Como já é tradicional, a Revista Biblioo apresenta os 10 fatos que marcaram a cultura informacional no ano. Em 2015 foram muitos os acontecimentos, indo da crise na cultura, passando por greves e chegando nos eventos mais importantes da área de livro, leitura e bibliotecas.
1) Cultura em crise
A crise da cultura em geral e das bibliotecas públicas ensejou a criação de extensões, por assim dizer, do Movimento Abre Biblioteca em diversos estados do Brasil. Além do Abre Biblioteca Rio, também foram criados os da Paraíba e Pernambuco. No Rio o Movimento, criado em abril, assumiu como missão a luta contra a precarização das Bibliotecas-Parque (BPs) que vieram ao longo do ano sofrendo um intenso processo de desmantelamento. Foram realizados dois atos. O primeiro em abril reivindicava a retomada dos dias e horários de atendimento, que haviam sido reduzidos, bem como a realização de concurso público para suprir os cargos da instituição hoje ocupados por funcionários terceirizados. O segundo ato aconteceu no final de novembro após o Instituto de Desenvolvimento e Gestão, Organização Social responsável por gerenciar os espaços, anunciar que encerraria as atividades das quatro unidades das Bibliotecas (Manguinhos, Rocinha, Niterói e Centro) em função do não repasse dos valores por parte do estado. A despeito da precarização das bibliotecas municipais, a Prefeitura do Rio resolveu assumir as três unidades das BPs que ficam na cidade do Rio, ficando a de Niterói sob a responsabilidade da Prefeitura de lá. Conforme denunciou o Abre Biblioteca Rio, em 2014 a cultura ficou com míseros 0,04% e a educação com 3,7% (números de 2014) ao mesmo tempo em que o pagamento de juros e amortização da dívida por parte do governo federal consumiu mais de 45% de todo o orçamento da União. “O processo de precarização das bibliotecas-parque, como da cultura, da educação e da saúde pública é um processo que está sendo instituído pelo governo municipal, pelo governo estadual e pelo governo federal. […] Para cada funcionário de uma biblioteca-parque nós pagamos para uma OS o triplo do que pagaríamos para um servidor público, no entanto, o trabalhador dessa biblioteca não ganha nenhum terço do salário desse servidor”, denunciou Bruno Cruz, integrante do Abre Biblioteca Rio.
2) Morte do Eduardo Galeano
O escritor uruguaio, Eduardo Galeano, morreu aos 74 anos no dia 13 de abril de 2015 em Montevidéu devido a complicações de um câncer de pulmão.
Além de escritor, Galeano, era jornalista, ensaísta, historiador e ficcionista. Publicou mais de 30 livros, quase todos traduzidos no Brasil. Dentre uma de suas obras com grande repercussão, traduzida para vários idiomas, está o clássico, “As veias abertas da América Latina”, em que denuncia a opressão, exploração e a colonização latina.
Eduardo Galeano esteve no Brasil um ano antes de sua morte para divulgar seu último livro intitulado: “Os filhos dos dias”. Um livro em formato de calendário em que cada dia nasce uma história porque na visão de Galeano cada pessoa é feita de átomos, mas também de histórias.
Com a morte de Eduardo Galeano o mundo fica mais pobre, mas as suas obras continuam vivas e porque não dizer atuais e críticas. O legado de Galeano pode ser considerado uma memória viva dos condenados ao esquecimento e “invisíveis” que são descartados pelo sistema capitalista.
A história continua e as veias da América Latina permanecem abertas e ainda não foram saradas:
“Carolina Maria de Jesus nasceu no meio da sujeira e dos urubus.
Cresceu, sofreu, trabalhou duro; amou homens, teve filhos. Num livrinho, anotava com letra ruim suas tarefas e seus dias.
Um jornalista leu esses livros por acaso e Carolina Maria de Jesus converteu-se numa escritora famosa. Seu livro Quarto de Despejo, diário de cinco anos de vida num sórdido subúrbio da cidade de São Paulo, foi lido em quarenta países e traduzido para treze idiomas.
Cinderela do Brasil, produto do consumo mundial, Carolina Maria de Jesus saiu da favela, correu o mundo, foi entrevistada e fotografada, premiada pelos críticos, agasalhada pelos cavalheiros e recebida por presidentes.
Passaram-se os anos. No início de 1977, numa madrugada de domingo, Carolina Maria de Jesus morreu em meio ao lixo e aos urubus. Ninguém lembrava da mulher que escrevera: “A fome é a dinamite do corpo humano”.
Ela, que havia vivido de restos, pode ser, fugazmente, uma eleita. Foi permitido a ela sentar-se à mesa. Depois da sobremesa, rompeu-se o encanto. Enquanto seu sonho transcorria, o Brasil continuava sendo um país onde a cada dia, 100 trabalhadores ficam lesados por acidentes de trabalho e onde quatro de cada dez crianças que nascem, são obrigadas a converterem-se em mendigos, ladrões ou mágicos.
Ainda que as estatísticas sorriam, as pessoas estão arruinadas. Em sistemas organizados ao contrário, quando a economia cresce, cresce com ela a injustiça social. No período de maior êxito do “milagre” brasileiro, aumentou a taxa de mortalidade infantil nos subúrbios da cidade mais rica do país. A súbita prosperidade do petróleo no Equador trouxe a televisão a cores em vez de escolas e hospitais.
As cidades vão inchando até explodirem. Em 1950, a América Latina tinha seis cidades com mais de um milhão de habitantes. Em 1980, terá vinte e cinco. As vastas legiões de trabalhadores que o campo expulsa, compartilham, nas margens dos grandes centros urbanos, a mesma sorte que o sistema reserva aos jovens cidadãos que “sobram”. Aperfeiçoar-se – velhacaria latino-americana – as formas de sobrevivência dos caça-vidas. “O sistema produtivo vem mostrando uma visível insuficiência para gerar emprego produtivo que absorva a crescente força de trabalho da região, especialmente dos grandes contingentes de mão-de-obra urbana…” (Organizações das Nações Unidas, CEPAL).
Um estudo da Organização Mundial do Trabalho assinalava, faz pouco tempo, que na América Latina existem mais de 110 milhões de pessoas em condições de “grave pobreza”. Delas, setenta milhões podem ser consideradas “indigentes”. Qual é a porcentagem da população que come menos do necessário? Na linguagem dos técnicos, aqueles que tem, “orçamento inferior ao custo da alimentação mínima equilibrada”, são 43% dos colombianos, 42% da população brasileira, 49% da de Honduras, 31% dos mexicanos, 45% dos peruanos, 29% dos chilenos, 35% dos equatorianos.
Como afogar explosões de rebelião das grandes maiorias condenadas? Como prevenir essas possíveis explosões? Como evitar que essas maiorias sejam cada vez mais amplas se o sistema não funciona para eles? Excluindo-se a caridade, sobra a polícia”.
(GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. 36 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1994, p. 302-304).
3) Eventos importantes
O ano de 2015 ficará marcado pela realização de uma série de eventos, dos quais a Revista Biblioo teve oportunidade de participar de alguns fazendo uma extensa cobertura in loco.
O primeiro desses eventos foi a quinta edição do Bibliocamp realizado na Biblioteca Parque Estadual do Rio de Janeiro em maio de 2015. Uma iniciativa organizada por Moreno Barros que reuniu profissionais de diversas áreas.
“A ideia era que fosse um evento itinerante, independente e voluntário para as pessoas levarem para suas cidades. Uma das dinâmicas do Bibliocamp é a captação de talentos e de melhores práticas para condensar isso em um dia”, disse Moreno Barros no segundo programa Diálogos Biblioo.
Em um dia inteiro de programação o evento contou com palestras de grandes nomes da área de Biblioteconomia, dentre eles, Briquet de Lemos, Marina Macambyra, Soraia Magalhães, entre outros.
O Seminário Diálogos Biblioo. Organizado pela equipe da Revista, a primeira edição discutiu a Lei da Biblioteca Escolar, lançando a seguinte pergunta: “houve avanços em seus cinco anos de existência?” O Seminário aconteceu no auditório Mário Lago do Colégio Pedro II, unidade de São Cristovão, no Rio, em junho, e contou com a participação de bibliotecários, professores, pesquisadores, estudantes e interessados pelo tema.
IV Fórum Brasileiro de Bibliotecas Públicas, realizado como evento paralelo ao XXVI Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação (CBBD), aconteceu na cidade de São Paulo em julho, ocasião na qual foram discutidos temas como inovação e acessibilidade em bibliotecas.
Promovido pela Associação Catarinense de Bibliotecários (ACB), o 33º Painel de Biblioteconomia em Santa Catarina, realizado na cidade de Joinville entre os dias 12 e 14 de novembro, parece se firmar dentre os mais importantes eventos da categoria promovidos no Brasil. Esse sucesso se deve em grande medida ao grau de organização que impera entre os associados e entusiastas do associativismo, congregados em torno da ACB. Não à toa o evento tenha alcançado uma longevidade tão extensa. A própria ACB acaba de completar 45 anos de fundação, comemorados durante o Painel. “Nós também queremos alcançar e apimentar não só o nosso estado, a gente espera ter sempre pessoas de outros estados. Nós estamos abrindo pontes e fechando elos para percorrer todo o Brasil e quem sabe o mundo”, disse Kátia Costa, presidente da Associação.
O I Encontro Internacional de Políticas Públicas: Território Leitor foi realizado em Brasília entre os dias 30 de novembro a 04 de dezembro de 2015. Promovido pelo Ministério da Cultura e Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, o encontro englobou debates e reflexões acerca das ações e iniciativas dos setores do livro e da leitura no Brasil e no exterior.
O Território Leitor abarcou três importantes encontros: o I Encontro do Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), o XX Encontro do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) e o XVI Encontro Nacional do Proler (Programa Nacional de Incentivo à Leitura).
Para maiores informações sobre este evento confira nossa matéria de capa com uma reportagem completa do que foi discutido e apresentado no Território Leitor 2015.
4) Greves e manifestações
Em 2015 o Brasil viu uma de suas greves mais intensas e mais extensas na área da educação, tanto no ensino superior, quanto no ensino básico. Nas universidades mais de 60 instituições aderiram ao movimento paredista, numa greve que chegou a durar mais de quatro meses. O saldo parece ter sido negativo, uma vez que o governo federal, aquele que tem como slogan “a pátria educadora”, não cedeu à pressão e aos apelos dos trabalhadores concedendo um aumento de pouco mais de 10% dividido em dois anos. O acordo, inclusive, pode não ser cumprido pelo Planalto que já sinaliza com essa possibilidade.
No ensino básico, a sociedade assistiu atônita a polícia reprimir de forma violenta os professores que estavam em greve no Paraná.
Neste final de ano também foi possível acompanhar a luta dos estudantes de São Paulo que bravamente resistiram a ofensiva do governo Geraldo Alkmin (PSDB) que pretendia fazer uma “reorganização” no sistema educacional, o que resultaria, entre outras coisas, no fechamento de pelo menos 93 escolas. Mais uma vez a polícia reprimiu os manifestantes de forma violenta. Mesmo tendo suspendido o decreto que determinava o fechamento das unidades escolares, os estudantes resolveram permanecer ocupando as escolas até que o governo do estado revogue por completo a medida.
No Conselho Regional de Biblioteconomia da sétima região (CRB7) os funcionários fizeram história ao decretar uma greve que durou pelo menos duas semanas. Os trabalhadores reivindicavam reajustes de 9.3% no salário, retroativos a maio (data-base) e no valor do vale-refeição/alimentação, entre outros. O CRB7 tentou criminalizar o movimento paredista ingressando com uma ação que pedia que a greve foi considerada ilegal. No entanto, em audiência realizada no dia 25 de novembro, na Seção de Dissídios Coletivos (Sedic) do TRT-1ª Região, a desembargadora remeteu aos trabalhadores e ao CRB7 o compromisso de se ajustarem em conciliação. No dia 27 de novembro o SINSAFISPRO enviou um ofício ao Conselho solicitando o início do processo de conciliação para tratar das reivindicações básicas dos funcionários do órgão, que suspenderam a greve no último dia 26/11 por orientação da SEDIC, mas até o fechamento desta matéria, a autarquia não havia dado retorno sobre a solicitação, conforme informou a Biblioo o SINSAFISPRO.
5) Mudanças no MinC
Embora Juca Ferreira esteja no comando da pasta da Cultura desde o final de 2014, mudanças importantes aconteceram por lá. Na Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB), por exemplo, Volnei Canônica, ex-coordenador do programa Prazer em Ler do Instituto C&A, assumiu no lugar de Jefferson Assumpção, que havia deixado a Diretoria em abril deste ano. “A gente precisa mobilizar cada vez mais os governos municipais para que a gente tenha esse entendimento de que a biblioteca é um equipamento vivo e necessário para toda população” disse Canônica à Biblioo pouco antes de assumir oficialmente o cargo em agosto.
6) Criação da Frente Parlamentar do Livro, Leitura e Biblioteca do Rio
Após uma grande mobilização organizada por integrantes do Conexão Leitura, um polo que congrega bibliotecas comunitárias e desenvolve ações de leitura no Rio de Janeiro, no dia 20 de agosto de 2015 foi criada em sessão plenária na Câmara Municipal do Rio a Frente Parlamentar do Livro, Leitura e Biblioteca.
A Frente Parlamentar é um espaço criado com objetivo de ser um canal de debate entre o poder público, a sociedade civil e os vereadores em prol da construção de políticas públicas em torno da área do livro, leitura e bibliotecas.
Para a Frente ser instituída era necessário a assinatura de 26 vereadores, os integrantes do Polo Conexão Leitura visitaram 51 gabinetes de vereadores do Rio e conseguiram um total de 41 assinaturas.
Além desse feito, o Conexão Leitura, também vem fomentando o debate para o desenvolvimento e criação do Plano Municipal do Livro, Leitura e Biblioteca (PMLLB) do Rio. Em novembro de 2015 organizaram o II Seminário Conexão Leitura: “Por que queremos um Plano Municipal do Livro, da Leitura e da Biblioteca na Cidade do Rio de Janeiro?”
7) Aprovação do PMLLB em São Paulo
No dia 15 de novembro de 2015 foi aprovado em sessão plenária na Câmara Municipal de São Paulo, o Plano Municipal do Livro, Leitura e Biblioteca (PL 168/2010 de autoria do vereador Antonio Donato).
Após mais de um ano de discussões, debates e articulações entre a Sociedade Civil, o Executivo e o Parlamento finalmente o texto final do PMLLB foi concluído. Logo após a sanção do prefeito Fernando Haddad será criado um conselho para acompanhar as ações presentes nas diretrizes do plano.
8) Feira Internacional do Livro de Guadalajara
A vigésima nona edição da Feira Internacional de Guadalajara foi realizada de 28 de novembro até 06 de dezembro de 2015. Um dos eventos mais importantes do mundo editorial, a Feira de Guadalajara de 2015, recebeu autores, livreiros, bibliotecários, professores, agentes literários e editoras de mais de 40 países.
O Reino Unido foi o país homenageado nesta 29ª edição. O Brasil foi o país homenageado na edição da feira de 2001 e depois disso vem tendo grande participação. Esse ano o evento contou com a maior participação de brasileiros, e além disso, o Ministério da Cultura também enviou uma delegação para conferir a Feira Internacional do Livro de Guadalajara.
9) Eleições e posse do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC)
Após consulta pública o Ministério da Cultura lançou eleições para os Colegiados Setoriais e o Plenário do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) para o biênio 2015-2017. O processo eleitoral para escolha de representantes para o CNPC contou com mais de 70 mil participantes. Ao todo foram eleitos 58 integrantes do Pleno do Conselho – 20 da sociedade civil e os demais representantes dos poderes públicos federal, estadual e municipal.
Além dos integrantes do Pleno, o CNPC é composto por 19 Colegiados Setoriais, são eles: Arquivos, Arquitetura e Urbanismo, Artesanato, Arte Digital, Artes Visuais, Cultura Afro-brasileira, Audiovisual, Cultura Indígena, Cultura Popular, Circo, Dança, Design, Literatura, Moda, Música, Museu, Patrimônio Imaterial, Patrimônio Material e Teatro. Cada um desses colegiados é composto por 20 membros titulares, dos quais 15 são da sociedade civil e cinco do poder público, com igual número de suplentes.
A posse dos eleitos foi realizada no último dia 16 de dezembro em Brasília e contou com a participação do ministro da cultura, Juca Ferreira, convidados, membros dos fóruns estaduais e municipais de cultura, entre outros.
Dentre as atribuições dos eleitos estão a de acompanhar e fiscalizar a execução do Plano Nacional de Cultura (PNC); estabelecer diretrizes gerais para aplicação dos recursos do Fundo Nacional de Cultura (FNC); apoiar os acordos para a implantação do Sistema Federal de Cultura e aprovar o regimento interno da Conferência Nacional de Cultura.
10) Morte de “Presidente”, morador de rua que marcou época na Cinelândia
Sérgio Luis Santos das Dores era assim que se chamava o” Presidente”, morador de rua e ativista que veio a falecer vítima de falência múltipla dos órgãos no dia 16 de dezembro. Figura marcante nas manifestações de rua, Presidente, morava na região da Cinelândia, no centro do Rio, por mais de vinte anos.
Sempre presente em atos, protestos e nas manifestações de 2013. Sérgio tinha 63 anos, era conhecido pela sua espontaneidade e pelo seu ativismo. Presidente recebeu despedida de chefe de estado. O seu velório foi realizado na Câmara Municipal do Rio e contou com a presença de autoridades, políticos e amigos. O corpo saiu em cortejo até o cemitério do Catumbi, onde foi sepultado.
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