A relação entre bibliotecas, sustentabilidade e meio ambiente pode parecer algo improvável para alguns. Não para a bibliotecária e mestre em biblioteconomia Nathalice Bezerra Cardoso que resolveu encarar o desafio e dar início a pesquisa sobre estes temas. Sua pesquisa, iniciada ainda na época da graduação, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), culminou no mestrado e na publicação de artigos e trabalhos, inclusive no Congresso da International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA). Hoje as diretrizes elaboradas pela bibliotecária servem para auxiliar outros bibliotecários e bibliotecas na adequação das demandas ambientais e de sustentabilidade. “Além da edificação sustentável, também é necessário aplicar a gestão ambiental na biblioteca e trabalhar a educação ambiental, tanto com os funcionários, quanto com os usuários”, destaca. Nesta entrevista concedida à Biblioo ela fala sobre suas motivações para os estudos, os resultados de sua pesquisa, entre outros.
Nathalice, você vem pesquisando há algum tempo sobre “bibliotecas verdes e sustentáveis”. Você poderia, por favor, falar um pouco sobre este conceito?
As bibliotecas verdes e sustentáveis nada mais são que bibliotecas projetadas para minimizarem o impacto negativo do homem no meio ambiente, maximizando a qualidade ambiental interna da biblioteca por meio de seleção cuidadosa do local de construção, quais materiais de construção serão utilizados, dando preferência para produtos biodegradáveis, além de mitigar a utilização de recursos naturais como água e energia, além da eliminação responsável de resíduos sólidos (através da reciclagem etc.).
Essas bibliotecas também se preocupam com os serviços prestados, atividades culturais, eventos, incentivo à leitura e projetos relacionados à sustentabilidade, demonstrando o papel social e a responsabilidade das bibliotecas como líderes em sustentabilidade ambiental.
O que lhe motivou a pesquisar este tema?
Sempre fui apaixonada pela natureza e na verdade desde a época da minha graduação em biblioteconomia na UNIRIO [Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro] eu pesquiso sobre a relação da nossa área com o meio ambiente. No começo foi muito difícil porque não encontrei apoio de professores para arriscar nesse tema.
Foi então que encontrei a professora Elisa Campos Machado que me apoiou e aceitou ser minha orientadora na graduação. Sem ela não teria chegado aonde cheguei. Deixo aqui meu agradecimento público [risos]. Continuando… assim que me formei, tive meu primeiro artigo publicado no periódico Perspectivas em Ciência da Informação com o tema “A contribuição do bibliotecário para a educação ambiental”. Desde então a minha paixão só foi aumentando e tive a necessidade de me especializar em Gestão Ambiental pela UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro] para entender mais sobre a relação da natureza com o homem e o impacto negativo que ele causa.
Essa especialização foi fundamental para dar continuidade na minha pesquisa e deu ainda mais vontade de disseminar a informação ambiental e a educação ambiental, visando à sustentabilidade, porque só assim é possível melhorar a qualidade de vida da sociedade em geral. As bibliotecas e os bibliotecários não poderiam ficar de fora desse processo de conscientização ambiental e senti a necessidade de fazer a minha parte dando continuidade a pesquisa.
Sua pesquisa se estendeu até o mestrado. A que resultados você chegou?
Infelizmente o Brasil ainda está engatinhando na sustentabilidade. Nossa legislação ambiental é muito boa, mas como tudo no Brasil, é difícil de ser aplicada, principalmente por falta de fiscalização ou até mesmo por falta de informação e conhecimento. Em relação à biblioteconomia, apesar da sustentabilidade ser discutida internacionalmente há bastante tempo, aqui no Brasil agora que estão surgindo às primeiras discussões. Esse ano, pela primeira vez, teremos um Congresso de Biblioteconomia (CBBD) que irá abordar o tema.
O Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), por sua vez, não tem diretrizes mínimas de sustentabilidade para as bibliotecas. Foi então que em 2013 tive a ideia de pesquisar se as bibliotecas-referências que receberam recursos financeiros do governo federal de 2008 a 2010, através dos eixos “Cultura e Cidades” e “Cultura e Cidadania”, a partir do Programa “Mais Cultura” do Ministério da Cultura (MinC), seguiram algum critério de sustentabilidade em suas reformas.
Mesmo não tendo diretrizes, para minha surpresa a nossa Biblioteca Parque Estadual do Rio de Janeiro (BPERJ) acabou levando em consideração a sustentabilidade, sendo então considerada a primeira biblioteca verde certificada do Brasil e a segunda da América Latina. Infelizmente, depois de tanto esforço e tanto investimento, como todos sabem, hoje ela encontra-se fechada. Foi assim através da teoria (literatura internacional) e da nossa prática (BPERJ em funcionamento) que minha pesquisa do Mestrado Profissional em Biblioteconomia da UNIRIO “Bibliotecas verdes e sustentáveis: diretrizes para bibliotecas públicas” teve como produto final “Diretrizes de sustentabilidade para bibliotecas públicas”.
Por ser um assunto novo no Brasil, tive a felicidade de ter parte do meu trabalho aprovado e apresentado no Congresso da IFLA em 2015. Hoje espero também que essas mesmas diretrizes sejam incorporadas pelo SNBP para serem mais disseminadas, chegando a alcançar todas as bibliotecas públicas do Brasil. Assim todas as bibliotecas, até mesmo as privadas, podem implantar ações de sustentabilidade, mostrando que é possível e que só basta a boa vontade dos bibliotecários e dos gestores de bibliotecas.
É possível a adoção de diretrizes para que as bibliotecas se adaptem a um padrão mínimo de sustentabilidade? Como?
Claro que é possível! Basta a boa vontade dos bibliotecários e dos gestores das bibliotecas. Como eu falei anteriormente, no mestrado consegui elaborar diretrizes básicas para auxiliar outros bibliotecários e bibliotecas. Tentando resumir, além da edificação sustentável, também é necessário aplicar a gestão ambiental na biblioteca e trabalhar a educação ambiental, tanto com os funcionários, quanto com os usuários.
Todas as bibliotecas são espaços potenciais de conscientização do cidadão e devem servir como exemplo a ser seguido por todos. As bibliotecas devem incorporar a construção sustentável, critérios e princípios de economia de recursos naturais, minimizar o impacto ambiental, gerenciando racionalmente os bens públicos, além da gestão adequada de resíduos sólidos e não esquecendo de cumprir sua missão, colaborando para ampliar o acesso à informação e incentivar as práticas sustentáveis.
Por fim, como é discutir a sustentabilidade das bibliotecas públicas em um país que sequer conseguiu implementar este tipo de equipamento em todos os seus municípios?
Não podemos esperar que todos os municípios do país tenham bibliotecas para começar a respeitar o meio ambiente. De acordo com dados da SNBP de abril de 2015, o Brasil possuia 6.102 bibliotecas públicas locais e estaduais nos 26 estados e no Distrito Federal. É a mais popular instalação pública cultural em municípios brasileiros, com o potencial de se tornar um centro de apropriação, produção e disseminação de informações e conhecimento ambiental. Entendo que essas instituições – mantidas pelo Estado – deveriam ser as primeiras a incorporar os princípios de sustentabilidade, tornando-se exemplos de instalações culturais sustentáveis no país. Se cada um fizer a sua parte, estaremos contribuindo também para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas. Agenda 2030 corresponde ao conjunto de programas, ações e diretrizes que orientarão os trabalhos das Nações Unidas e de seus países membros rumo ao desenvolvimento sustentável. O Brasil está participando desse esforço global e a biblioteconomia e a ciência da informação não podem ficar de fora.
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