Quatro horas sem energia. O temporal vespertino varreu carros, pessoas, animais e bicicletas das ruas. Nem mesmo o minúsculo triciclo azul, uma espécie de tapete mágico para o filho da vizinha, conseguiu escapar da fúria da chuva e foi arrastado pela correnteza. Pobre garotinho! Chorava com força e dor como se aquela fosse a maior perda de sua vida para todo o sempre. Quem sabe…
Percebi tardiamente que uma das frestas da janela sabotou meu dique improvisado com sacolas plásticas e vazou água para todo o quarto. Gastei alguns minutos limpando, mas não me importei. Em seguida, peguei o carrinho de compras e desci oito andares de escada, tateando na escuridão. Do lado de fora do prédio, a enxurrada estava tão pomba gira que provocou ondas pela calçada, afundando meus pés, negligentemente postos em chinelos, em um lago sujo, sem amor.
Ao retornar para casa, deixei as compras repousando no chão e desabei no sofá, absorta pelas trevas. Procurei a caixa de velas no banheiro e acendi duas. Fiquei olhando as chamas tremeluzindo e não pensei em nada. Que felicidade sentir meu corpo descansando na maciez do sofá enquanto pingos de chuva tamborilavam na minha janela! Silêncio e quietude. Paz. Formas abstratas brincavam na parede, seduzindo minha atenção. Quando comecei a sentir as carícias de um anjo, a luz voltou.
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