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O abandono dos lugares de cultura em São Gonçalo, Rj

*Com autoria e colaboração de Nathália Dias. 

Foi com violão e voz que Emerson Rodrigues começou a cantar os versos da canção, “São Gonça”, durante apresentação realizada na Praça Jornalista Valfrido Rocha, no bairro do Jardim Catarina, em São Gonçalo, na região Metropolitana do Rio de Janeiro. O evento cultural reuniu atrações culturais de diversos bairros do município com o intuito de reivindicar a construção e manutenção de espaços culturais na localidade.

“Precisamos de uma estrutura e de oportunidades para divulgar nosso trabalho e também os talentos da região”, enfatizou o jovem músico no término da canção de autoria de Seu Jorge. Com nome artístico de “Yawo”, Emerson, nascido e criado em São Gonçalo, iniciou sua carreira musical com um repertório contendo canções de sua própria autoria e de grandes nomes da Música Popular Brasileira.

A menos de 500m do palco improvisado com uma tenda onde Yawo se apresentou está localizada a Lona Cultural Lídia Maria da Silva. Inaugurada no ano de 2003, o espaço conta com uma capacidade de aproximadamente 450 pessoas, palco e iluminação cênica. Neste local eram realizadas atividades culturais, rodas de capoeira, teatro, festivais de rap e também funcionava um posto do programa Justiça Itinerante.

Todas essas atividades estão paralisadas desde fevereiro de 2017. Devido a uma forte chuva a estrutura da Lona foi danificada e mais de um ano depois, ela continua fechada e sem previsão de reabertura. Com poucas opções de lazer a população local fica desprovida de acesso as programações culturais que atendiam crianças, jovens e adultos da região. “Estamos perdendo um espaço cultural de grande valia para o bairro e a oportunidade de criar um movimento de cultura na região”, lamenta Simone Chaves, moradora há trinta e quatro anos do Jardim Catarina e que frequentava as rodas de capoeira na Lona Cultural.

Lona Cultural fechada e abandonada. Foto: Rodolfo Targino – Agência Biblioo

O abandono dos espaços culturais pelo poder público é uma realidade presente no município gonçalense. Além da Lona Lídia da Silva, o segundo maior colégio eleitoral do Estado do Rio de Janeiro, conta com um total de nove espaços públicos de cultura, dentre eles os mais tradicionais estão: o Teatro Carequinha, a Casa das Artes Villa Real, a Fazenda Colubandê e o Centro Cultural Joaquim Lavoura. Desses cinco, apenas o Joaquim Lavoura continua com funcionamento regular, os demais estão fechados ou com problemas estruturais que inviabilizam as condições de uso.

A cultura como oportunidade e preservação da história local

A origem do Jardim Catarina remonta aos anos de 1949, onde inicialmente funcionava a Fazenda Laranjal para o cultivo de laranjas. O seu crescimento se intensificou a partir da década de 1960. Devido ao grande número de domicílios, o bairro recebeu o título de maior loteamento da América Latina.

Atualmente o imaginário social construído da região é o de um lugar violento. Parece fazer sentido. O Atlas da Violência de 2017 revelou que São Gonçalo ocupa a 14ª colocação no ranking das cidades mais violentas do estado do Rio de Janeiro, com o número de 40,9 mortes violentas por grupo de 100 mil pessoas.

Lídia Maria da Silva foi o nome escolhido para ser colocado no único espaço público cultural disponível no maior bairro plano da América Latina. Conhecida pela sua participação na defesa da cultura local, Lídia Maria, foi uma das pioneiras do movimento negro na localidade. Era a responsável em organizar os eventos culturais na rua onde morava. As rodas de capoeira e os festivais musicais mobilizavam os jovens da região.

Foi através desses eventos que Rhuan Fernandes, ainda criança, conheceu as rodas de capoeira em meados da década de 1990. Sobrinho de Lídia da Silva, ele preserva o aprendizado e o legado de defesa da cultura local herdado de sua tia. O jovem gonçalense fundou junto com amigos a organização comunitária Nós por Nós. O grupo é formado por doze jovens moradores do bairro que desenvolvem atividades de cunho cultural e educacional. Através de trabalho voluntário, o coletivo administra um pré-vestibular comunitário, uma biblioteca comunitária e desenvolve eventos culturais em escolas e espaços públicos locais.

Integrantes do coletivo Nós Por Nós. Foto: Rodolfo Targino – Agência Biblioo

Rhuan enxerga na cultura e educação uma possibilidade de reverter essa realidade. O jovem conta que viu muitos amigos mortos em decorrência do tráfico de drogas. Por pouco não teve o mesmo destino, mas graças a uma professora do Ensino Médio é que começou a despertar o interesse pelos estudos. Atualmente é aluno do curso de Ciências Sociais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “No Jardim Catarina tem cultura, diferente daquilo que os jornais noticiam no cotidiano dizendo que aqui só existe violência e tiros. Aqui tem cultura, beleza e arte”.

Os investimentos em cultura na região

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), São Gonçalo tem uma população estimada em torno de 1.049.826 pessoas. Mesmo sendo um município populoso e com uma arrecadação per capita no valor de R$ 15.963,41, a região ocupa a 839º colocação no ranking brasileiro do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com o valor de 0,739.

No contexto atual de instabilidade política e crise financeira, a área cultural sofre com a escassez de verbas.  Segundo dados da Lei Orçamentária de 2018, a cultura gonçalense terá cerca de 4 milhões de reais, valor que representa 0,3% do orçamento atual. Cerca de 60% dessa quantia está cotada para o pagamento de pessoal. Com isso, apenas R$ 728.500 está destinado para atividades de difusão cultural na região.

Diante desse cenário de incertezas e abandono, um convênio com o Ministério da Cultura e a Fundação de Artes de São Gonçalo está em fase de execução. O acordo prevê obras de manutenção da Lona Cultural Lídia Maria da Silva, com um valor total de R$ 264.000. O referido acordo entrou em vigência em dezembro do ano passado, mas até agora nenhuma obra foi iniciada.

Na avaliação de Simone Braz, produtora e gestora cultural, o equipamento de cultura tem o potencial de interferir na realidade que o cerca, abrigar os artistas locais e fomentar a lógica de pertencimento. Enquanto essa potencialidade não se concretiza no Jardim Catarina, o artista local, Emerson Rodrigues, acaba se deslocando para municípios vizinhos como o de Niterói para participar de eventos e divulgar suas composições e trabalhos.

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