em que está cai em um rio. De todas as crianças presentes no veículo, apenas Nina sobrevive depois de acessar outra dimensão. Nela, uma entidade espiritual explica o que a criança precisará enfrentar e oferece a escolha de volta ou não para o mundo dos vivos. Como Nina decide retornar, a entidade “tira” a sua visão para que ela não possa ver todos os horrores pelos quais vai passar.

Então, a sucessão de tragédias começa: Nina é enviada para uma escola interna para crianças especiais, perde o pai, que é assassinado pela máfia, vai morar com uma tia que mantém um prostíbulo e vive em condições desumanas. Até que conhece Abel e Nancy, o casal que vai ao bordel comprar um bebê, filho de uma das prostitutas, e acaba esbarrando em Nina. Levada aos EUA, a criança passa por uma série de readaptações, mas continua tendo os mesmos pesadelos da infância que a fazem sangrar pelo nariz. Esses pesadelos-premonições são amenizados com medicação até Prairie chegar à juventude, quando decide sair de casa para encontrar o pai russo.

No entanto, esse encontro não acontece e ela acaba topando com o doutor Hap, um médico que estuda EQM e as pessoas que atravessaram essa experiência. Ingenuamente, Prairie decide acompanhá-lo em seus experimentos e acaba caindo em uma armadilha. Junto com mais três pessoas, ela é mantida em cativeiro dentro de uma espécie de estufa, comendo ração, bebendo água de um córrego improvisado (água utilizada para todas as necessidades) e sem qualquer privacidade.

O médico realiza experimentos com sobreviventes de EQM em um espaço tão bem equipado que daria inveja a qualquer cientista. Lá, ele provoca a “quase morte” em Prairie, Homer, Rachel e Scott para descobrir o que está por trás do véu do além. Durante anos, os quatro sobreviventes tentam buscar meios de fugir, mas sem sucesso. Até que eles têm acesso a outras dimensões e tentam descobrir uma forma de escapar. Após passar por uma EQM (Prairie tenta fugir e é acertada violentamente na cabeça pelo dr. Hap), Prairie volta a enxergar.

Médico realiza experimentos com sobreviventes de EQM. Foto: Divulgação

Além disso, com as constantes idas para a dimensão do pós-vida, Prairie sugere o termo OA. A sonoridade remete à palavra “away” (distante, longe) e, quase no final da temporada, Prairie faz referência a si mesma como “Original Angel” (Anjo Original). Nesse ponto, ficamos sabendo que, segundo sua crença, ela e seus amigos enclausurados são, na verdade, anjos. Como seres dotados de uma energia diferente, eles têm o poder de descobrir movimentos transcendentais e utilizá-los para fazer o bem. Há um caso de ressurreição na série, possível graças aos movimentos feitos por Prairie e Homer que, por sinal, formam o par romântico de The OA.

Depois de obter o quinto e último movimento para ter acesso ao poder dos “anjos”, Hap abandona OA em uma estrada, largada à própria sorte. Contando sua história aos cinco novos amigos, pessoas problemáticas e que enfrentam situações complexas, OA/ Prairie pretende conseguir ajuda e retornar para a outra dimensão, já que foi impedida de permanecer com seus amigos.

De volta à civilização, o ‘anjo original’ precisa encontrar forças e gente disposta a confiar em sua história. Nos capítulos finais, a narrativa de Prairie é colocada em dúvida, pois French encontra uma caixa com livros que sugerem que a moça inventou tudo. Nela, há títulos sobre nobres russos, histórias sobre anjos, Ilíada (com a narrativa de Homero) e outras coisas do gênero. Desacreditado, o grupo de ouvintes decide seguir com a vida, enquanto OA é novamente dopada por remédios e a história sobre a outra dimensão esfria.

No final, OA tem uma premonição e corre para a escola onde está o grupo. Uma situação perigosa acontece e, executando os movimentos ensinados por Prairie/OA, Steve, French, Buck, Jesse e a professora Elizabeth conseguem evitar uma tragédia coletiva. Contudo, a amiga Prairie é atingida e fica implícito que ela passou por uma EQM ou morreu de vez. Assim termina a primeira temporada, aguçando a mente dos espectadores e levantando teorias especulativas.

Por estimular a discussão e o sabor viciante da dúvida (isso é ou não é verdade? Prairie mentiu ou não? Existe outra dimensão ou não passa de uma história esquizofrênica?), The OA conseguiu espaço diante da crítica, do público e provavelmente vai ganhar continuação. Para quem gosta de séries como Sense 8 e Stranger Things, o drama que exige “desarmamento mental” é mais uma oportunidade de conteúdo para além do entretenimento.

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