Simplório de nascença,
humilde, por herança
otário, por maioria de votos.
De família, nem lembrança.
O que sabe, pouco ou nada,
aprendeu sozinho (com a vida.)
Diga-se de passagem, sofrida.
Mais que isso. Passada.
Em branco, sem cores.
Sem ninguém, sem amores.
Só a seca, a fome.
Sem futuro, sem nome.
Ninguém; só mais um Severino.
Sem nada, só a certeza.
De ter sede, de ter fome,
igual a todos que conhece.
Só uma criança, feito homem,
Sem esperanças, só uma prece.
Que acabe o sofrimento, a fome,
que não faça outra criança, sem nome.
E um dia choveu no sertão. Severino, homem bom, deitou no chão, na água, no barro. Só queria agradecer. A Deus, no céu, a chuva, por ter caído. Feliz e agradecido chorou. A seu lado, viu outro caboclo sentado, molhado, chorando. Sorriu para o irmão de fado. Gritou com uma alegria tão grande, como nem lembrava ter tido.
— Eu sô um Severino.
— Eu, sô teu anjo-da-guarda.
— Arre, égua!
— Que qui foi?
—Antão é purisso.
— O quê?
— As desgraça toda da minha vida
— Que qui tem?
— Ocê é mais feio que eu.
— E daí? Só to aqui, pra te ajudá.
— Num diga. Que qui tu qué?
— Eu vim te avisá.
— Tá na minha hora?
— Mais ou menos.
— Vai sê pexêra? Eu não gosto de sangue.
— Cabra froxo. Num vai não.
— Ah, bom.
— Vai se tiro.
— Vixe! Vou estribuchá?
— Já vice fala em cadera de roda?
— Ara! Mor de quê?
— É a sina.
— Sina é o que não farta no sertão.
— Ocê precisa si aprepará.
— A gente já sofre tanto.
— O sofrimento purifica.
— Prá que sertanejo qué pureza?
— Tu merece sê mió.
— Carece se incomodá.
— Mecê foi iscolhido.
— Pra sofrê? Eu num sô ruim.
— Purisso. Nóis precisa docê.
— Justo eu? Tanto povo aí.
— Esse povo carece sê ajudado.
— Vô ajudá numa cadera de roda?
— É um úrtimo teste.
— Pra vê se eu morro?
— Tá fazendo farta gente que nem ocê.
— Farta onde?
— Aqui. Ocê vai sê anjo.
—Vixe!
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