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Marcelo Rubens Paiva na Flip

Por Fernanda Duta, de O Globo

Como se podia antecipar, a mesa “Memórias do cárcere: 50 anos do golpe”, neste sábado, com a participação dos escritores Marcelo Rubens Paiva, Bernardo Kucinski e o economista Persio Arida e a mediação de Lilia Schwarcz, recordou os anos de ditadura com lágrimas e fortes aplausos da plateia para os convidados. Rubens Paiva começou sua fala lendo uma coluna que publicou no jornal “Estado de São Paulo” em que lembrava outro texto, de Antônio Callado, sobre sua mãe, Eunice Paiva. Callado encontrara Eunice nadando em Búzios, poucos dias depois de ter sido solta de 13 dias na prisão e de ouvir de um ministro que seu marido, o ex-deputado federal, Rubens Paiva, logo seria solto. O escritor se emocionou e as lágrimas interromperam diversas vezes a leitura do texto. Rubens Paiva então revelou:

Eu fui pai agora. Meu menino tem cinco meses. Estou vendo tudo isso com outros olhos – disse Rubens Paiva, que, atualmente, escreve um livro sobre a militância de sua mãe após o sumiço do marido dela, em 1971. – Descobri que mulheres como a minha mãe, Zuzu Angel, Clarice Herzog é que combateram a ditadura pela honra de seus amados maridos, filhos. Minha mãe antes era uma dondoca formada em Letras pela Mackenzie que jogava vôlei na praia com a Marieta Severo. Formou-se em direito, especializou-se em direito indígena e acabou virando uma referência para muitos políticos mais novos.

Quando terminou a sua primeira fala, emocionado, Marcelo Rubens Paiva foi aplaudido de pé pela plateia. Antes disso, no início do evento, o curador da Festa Literária da Paraty, Paulo Werneck, anunciou um quarto convidado “surpresa”, o próprio pai de Marcelo, Rubens Paiva, em uma gravação histórica encontrada nos arquivos da Rádio Nacional. No dia 1º de abril de 1964, o deputado Rubens Paiva fez um discurso convidando a população a uma greve geral em apoio ao então presidente João Goulart, contra o golpe. O áudio recuperado renderá ao ex-deputado o prêmio de jornalismo Wladimir Herzog.

Bernardo Kucinski, ex-militar da Aliança Libertadora Nacional (ANL) iniciou sua fala lendo trechos de seu livro “K” (Expressão Popular, 2011/Cosac Naify, 2013), um conto inspirado na experiência de sua família com o desaparecimento da irmã de Bernardo, Ana Rosa, e do cunhado dele. Bernardo começou a escrever ficção após se aposentar do cargo como professor.

– Primeiro me interessei sobre ficção. Meu primeiro livro foi uma novela policial. Depois, comecei a escrever contos que tinham o meu pai como protagonista. Parece que isso estava enterrado e começou a sair com uma facilidade incrível – contou Kucinski.

O economista Persio Arida, que publicou suas memórias da prisão na época da ditadura, quando tinha 18 anos, na revista “Piauí”, também explicou seu impulso de recorrer à ficção:

– Minha carreira foi indo por outros caminhos. Não sou escritor profissional. Depois, tem um tempo psicológico necessário. Minha mãe também queria censurar o texto e eu não quis publicar com censuras.

Os três convidados discutiram a técnica da ditadura militar de desaparecer com os presos políticos.

– Pouca gente sabe, mas os militares brasileiros foram os primeiros a desaparecer com os políticos. Quando o meu pai desapareceu, minha mãe ainda não sabia que isso existia. Ela foi levar remédios na prisão, onde ela mesmo tinha sido presa e visto a foto do meu pai lá, e eles negaram que ele estava lá ou que ela esteve lá. É uma tortura dupla. Não só eles torturam o dissidente político como depois existe essa tortura sem fim das famílias – discorreu Rubens Paiva.

Kucinski falou sobre como os desaparecimentos impactam a sociedade:

– Li um texto de um padre argentino, que apoiava a ditadura, e ele chegou a pedir para os generais que eles parassem de sumir com as pessoas. Não por que ele era contra a ditadura. Mas por que isso gerava uma sensação de pânico na sociedade.

Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo

Marcelo Rubens Paiva também comentou sobre como as memórias da ditadura são discutidas nas escolas e qual a percepção dos brasileiros atualmente sobre o regime. Para o escritor, a sociedade brasileira foi negligente com a geração jovem atual ao deixar de discutir o regime militar.

– Falávamos muito sobre isso nos anos 1970 e 1980 e achamos que o assunto estava esgotado. Depois dos protestos de junho do ano passado, cheguei à conclusão de que nos equivocamos. Você percebe um desconhecimento geral sobre o que foi a ditadura. As pessoas enxergam como uma coisa só, mas houve vários episódios.

Já Persio Arida disse que revisou suas opiniões da juventude.

– Se você me perguntasse naquela época se eu estava lutando pelos ideais de democracia, eu diria que não. Queria substituir a ditadura militar pela ditadura do proletariado. Acho que meus ideais estavam equivocados. O que vale ser lembrado é como tantas pessoas estavam dispostas a sacrificar sua vida pessoal pelo que acreditavam ser o ideal de um mundo melhor.

 

 

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