Biblioo

Onde estão as bibliotecas?

Por JB Alencastro, do Diário da Manhã

Visitando um jovem amigo talentoso, logo ao entrar em seu apartamento, uma parede inteira de livros na sala de estar. Poderia dizer que fiquei estupefato, mas não, a felicidade me invadiu e dali não sairia mais, por dias. Meu velho pai diria que se conhece uma pessoa pelos livros que leu e pelos que tem – o que não é a mesma coisa – e principalmente pelos que ele deseja ler.

Vou a várias casas em ricos condomínios fechados e nem mais pergunto onde é a biblioteca. Ela inexiste. A maioria tem um “home theather”, que subleva o belo hábito de ir ao cinema e nunca é comparável ao mesmo. São casas frias de pé direito alto, paredes sem quadros e o rastro dos livros, na sala, no banheiro, nos quartos, no corredor, na varanda, na beira da piscina, sumiu. São assépticas como um centro cirúrgico com o chão de porcelanato e aquele cheiro irritante de limpeza.

Quando me lembro da pilha que está na minha cabeceira, e que nunca acaba, sempre renovada, exceto o “Eu profundo e os outros eus” de Pessoa, fico pesaroso. O que fazem as pessoas antes de dormir? Veem televisão? Aquela caixinha de bobagens que agora concorre cabeça a cabeça com as redes sociais da Net? O barulho, a luz intermitente, tudo isso leva a um sono ruim. Diferente do livro que fecha seus olhos naturalmente e o transporta para dentro do mundo de sonhos que ele oferece.

Confesso-lhes que até comprei um “tablet” e nele baixei uns livros técnicos e a narrativa patagônica de Jules Verne “Le Phare du bout du monde”, originalmente publicada em versão remanejada em 1905 e republicada em 1999 de acordo com o livro de 1903. Esses recursos eu reconheço que são úteis. Você carrega consigo a sua biblioteca. Mas não é a mesma coisa.

Livros têm textura e cheiro. Livros podem e devem ser expostos, emprestados, dedicados, compartilhados. Além – é claro– autografados ou dedicados. E a biblioteca é o berçário dos livros e nunca seu cemitério. Assim como os sebos são as praças literárias, as praias cheias de surpresas onde o sol de uma nova leitura brilha em edições já esgotadas.

Não é à toa que um dos meus ídolos se chama Mindlin, o maior bibliotecário do Brasil e da América do Sul e sua doação espetacular feita antes de falecer, para a USP. Mindlin e seus 38.000 volumes com raridades e curiosidades, uma festa para todos que ele juntou durante seus noventa e cinco bem vividos anos. Quem lê muito geralmente vive mais. A atividade cerebral é fundamental para perdurar a chama.

Lembro-me do primeiro livro que li, uma biografia de Alexandre, O Grande. Aquilo me despertou uma vontade enorme de conhecer os caminhos que ele passou, de saber sobre outras figuras emblemáticas mundiais, de ir à biblioteca de Alexandria. Eu tinha cinco anos. Crianças gostam de aventuras, não de Machado, Eça ou Camões. Um dos erros comuns é a formação de leitores. Eles têm que ser atiçados pelo texto, enlaçados e conquistados, para depois conhecer as nuances estilísticas e linguísticas.

A biblioteca tem esse papel, junto com os pais e os professores. O exemplo é fundamental. Venho de uma família de grandes leitores, pai, mãe e tia. As recomendações eram plurais, desde os discursos de Cícero e Catilina, passando por Victor Hugo e minha querida Eponine, até o campeão de vendas Harold Hobbins e seus títulos bombásticos. A obra completa de Monteiro Lobato lida no colégio… Isso me formou como pessoa e aos poucos a poesia tomou conta de mim. Desde Camões até Manoel de Barros, passando por Drummond e Vinícius e sem nunca abandonar Pessoa, o maior de todos na nossa língua.

Depois veio a necessidade de ler no original, de ir aos países em que viveram os grandes autores, e conhecer in loco as solenes e aconchegantes bibliotecas nacionais, além de pequenos sebos de ruas tristes de centro da cidade ou bairros que um dia moraram ilustres escritores e agora são tomados por comércio de 1,99.

A melhor coisa que faço sozinho é ler. E um dos grandes orgulhos que tenho é saber que meu pai não se tornou nome de rua, mas sim de biblioteca. E que a sabedoria dele e de minha mãe, ainda hoje me arrebata por livros e livros e as duas bibliotecas que em casa cuido e guardo.

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