No último dia 12 de maio completou um mês do desabamento de dois prédios no Condomínio Figueiras do Itanhangá, na Muzema, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ao todo vinte quatros pessoas morreram e centenas ficaram feridas.
Os prédios eram construções irregulares e que mesmo assim eram comercializados. As contradições existentes no cotidiano das metrópoles brasileiras em grande parte decorrentes da sociedade capitalista – que antes de tudo prioriza o lucro em detrimento da vida – revelam a postura, dois pesos e duas medidas, do poder público acerca das classes menos favorecidas. O surgimento das milícias, o direito à moradia, o direito à cidade, a cidadania e a invisibilização das responsabilidades do Estado, ainda são problemas que assolam uma parcela da população carioca.
Não é de hoje que o crescimento e atuação das milícias em algumas regiões da cidade do Rio de Janeiro ocupam as manchetes midiáticas. O próprio surgimento delas já foi defendido por figuras políticas cariocas e definidas como “autoproteção comunitária”. Com atuação e poderio concentrado em grande parte na Zona Oeste do Rio, esses grupos dominam áreas estratégias e conseguiram até mesmo eleger representantes no parlamento carioca.
Em grande parte com a conivência do Estado, as milícias se fortaleceram nas regiões “periféricas” da cidade, em decorrência da omissão do poder público nessas áreas. Em reportagem publicada na edição 150 da Revista Piauí, o jornalista Allan de Abreu revelou que as milícias estão presentes em 88 das 1018 comunidades do Rio de Janeiro. O mecanismo adotado pelo Estado é o de uma espécie de leilão das regiões menos abastadas da cidade – distantes do corredor da Zona Sul – para que esses grupos paramilitares venham agir com domínio territorial e até mesmo como curral eleitoral.
A invisibilização das responsabilidades do Estado contribui para a formação do discurso de culpabilização das vítimas. Grande parte das pessoas que moram e compram imóveis nesses locais agem assim porque por muitas das vezes essa é a única opção que resta a elas. A inexistência de uma política pública de moradia reflete na formação e no remanejamento da cidade, uma vez que estabelece uma relação de precarização no que diz respeito ao direito à moradia.
A cidade do Rio de Janeiro segue emergida em um complexo modelo de financiamento imobiliário em decorrência das transformações do espaço público oriundos dos megaeventos realizados recentemente. Essa prática exacerba as desigualdades e as disputas pelo direto à cidade, como por exemplo, a luta dos moradores da Vila Autódromo contra a imposição da remoção da comunidade, também localizada em Jacarepaguá.
Em 2015, A Biblioo esteve presente na cobertura do movimento “Se a cidade fosse nossa”, realizado na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) que contou com a participação de diversos especialistas, pesquisadores e movimentos sociais voltados a debater o direito à cidade. Na ocasião tive a oportunidade de entrevistar a Raquel Rolnik, pesquisadora, arquiteta e urbanista com uma obra voltada a compreender as contradições e os dilemas acerca do direito à cidade. Durante a conversa, Rolnik chamou atenção para a lógica que transforma as grandes metrópoles em “cidades dos negócios e as cidades para poucos”. Assista:
O uso do espaço público na lógica vigente é o que gera lucro e impõe a precarização para maior parte da população. A grande mídia reforça essa narrativa e massifica a naturalização da ordem social, basta olhar a diferença de tratamento dos serviços públicos nas áreas privilegiadas e nas menos abastadas.
Enquanto o futuro das cidades não for decidido por todos continuaremos submetidos a perversidade da utilização do espaço público para fundamentar os podres poderes, baseado na lógica de que a questão social é um “caso de polícia”.
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