A pirataria talvez seja um dos problemas mais interessantes que podemos encarar hoje, porque ela coloca muitos de nós na berlinda do uso ético da informação, afronta os instrumentos de defesa dos direitos autorais e questiona o modo como os artistas são recompensados por seu trabalho.
Muito já se discutiu sobre a responsabilidade dos bibliotecários em relação aos direitos autorais, então ao invés de procurar definições ou chegar a um acordo comum entre nosso corpo profissional e a legislação de direito autoral, buscarei apresentar uma perspectiva pessoal acerca do dilema do pirata.
Particularmente, enxergo o valor utilitário de obter cópias digitais na internet, em caráter individual e sem a intenção de revenda, com a finalidade de obter mídias de maneira facilitada e pagando pouco ou nada por isso. A prática converge para a supressão da necessidade de intermediários na produção e disseminação de conteúdo. No entanto, a ética da compensação aos criadores e artistas continua a ser uma preocupação.
O contexto da pirataria digital oferece insumos para a exploração das tensões entre as noções de legalidade, criminalidade e produção criativa. Mas gostaria de me ater em como as partes envolvidas negociam esses regimes de propriedade, distribuição e consumo de mídias (ou conteúdo, ou informação, como queiram), e recomendar algumas alternativas de recompensa ao trabalho intelectual e artístico no contexto digital, partindo do arquétipo do editor independente que tem seus livros copiados e distribuídos indiscriminadamente na internet, a sua revelia.
Podemos também supor que eu seja o pirata confesso e que já proferi inúmeras vezes o argumento que 1) a pirataria é mais conveniente do que qualquer outra opção; 2) muitas obras que obtenho por meio de pirataria eu simplesmente não consumiria se a compra fosse a única opção; 3) acabo recompensando os artistas de outras maneiras, divulgando sua obra, assistindo apresentações e shows, consumindo anúncios relacionados a obra; 4) sozinho não sou capaz de afetar uma indústria inteira, baixando seu produto sem pagar, e que 5) “eles” são monopólios capitalistas.
Posso argumentar sobre a contabilidade distorcida das grandes corporações e seu discurso de manutenção da propriedade, e explicar que estimar perdas potenciais exige pressupostos tão etéreos quanto saber o que o mundo teria sido se a pirataria ou a xerox ou prensa de Gutenberg nunca tivessem surgido. Mas nada disso diminui o fato de que, no modelo atual, a pirataria impõe um custo adicional para todas as pessoas envolvidas na confecção do produto. Afinal, não existe almoço grátis e as transações precisam garantir dinheiro para que a indústria possa continuar financiando e provendo obras novas.
A perda potencial imposta pela pirataria pode não ser tão devastadora para filmes blockbusters, livros best-sellers e bandas muito populares, mas certamente é prejudicial para toda a indústria “indie”, tais como pequenas editoras, cineastas amadores e bandas independentes. Piratas digitais são muito mais conscientes e empáticos em relação a produções e lançamentos menores, que por sua vez, comparados aos grandes conglomerados de mídia, são ainda mais dependentes do bom desempenho de bilheteria e vendas, para expandir estrategicamente seus catálogos e mercados.
Nesse sentido, há uma razão pela qual não há muitos livros originais publicados em um nicho específico como a Biblioteconomia e não causa surpresa (além de tristeza) que o pequeno editor desista de investir na comercialização de livros impressos.
Se eu estivesse em posição de perguntar ao pequeno editor independente se ele teria o ímpeto de iniciar um projeto editorial hoje, do zero, nos termos atuais, não me surpreenderia se a resposta fosse negativa. A menos que ocorra uma mudança significativa no modelo de negócios, há uma série de coisas que continuará contribuindo para a derrocada. Não só os piratas, mas o público e a indústria como um todo podem ser responsabilizados pelo fato de que, hoje, a produção intelectual ou artística é cada vez mais direcionada pelo risco e o retorno do investimento, e isso certamente não é uma boa base para o processo criativo.
O resultado é, ou ameaça tornar-se, uma estratificação que concentra grandes estrelas, blockbusters e best-sellers no topo da pirâmide. Um número enorme de amadores e iniciantes preenche as camadas inferiores, na esperança de que suas carreiras se tornem viral. Outro grupo do estrato, os escritores modestos, bandas semi-populares, atores de teatro, museus locais, orquestras e similares, estão sendo espremidos para fora da existência.
A pirataria solidifica tais decisões da indústria baseadas em risco. Quando eu pirateio algo, estou operando fora das métricas que as indústrias utilizam para medir o sucesso de um projeto. Ou seja, estou reforçando o que eles acreditam, que a única maneira de mitigar o risco é oferecer um produto resguardado em uma propriedade intelectual pré-estabelecida.
Mesmo que ele não seja um gatekeeper malicioso ou ganancioso, o prospecto é desfavorável para o pequeno editor, que para manter vivo seu negócio precisa continuamente nos convencer de seu papel de filtro de qualidade. Por muitos anos o discurso dos intermediários sugeriu que era impossível oferecer conteúdo de qualidade e de graça simultaneamente. Mas a capacidade de distribuição e curadoria na internet, e a pirataria indiretamente, reconfiguraram essas condições.
Uma esperança para a editora indie é que, nós, enquanto consumidores de obras intelectuais e de arte sob qualquer forma, nos tornemos capazes de reconhecer o papel que cada indivíduo exerce na atribuição de valor aos trabalhos criativos. Precisamos decidir coletivamente como todo o conteúdo criativo deve ser distribuído, e se a distribuição for mesmo gratuita, avaliar quais são os efeitos dessa medida.
Nossa interação com a arte e a cultura não deveria ser reduzida somente à compra de ingressos para o cinema, um livro na megastore local, uma música no Spotify ou uma assinatura do Netflix. Os livros, o cinema, a televisão e a música são a espinha dorsal da nossa cultura e nossa percepção sobre a importância da criatividade não pode ser baseada apenas em uma relação monetária.
Mas em síntese, a essência do meu argumento é que os gatekeepers utilizam a proteção dos direitos autorais e o discurso antipirataria não para ajudar os criadores e artistas, mas para enriquecer-se à custa de seus talentos e das imposições unilaterais aos consumidores de conteúdo. E que eles se tornam desnecessários, se não irrelevantes, no cenário atual da web.
Pirataria retarda as expectativas dos investidores, por isso é um alvo fácil, um inimigo. Diz o ditado que a informação quer ser livre, mas coisas livres ou grátis são ruins para o capitalismo, porque destrói a concorrência e reduz os lucros. Hoje, a principal contradição no capitalismo moderno é entre a possibilidade de oferecer bens em abundância, com um valor social agregado e de modo livre, e um sistema de monopólios que luta para manter o controle sobre o poder e a circulação de informações.
A informação querer ser livre (ou grátis) representa, na verdade, um paradoxo. Fundamentalmente, o aumento da função da informação como um acelerador e fonte de valor é acompanhado proporcionalmente pelo custo de prevenir sua disseminação. Ou seja, quanto mais informação você tem, mais ela gera valor. Mas quanto mais informação você possui, mais difícil fica defendê-la em barreiras proprietárias. A replicação é inevitável.
Qualquer criança aprende desde cedo a não tomar aquilo que não a pertence e reconhece que não tem direito automaticamente a qualquer coisa (não, não e não!). Se eu não posso experimentar algo, posso atenuar minha decepção com uma das muitas obras disponíveis para mim através de um meio legal. A biblioteca pública, por exemplo. Se eu não puder obter algo por causa de uma razão logística, eu aguardo.
Mas no cerne do problema está um equívoco sobre como a internet funciona. Esse intervalo de espera ou deslocamento espacial não faz mais sentido no universo digital. E o erro comum é caracterizar o ato de copiar como roubo, não reconhecendo que a cópia digital não destitui a posse do produto original, não provoca uma perda tangível sobre outro consumidor. Uma distinção óbvia, que não é refletida nos termos da lei.
A legislação também não garante compensações por perdas potenciais aos criadores e detentores dos direitos de reprodução (quem investiu na produção e distribuição da obra), uma vez que não há nada capaz de assegurar que uma cópia realizada efetivamente representa uma venda perdida (“tive acesso à versão pirata da obra, mas simplesmente não compraria ou pagaria se esta fosse a única opção”).
A maioria das pessoas usa a web para atividade pessoal, cultural, em caráter privado. Bloqueios digitais e outros aparatos anti-cópia fazem com que o consumidor médio seja transformado em refém de um sistema concebido para impedir o roubo a uma escala industrial. A razão pela qual não podemos comparar a pirataria na internet a nada é porque nunca tivemos a capacidade de compartilhar recursos a custo quase zero com qualquer pessoa, não importa onde estivessem no mundo. Os custos de produção e distribuição estão reduzindo drasticamente graças à disponibilidade de tecnologia. Nossa sociedade ainda está se adaptando às mudanças que a tecnologia trouxe e continuará a trazer.
A internet por si só é essencialmente uma máquina de copiar. Nós podemos nos convencer de que é ruim para as pessoas piratear coisas, mas não há um futuro em que seja difícil copiar na internet. E não há nenhuma teoria articulável de redução da pirataria na internet que não venha de alguém tentando vender algo a mais ou algum tipo de proteção. Ou seja, quando afirmam que a pirataria é inaceitável, normalmente o resultado é uma alocação enorme de dinheiro para alienar as pessoas da circulação de informações.
A lei de direitos autorais não pressupõe que exista apenas uma fonte legal para obter informações. Ela existe para detalhar o direito de reprodução. As indústrias que lucram com a utilização comercial dos direitos de autor têm normalmente garantido seu montante restringindo direitos que impõem um ambiente de escassez. Mas isso é uma questão de estratégia de negócios, e não da lei. O que podemos propor é a concepção de estratégias que respeitem os direitos do criador, mas que sejam contrárias à escassez artificial.
Os direitos autorais, concebidos na Inglaterra há três séculos para proteger os escritores de gananciosos impressores, aplicam-se da mesma forma para criadores e consumidores na era digital?
Recompensa aos criadores
Muitos anos atrás a produção da maioria dos livros consistia em copiá-los uma letra de cada vez. Finalmente a prensa foi inventada e depois os tipos móveis, oferecendo a reprodução de textos de modo muito mais rápido e barato. Já naquela época, os governos e a Igreja viram essa capacidade de reprodução como uma ameaça à sua autoridade.
A solução foi simples: licenciar as impressoras. Se você quisesse operar uma prensa e obter o direito de fazer cópias de textos, você precisava da aprovação do governo. Em troca, o impressor concordava em censurar conteúdo crítico ao governo ou que fosse contra os ensinamentos da Igreja. E essa é uma das origens do direito autoral.
Com o tempo, conforme a economia evoluiu e as editoras emergiram como empresas comerciais, os direitos de autor se tornaram comercialmente relevantes, menos como um instrumento de controle do governo e Igreja e mais como uma fonte de lucro. A lógica funciona assim: se eu tiver os direitos autorais de um material específico, então você não pode fazer cópias dele, o que significa que eu possuo essencialmente um monopólio no fornecimento deste conteúdo. Eu sou o único autorizado a produzir e vender cópias do mesmo.
Em paralelo a esse processo de consolidação dos direitos do autor, legitimou-se a ideia de que incentivos eram necessários para os criadores de conteúdo, assim como os incentivos são necessários para que as pessoas criem bens tangíveis ou materiais. Se você possui uma fábrica, então é conveniente investir nela, porque logo passará a receber os benefícios dessas melhorias. Da mesma forma, se você está trabalhando em um livro, você deve ser dono do livro para que tenha um incentivo de escrevê-lo em primeiro lugar, melhorá-lo ao longo do tempo através de revisões e eventualmente escrever novos livros.
Acreditamos que os artistas têm inerentemente direito a uma compensação monetária pelo seu trabalho. Mas a dinâmica de recompensa tradicional só funciona previamente à concepção da obra. Na outra ponta, quando os artistas exigem o pagamento depois de trabalhar em seus próprios termos isso tende a ser visto não como uma recompensa voluntária, mas como uma espécie de extorsão.
É deliciado falar de compensação para os autores em conexão com direitos de autorais, pois pressupõe que 1) esta lei existe exclusivamente para o bem dos autores e 2) sempre que lermos alguma coisa, assumimos uma dívida para com o autor que devemos, então, reembolsar. Como não podemos acreditar cegamente na primeira suposição e a segunda é simplesmente impraticável como uma ação totalizante, como é que você paga as pessoas que produzem conteúdo?
A proposta de uma gift economy baseada em caridade, onde em um mundo hiperconectado os artistas podem sustentar-se oferecendo seu trabalho a uma rede de generosidade recíproca, não demonstra sustentabilidade. Todos nós curtimos, compartilhamos a súplica de alguém para ajudar com certas despesas. Mas a maioria de nós não doa nem um centavo. Simpatizamos e vamos embora, seguros em um relativo anonimato. Dinâmicas de micropagamentos e crowdsourcing seguem a mesma tendência: funcionam bem em projetos iniciais, mas não conseguem se manter sustentáveis.
Os artistas também não confiam em agências do governo, seja porque são propensos à censura, não são inteiramente competentes para separar o joio do trigo e porque sistemas de incentivos ou isenções dificilmente estabelecem uma plataforma de igualdade entre os artistas.
Financiamento por meio de publicidades parece ser uma das últimas tentativas realistas, levando em conta o incremento dos algoritmos e do modelo de negócio das gigantes da internet. Mas além dos anúncios serem inoportunos e horríveis, os próprios sistemas e os usuários estão criando mecanismos de repelir propaganda indesejada (adblock), o que faz com que os anunciantes terminem por pagar menos aos artistas em conformidade com a projeção que alcançam na web.
Então, como? Talvez alguma iniciativa emergente acabará dando certo. As plataformas e canais de mídia estão tentando novos métodos o tempo todo. Talvez a maneira mais sensata para a arte competir em um mercado aberto seja fluir livremente. Isto é, a internet torna mais fácil a implementação de um sistema de direitos autorais leve, em que todos têm a liberdade de redistribuir cópias idênticas sem fins comerciais. O melhor exemplo seria a iniciativa do Creative Commons, que junto de outras iniciativas e da própria cultura do software livre, resume a proposta de que toda arte não deve ser necessariamente livre, mas que todas as obras possam ser compartilháveis.
Mas as obras ainda precisam ser financiadas em primeira instância. Em um ambiente que torna o modelo de controle menos petulante, surgem outras formas de recompensa além do dinheiro. Por exemplo, muitos autores ganham mais dinheiro fazendo coisas relacionadas à sua escrita do que eles fazem a partir da escrita propriamente. Além disso, os artistas passam a contar com maior poder de negociação. Quando um novato de sucesso ou um booktuber revelação é sondado por uma grande editora, que quer tirá-la do mercado “indie” para alçá-lo ao profissional, o pior contrato que podem oferecer tem que ser melhor do que o autor poderia obter por si mesmo.
Monopólios de financiamento e distribuição de conteúdo significam que existe um número reduzido de editores para um excesso de oferta de autores no mercado. Se você é um escritor, seu desejo é que haja muitas editoras, pois a oferta deixa de ser tabelada e a probabilidade de alguém pagar mais pelo o seu livro sobe, já que há empresas competindo para comprar seu passe. Uma indústria com uma única editora que publica dez mil títulos por ano é pior do que uma indústria com cem editores, cada um publicando cem títulos.
Artistas que buscam se manter na carreira devem reconhecer a web como um meio de promoção sem precedentes, antes de se tornar uma fonte de receita real. Estratégias de divulgação e distribuições que ganharam espaço graças à internet impulsionam os aspirantes: embora seja difícil nas artes transformar fama em dinheiro, é ainda mais difícil transformar obscuridade em dinheiro.
O cenário “indie” pode continuar a tomar proveito da infra-estrutura supostamente pública fornecida por serviços de internet. Basta apenas ter consciência de que se você não está pagando por algo, você não é o cliente, você é o produto a ser vendido. Mas a oportunidade inicial de eliminar o intermediário reside aí. Métodos cada vez mais sofisticados de filtragem colaborativa, análise semântica e classificação social impulsionam a curadoria de conteúdo na web. Esse tipo de curadoria utiliza a contribuição humana para melhor servir mercados, estreitos ou não, e orienta produtos e serviços para as tecnologias de redes sociais e aplicações em smartphones.
Os artistas postam seus vídeos no YouTube (de booktrailers a mini docs) e acumulam comissões de programas de afiliados com base em visualizações e anúncios. Utilizam newsletters, Facebook, Pinterest e Twitter para promover suas obras. Recebem pagamentos em dinheiro com o Square, Paypal ou Google Payments. Vendem livros através de sistemas de autopublicação como Amazon Kindle, Lulu, BookBaby. Colocam seus produtos no Google Play ou na App Store. Eles contam com Goodreads e blogueiros de livros para divulgação boca a boca e compartilham arquivos no Dropbox e YouSendIt. Eles compram palavras-chave de busca no Bing e Google.
É verdade que aqueles que têm sido os mais bem sucedidos no uso das novas ferramentas digitais são artistas que já tiveram sucesso comercial com as chamadas empresas de legado. O novo modelo que tem tanta promessa para os recém-chegados e revelações pode na realidade discriminá-los estritamente por causa do grande volume de conteúdo disponível e consequente dificuldade em conseguir que as novidades sejam vistas, ouvidas ou lidas. Esse é o problema original com os gatekeepers e seu argumento de manutenção do status, mas que, acredito eu, pode ser resolvido nos próximos anos com a ampla curadoria realizada pelos usuários e consumidores de conteúdo online.
Propostas para o futuro
Estávamos habituados com uma versão muito organizada e fechada da indústria de mídias, onde grandes interesses controlavam vastas áreas das coisas que lemos, assistimos e ouvimos. Esse sistema foi construído sobre o conceito de escassez e localidade, os limites do que era fisicamente possível, então era muito fácil manter as portas vigiadas e continuar enchendo os bolsos. Simplificando, havia muito menos jogadores no campo com muito menos saídas para o conteúdo, de modo que as audiências eram ótimas pagadoras e fáceis de encontrar.
Tudo então migrou para o formato digital e, de repente, todos aqueles velhos canais fixos começaram a ruir. Mas esta indústria é uma besta desmedida, se movendo lentamente e com pouca preocupação sobre as suas ameaças e arredores. Em grande parte a indústria respondeu à promessa (ou ameaça) do digital ignorando ou negando-o. Então, em vez de deslocar sua atenção e compreensão do valor do usuário para o futuro digital, manteve-se ligada ao modelo vigente. O que significava que todo o dinheiro continuou sendo canalizado para os mercados tradicionais, apesar da notória expansão da internet.
A indústria tende a pensar suas plataformas como a máquina que leva os produtos de um lugar para outro, canais de mão única. Mas deveríamos estar pensando nela como uma grande e bonita ferramenta para fazer coisas novas de maneira complementar, canais de mão-dupla. André Silva alerta que o “foco é refletir sobre as novas possibilidades que se apontam e que podem surgir de evolução do trabalho intelectual pela internet, sob novos arranjos de monetização. É preciso nos esforçar neste sentido, de encontrarmos meios e maneiras de inovar nas possibilidades de rentabilizar as criações e a criatividade. O Youtube possibilita a monetização para o usuário […] e obtém seus ganhos gerando fluxos. O Facebook gera seus ganhos restringindo fluxos. Infelizmente ainda poucas empresas perceberam e entraram na vibe do novo viés do Prosumidor, o usuário que é, e quer ser, simultaneamente Produtor e Consumidor. Infelizmente ainda poucas empresas entenderam que a monetização pela internet deve se desenhar sempre que possível envolvendo a gratuidade.”
Em vez de entrar no mérito da legalidade da pirataria, os criadores devem se concentrar em ser transparentes, acessíveis, escolhendo compartilhar algum conteúdo gratuitamente ou sob a bandeira de licenciamento livre e desenvolver uma verdadeira relação conectada com seu público. Embora o fosso entre artistas consagrados e aqueles que estão começando não deve ser subestimado, as estratégias emergentes de libertação online estão redefinindo a maneira como a arte pode ser rentabilizada para os criadores, de todos os tipos.
A melhor maneira de encontrar terreno comum entre os criadores que se opõem à pirataria e as pessoas que se dedicam a essa prática sem remorso é os criadores entenderem a abordagem e filosofia de seu público. É muito difícil convencer aqueles que não dão a mínima e roubam, porque eles têm um direcionamento moral quebrado. Mas muitos outros que fazem download ilegal podem ser incentivados a apoiar e suportar criadores, se os artistas compreenderem melhor sua perspectiva e envolvê-los em formas que promovam o respeito mútuo e maiores possibilidades de recompensa.
Os downloads provavelmente não são o problema e nunca foram. É precisamente graças aos downloads que aprendemos a ler notícias e livros, assistir a filmes e séries de televisão, conhecer e ouvir música, de diferentes maneiras. Aprendemos a consumir o que queríamos, quando queríamos, na língua que queríamos, e livre dos ditames da indústria. Aprendemos que as regras não são escritas em pedra e podem e devem ser reescritas com cada inovação que surge.
A simples verdade é que tudo o que era necessário era alguém aparecer e oferecer filmes, séries de televisão, música, livros, jornalismo e jogos, entre outras mídias, em termos que poderiam competir com os downloads. Em vez disso, tudo o que ouvimos era a impossibilidade de competir com o que é grátis, e mais exigências por uma legislação mais dura. Vimos o judiciário coagido, apresentando tentativas de impor punições mais duras por baixar um arquivo do que por estupro ou assalto a mão armada.
Uma nova abordagem global para o licenciamento de conteúdo é desesperadamente necessário para o mundo conectado de hoje. A legislação e a prática precisam recuperar o atraso. Em suma, o esforço imediato é para desafiar a prática arcana do direito autoral e acessibilidade na forma do incremento da oferta legal para o consumo de conteúdo. Independentemente do resultado deste esforço, é óbvio que a postura punitiva de hoje é quase tão eficaz quanto à guerra contra as drogas. A indústria continua a afligir os sites piratas, mas só está promovendo a inovação naquele setor.
Há muitas pessoas que gostariam de entrar em uma máquina do tempo e voltar a um período pré Napster. Mas imaginem quantas permaneceriam de fora dessa riqueza cultural. Provavelmente centenas de artistas ao redor do mundo, que estavam concebendo obras incríveis, mas não tinham nenhuma maneira de fazê-la chegar a ninguém, ou fazer qualquer dinheiro a partir delas. Agora, mesmo em um sistema imperfeito, eles são capazes de competir com todos os demais artistas, inclusive os já estabelecidos.
Caçar sites piratas ou matar contas freemium não vai fazer as pessoas magicamente pagarem uma mensalidade, só vai fazê-las procurar conteúdo gratuito em outros lugares. Ao bloquear determinados canais, a grande indústria está enviando uma mensagem de que só o conteúdo que eles aprovam e querem rentabilizar pode ser consumido. E a última coisa que os consumidores e usuários conscientes querem é uma cultura protecionista em torno daquilo que consomem.
Eu apoio a pirataria em certa instância, porque acho injusto que o dinheiro que alguém possua determine quais são as competências que elas podem ou não aprender e absorver, ou em última análise, quais empregos podem ou não podem obter. Ninguém contrataria um bibliotecário que não sabe utilizar os softwares mais elementares para a gestão da biblioteca, ou que não tenha consumido os livros ou filmes e arte de modo geral que ofereça uma base mínima para as suas competências profissionais. Isto é, essas barreiras que chamamos de paywalls, para a bagagem cultural, para a informação e o conhecimento, são um grande fator para a disparidade social e econômica hoje.
Nesse sentido, os piratas são pessoas comuns ao redor do mundo que estão fazendo o necessário para alcançar os mesmos termos daqueles que possuem acesso ilimitado a determinado tipo de conteúdo. Os ricos estão em uma enorme vantagem porque podem pagar pelas informações e ferramentas que irão torná-los competitivos, particularmente para empregos mais bem remunerados. Na era da informação, a pirataria é uma forma bruta de nivelar as vantagens inerentes à riqueza e classe.
Precisamos de uma visão mais matizada da pirataria do que a nossa diretiva atual de criminalização. E se pudermos fornecer alternativas viáveis para a pirataria, baseadas no preceito da acessibilidade, da conveniência, velocidade, baixo custo e recompensa justa aos criadores, então certamente seremos cada vez menos propensos a piratear conteúdo.
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