A partir de pautas por visibilidade e reconhecimento como intelectuais e bibliotecárias/os negras/os, além da reflexão sobre o mercado de trabalho e acadêmico, o livro “Epistemologias Negras: relações raciais na biblioteconomia”, publicado pelo recém lançado Selo Nyota, busca utilizar suas escritas e reflexões como forma de luta contra o que os autores têm chamado de “epistemicídio” dentro da biblioteconomia e em outros espaços, trazendo para visibilização a existência de negros em lugares de construção do saber.
Conforme a apresentação do livro, foram reunidas “escritas potentes” sobre relações raciais interseccionadas a gênero, sexualidades, informação e comunicação buscando evidenciar a trajetória de pessoas negras “que não se curvam à formação acadêmica hegemonicamente branca”. Dividido em duas seções temáticas, o livro possui somente bibliotecárias e bibliotecários negros como autores dos capítulos.
Organizado pelas/os bibliotecárias/os negras/os Danielle Barroso, Elisângela Gomes, Erinaldo Dias Valério, Franciéle Carneiro Garcês da Silva e Graziela dos Santos Lima, a publicação será lançada no próximo dia 09 de julho durante “I Encontro Nacional de Bibliotecárias/os Negras/os”, que será realizado na Universidade do Estado de Santa Catarina, em Florianópolis.
“As questões raciais alicerçam as relações de poder existentes na nossa sociedade. Nessa hierarquia que se criou, o conhecimento que aprendemos na universidade está orientado por uma visão eurocêntrica que exclui do campo discursivo outras possibilidades de pensar a ciência, a informação e o conhecimento”, explicam os organizadores da obra nesta entrevista.
Como surgiu a ideia do livro e a que ele se propõe?
A ideia surgiu a partir das reflexões sobre questões raciais dentro do Coletivo de Bibliotecárias/os Negras/os criado em 2018. O coletivo foi um ganho para nossa área, que surgiu por meio da experiência do livro “Bibliotecári@s Negr@s: ação, pesquisa e atuação política”. As discussões dentro do coletivo, proporcionaram novas visões e perspectivas por parte de bibliotecários/as negros/as.
Nesta ocasião, membros do Coletivo propuseram que fosse produzido um livro sobre a temática das relações raciais na área escrito a partir do lugar de fala dos próprios atores: bibliotecárias/os negras/os.
Neste sentido, o livro “Epistemologias negras: relações raciais na Biblioteconomia” propõe o recorte para os estudos epistemológicos dentro da área Biblioteconomia sob a perspectiva de pessoas negras bibliotecárias, buscando evidenciar reflexões e saberes plurais que fazem parte das populações negras e discutindo suas representações em diversos espaços da sociedade.
Por que trazer a discussão da questão racial para a biblioteconomia?
As questões raciais alicerçam as relações de poder existentes na nossa sociedade. Nessa hierarquia que se criou, o conhecimento que aprendemos na universidade está orientado por uma visão eurocêntrica que exclui do campo discursivo outras possibilidades de pensar a ciência, a informação e o conhecimento.
A discussão sobre questão racial precisa ser refletida e discutida dentro da biblioteconomia, em especial, por meio do currículo, para que esta ação na formação bibliotecária seja refletida na prática. A Lei Federal nº 10.639 de 2003, que torna obrigatória a discussão sobre história e cultura afro-brasileira e africana na rede pública e privada de ensino fundamental e médio, aponta para a importância dessa formação também nos cursos de licenciatura e bacharelado.
Por um lado, para formar profissionais com consciência crítica e ético-política que fará com que pense aspectos importantes como desigualdades sociais, diversidade étnica e cultural, história e cultura afros, branquitude, assim como a sua responsabilidade para a construção de uma sociedade antirracista e equânime.
Por outro lado, 54% da população brasileira é negra (considerando pretos e pardos) e usuária de produtos e serviços de bibliotecas e unidades de informação, mas ainda há mínima representatividade negra dentro desses espaços quando se pensa o acervo, políticas e ações culturais. Pensar estes espaços para representatividade da diversidade étnico-racial e cultural existente em nosso país vai ao encontro da missão ético-política da profissão bibliotecária e esta/e profissional precisa estar atenta/o a essas demandas.
Vocês identificaram entre os bibliotecários demandas por este debate?
O debate sobre questões étnico-raciais está há algum tempo sendo realizado dentro de cursos de biblioteconomia embora, em alguns casos, estes debates estivessem sendo feitos de forma local e por algumas pessoas específicas. Com o estabelecimento das leis federais 10.639/03 e 11.645/08 – que tratam da obrigatoriedade do ensino de histórias e culturas afro-brasileiras e indígenas em instituições de ensino brasileiras – a preocupação de quem estava dentro da biblioteconomia para as questões étnico-raciais tomaram maior visibilidade.
Docentes como Maria Aparecida Moura, Joselina da Silva, Mirian de Albuquerque Aquino, entre outras pessoas, auxiliaram na formação acadêmica crítica de uma gama de bibliotecárias/os negras/os que entenderam a necessidade de descolonizar o conhecimento realizado dentro da área e propor reflexões sobre diversos campos, instrumentos e epistemologias que a compõem.
Qual o nível de resistência na academia para discutir as questões raciais?
A resistência da academia aparece de diversas formas: racismo institucional, falta de abordagem do tema nos currículos de biblioteconomia enquanto disciplinas obrigatórias, falta de estímulo para pesquisa sobre a questão racial sob o discurso de ser um estudo considerado “militante”.
A invisibilidade perpassa o corpo docente, em sua maioria por não serem negros e não terem uma formação para discutir as relações raciais. Isso gera uma ruptura no processo de produção do conhecimento, em vista que as cotas na universidade proporcionaram maior acesso para estudantes negras e negros, mas o mesmo não ocorreu para a contratação de docentes.
Quando conseguimos propor pesquisas e ações no tocante às relações étnico-raciais esbarramos na falta ou escassez de acervo bibliográfico nas bibliotecas universitárias. Mais um indício de que essa discussão precisa avançar do ensino fundamental e médio alcançando a graduação e a pós-graduação.
Como o livro está organizado? (capítulos, número de páginas etc.)
Dividido em duas seções temáticas, 10 capítulos e 312 páginas, o livro possui somente bibliotecárias e bibliotecários negros como autores dos capítulos, entre os quais encontram-se: Bruno Almeida (UFBA), Nandia Letícia Freitas Rodrigues (UNESP), Graziela dos Santos Lima (UNESP), Lueci da Silva Silveira (UFRGS), Ana Claúdia Emidio da Silva (UFC), Dávila Maria Feitosa da Silva (UFCA), Elisângela Gomes (CFLB), Erinaldo Dias Valério (UFG), Franciéle Carneiro Garcês da Silva (UFMG), Luane Bento dos Santos (PUC-RJ) e Marcio Ferreira da Silva (UNESP).
Ficha técnica
Organizadores: Danielle Barroso, Elisângela Gomes, Erinaldo Dias Valério, Franciéle Carneiro Garcês da Silva e Graziela dos Santos Lima
Editora: Selo Nyota
Ano: 2019
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