Em meio à sua visita ao Brasil proporcionada pelo Consulado Norte-Americano do Rio de Janeiro, Molly Raphael, presidente da American Library Association (ALA), concedeu uma entrevista à Biblioo e em meio a tantos assuntos discutidos nos mostrou sua paixão em ser bibliotecária.
Emilia Sandrinelli: Você poderia nos contar um pouco de como foi sua trajetória profissional até se tornar presidente da ALA? Como você tomou a decisão de se tornar uma bibliotecária?
Molly Raphael: Eu sou o que eu chamo de bibliotecária acidental, não planejei isso até precisar descobrir o que eu queria fazer. Então eu me graduei em Biblioteconomia e comecei a trabalhar em bibliotecas públicas e me apaixonei por elas desde o começo e tive uma carreira maravilhosa trabalhando em todas as formas de empregos dentro de bibliotecas. Foi empolgante, foi recompensador, eu trabalhei com crianças, fiz serviço de referência, eu gerenciei pessoas que faziam catalogação, eu trabalhei com construção, eu trabalhei com relações públicas, eu fiz de tudo na minha carreira. Foi uma carreira maravilhosa.
E. S.: Qual tem sido o foco da atuação da ALA? Que metas a ALA busca alcançar atualmente?
M. R.: ALA realmente dá suporte ao desenvolvimento de bibliotecas, todos os tipos de bibliotecas. ALA faz um planejamento estratégico e ele tem um novo objetivo sobre o qual eu quero falar. O objetivo é chamado Transformando Bibliotecas (Transforming Libraries). Então, ALA está realmente pensando em como podemos ajudar todos os tipos de bibliotecas: bibliotecas universitárias, bibliotecas públicas, bibliotecas escolares; em como podemos ajudá-las nessa era de grandes mudanças; e em como ajudá-las a serem capazes de atuar nas comunidades em que estão inseridas.
E. S.: Quais são as iniciativas da ALA para promover o intercâmbio de conhecimentos e experiências da área de biblioteconomia entre os países da America?
M. R.: A ALA tem muito interesse em se envolver no mundo de bibliotecas internacionais. A ALA é um membro ativo do IFLA (Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias). Ela também dá oportunidades para pessoas na minha posição, como presidente da associação, de ir falar em lugares diversos, como agora que estou no Brasil. Ano passado eu estava na Nova Zelândia, em maio estarei no México… É uma forma de unirmos bibliotecas de diferentes países com bibliotecas dos Estados Unidos. Às vezes os americanos pensam que tem o melhor de tudo e o que aprendemos quando viajamos pelo mundo é que temos muito a aprender com outros países.
E. S.: O que você acha que a área da Biblioteconomia ainda pode alcançar?
M. R.: Eu acho que a Biblioteconomia é ainda mais importante agora que há 15 ou 20 anos atrás. Parte disso é que o mundo de conhecimento e informação está evoluindo tão rapidamente e estamos virando não um país, mas um mundo onde estamos todos conectados uns com os outros instantaneamente. Por isso, nosso trabalho em equipe para dar suporte às pessoas do mundo com suas demandas informacionais é tão importante. Nós fazemos isso através das bibliotecas. O que temos que fazer é reconhecer que as bibliotecas de hoje não são como eram ontem ou como serão as de amanhã. Nós precisamos mudar e nós precisamos mudar da maneira que nossa comunidade para que nós possamos atendê-la.
E. S.: As chamadas novas tecnologias tem dado um aporte importante ao trabalho do bibliotecário, mas parece haver uma valorização superestimada e a-crítica desses aparatos. Qual sua opinião sobre essa questão?
M. R.: Bem, eu acho que quando começamos a ver novas tecnologias chegando, nós decidimos que queríamos tudo, queríamos ter tudo o que chegava. Hoje sabemos que precisamos pensar com mais cuidado sobre: o que realmente nos ajuda a trabalhar?; como nos comunicamos com nossos clientes?; como usamos a tecnologia para organizar o que temos e entregar para as pessoas? E temos muitas barreiras ao fazer isso, às vezes a tecnologia não funciona como gostaríamos, às vezes a tecnologia funciona bem, mas não é o que queríamos. Então temos que nos tornar uma força poderosa na maneira como nossos países mudam e avançam.
E. S.: Que diferenças e semelhanças você aponta entre a Biblioteconomia brasileira e a americana?
M. R.: Bem, é interessante estar com estudantes de biblioteconomia hoje e ter a chance de ouvir suas perguntas e falar com eles. Eu acho que existem muitas semelhanças pelos países. Acho que temos muito que aprender um com os outros. Acho que dividimos uma paixão em comum pela a importância do trabalho que fazemos. E acho que o que aprendemos um com os outros, nós levamos para onde estávamos, com as comunidades com as quais trabalhamos, e descobrimos como pegar essa grande ideia de um lugar e para usar em minha comunidade. Então acho que existem diferenças, mas existem mais semelhanças e o que precisamos reconhecer é: se você trabalha em uma cidade e eu trabalho em uma cidade em duas partes diferentes do mundo, nós fazemos muitas coisas semelhantes, mas sua cidade tem pessoas, população e necessidades diferentes da minha, então você aprende como fazer os serviços suprirem as necessidades das pessoas da sua comunidade e eu aprendo como fazer os serviços suprirem as necessidades das pessoas da minha comunidade.
E. S.: No Brasil, como a Biblioteconomia não é uma área amplamente conhecida, um número considerável de profissionais “caiu de para-quedas” na profissão. Como é essa questão nos Estados Unidos?
M. R.: Essa é uma questão que nos preocupa muito: atrair pessoas para a profissão de bibliotecários. Nos Estados Unidos, nós não costumamos fazer isso tão cedo porque a primeira formação como bibliotecários é no mestrado e não graduação. Mas nós também sabemos que é a carreira que tem todos os elementos que jovens que estão entrando na universidade que estão procurando: querem algo intelectualmente desafiante; algo que os faça trabalhar com pessoas, não querem ficar isolados, querem trabalhar com pessoas diariamente; algo que os faça sentir que estão fazendo a diferença no mundo, que estão fazendo do mundo um lugar melhor. Esse tipo de motivação que colocam pessoas no campo da Biblioteconomia. Depois, nós só precisamos encorajá-los e ajudá-los a encontrar o lugar certo, a biblioteca certa para que trabalhem utilizando seus interesses e suas habilidades.
E. S.: O Brasil passa por grandes avanços científicos e a Biblioteconomia tem se tornado muito especializada para atender essas demandas. Porém, ainda existe um grande número de analfabetos e de pessoas que não possuem o hábito da leitura. Quais as estratégias você acha que poderiam ser adotadas para poder atender as duas demandas?
M. R.: Um dos melhores programas que fizemos nos Estados Unidos, em muitas bibliotecas públicas, é em torno do que nós chamamos de “Alfabetização Familiar”. O que vimos é que quando os pais não leem, os filhos não leem e se só trabalharmos com as crianças, não mudaremos a experiência familiar. Então começamos a fazer agora nas bibliotecas é trabalhar com a Alfabetização Familiar e isso frequentemente significa que um adulto, os pais ou um avós, deve ler o suficiente para ser capaz de ler para uma criança. Esse adulto talvez não esteja apto a ler livros para adultos, mas está apto a ler de livros para crianças. Tendo a experiência dos pais lendo para os filhos e trabalhando com os pais que estão lendo para os filhos, temos um impacto à medida que eles se transformam em usuários de biblioteca como família, eles trazem seus filhos porque querem que seus filhos leiam. Eles querem que seus filhos leiam mesmo que eles não saibam. Mas podemos ajudar fazendo-os ver que quando a família valorize a leitura, as crianças estão muito mais suscetíveis a valorizar a leitura. Crianças podem aprender a ler, mas seus pais devem se envolver também.
E. S.: Entendo, mas o que eu gostaria de dizer é que grande parte dos estudantes de Biblioteconomia está mais sucetível a ir para as bibiotecas especializadas e existe uma falta de interesse em trabalhar com essas outras demandas, as demandas sociais. Eu acho que essa é uma grande preocupação…
M. R.: É sim uma grande preocupação e também é nos Estados Unidos. Algumas pessoas que estão no campo da Biblioteconomia querem trabalhar com bibliotecas especializadas e se nós queremos mudar isso, se nós queremos ter pessoas que trabalhem com famílias de baixa-alfabetização que tem poucos recursos e pouca educação, nós temos que atrair pessoas para a profissão de bibliotecário que realmente queiram fazer isso. Eu vou contar como alguém que já trabalhou em um ambiente em que isso é parte do que nós fazemos: há pessoas muito apaixonadas por ai e é isso que elas querem fazer, mas elas não sabem que isso significa que elas querem ser bibliotecários. Elas acham que ser bibliotecário significa outra coisa, então, eu não sei como é o curso de Biblioteconomia aqui ou quantas pessoas desse curso querem trabalhar com alfabetização, mas se não há muitos, essa é uma importante parcela da população que eles precisam alcançar também.
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