Por Leonardo Neto, do PublishNews
A história dos Direitos Autorais no Brasil sofreu um golpe duro na década de 1990, quando Fernando Collor, então presidente da República, extinguiu o Conselho Nacional do Direito Autoral (CNDA).
Depois disso, entidades arrecadadoras de direitos autorais – a mais conhecida no Brasil é o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) – deixou de ter um órgão público que as regulamentasse.
Em 2011, essa falta de governo na área fez o Congresso Nacional abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a CPI do Ecad, que propôs uma reforma no sistema de proteção dos Direitos Autorais no Brasil e uma nova revisão da Lei do Direito Autoral, escrita originalmente em 1973 e revista em 1998.
A reforma aconteceu e foi criada a Lei 12.853/2013 que alterava, revogava e acrescentava dispositivos à Lei 9.610/98. No entanto, faltava uma regulamentação. Problema resolvido em junho do ano passado quando a presidente (hoje afastada) Dilma Rousseff assinou, em junho, o decreto 8.469, que regulamentou a gestão coletiva e definiu critérios para recolhimento de direitos autorais no Brasil, preenchendo esse vazio deixado por Collor.
Já no seu segundo artigo, decreto estabelece que “o exercício da atividade de cobrança de direitos autorais (…) somente será lícito para as associações que obtiverem habilitação no Ministério da Cultura”. É justamente isso o que busca agora a Associação Brasileira de Licenciamento Coletivo (Abralc), entidade que acaba de ser criada e que terá como objetivo a gestão coletiva de conteúdos em textos (sejam eles em livros, periódicos científicos, jornais ou revistas). O anúncio da nova entidade foi feito durante o seminário A gestão coletiva de direitos autorais no Brasil, realizado nesta terça-feira (23), pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), com apoio do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), em São Paulo.
A nova entidade já está com estatuto pronto, aguardando apenas o OK do MinC para poder atuar. Daniela Manole, presidente da ABDR e quem encabeça as discussões sobre a Abralc, adiantou ao PublishNews que a entidade deverá se estabelecer usando a tecnologia do Copyright Clearance Center (CCC), líder mundial em plataformas de tecnologia de gestão coletiva de direitos autorais. O acordo com o CCC deve ser fechado logo depois de acertarem detalhes sobre as cobranças e os repasses dos valores apurados nos licenciamentos. É que o CCC insiste em manter as transações em dólares e os editores brasileiros pedem que a plataforma seja adaptada para a moeda local.
Não é de hoje que o CCC está de olho no Brasil. No entanto, pela legislação brasileira, a plataforma, criada e sediada nos EUA, só pode operar no Brasil se tiver um sócio brasileiro, no caso a Abralc. Com tecnologia de ponta, o CCC permite, em questão de minutos, o licenciamento de conteúdos fracionados, o que facilitaria muito a vida e o trabalho de editores, além de viabilizar uma nova fonte de renda. “Esse é um caminho que traz novas receitas tanto para editores quanto para autores. Nos EUA, já existem editoras que têm mais receitas com licenciamentos do que com vendas de livros”, apontou Daniela.
Implementação no Brasil
Com apoio do CCC, a ABDR realizou, aqui no Brasil, uma pesquisa que mapeou as oportunidades de gestão coletiva de direitos autorais no mundo corporativo. “Nos surpreendeu ver o tamanho dessa demanda”, observou Daniela. Essa será uma das primeiras frentes que a Abralc deverá atuar. A ideia é licenciar conteúdos (artigos científicos, trechos de livros ou qualquer outro conteúdo em texto) para empresas. Por exemplo, um escritório de advocacia que utiliza trechos de uma obra escrita por um jurista em uma petição ou uma indústria farmacêutica que usa um artigo científico na documentação de um novo fármaco. Essas empresas poderão pagar uma taxa e utilizar todo o conteúdo disponível no catálogo de obras licenciadas pela Abralc.
Nos países onde o CCC atua, esse serviço é chamado de Annual Copyright License. Vitoriano Colodron, diretor do CCC que esteve no evento desta terça-feira, comentou que esse modelo dá “tranquilidade às empresas para que elas ajam dentro da lei”. Esses conteúdos podem ser usados em e-mails, relatórios internos, mensagens em intranet, documentação de produtos, mas não em publicações ou produtos que possam “canibalizar” o trabalho das editoras que os publicaram originalmente. O preço, dentro desse modelo de negócios, é estabelecido por critérios objetivos, como número de empregados, tipo de empresa e cobertura geográfica.
Outra frente que a Abralc deverá abrir no Brasil é a reprodução ou republicação de conteúdos. Por esse modelo, editores de didáticos, por exemplo, poderão licenciar trechos de outros livros (um poema, uma crônica ou o trecho de um romance) via plataforma tecnológica. “Sabemos que para levantar esse modelo, precisaremos de uma plataforma robusta. Sem o input desses metadados, isso é impossível. Por isso a importância da parceria com o CCC”, argumentou Daniela. Nos países onde já atua, o CCC dá a esse modelo o nome de Republication Service. Voltando ao exemplo, um livro didático pode ter até quatro mil itens a serem licenciados “Nos demos conta de que isso funcionava de forma muito ineficiente. Fazer esse processo de forma manual era muito complicado. Muitas vezes, as editoras que estavam licenciando um trecho não sabiam nem mesmo como cobrar. Então, o que fizemos foi criar um mercado para compra e venda de conteúdos para editores”, explica Colodron.
Pela página do CCC, a editora que está licenciando um conteúdo preenche um formulário, estabelece as bases de preços e o trecho fica disponível para licenciamento. O outro editor que precisa daquele texto entra na plataforma, procura pelo conteúdo, solicita o licenciamento, paga pela própria plataforma e tudo pronto.
O terceiro modelo que a Abralc pensa em implantar no Brasil é voltado para instituições de ensino. Esse serviço permitirá que bibliotecas universitárias tenham acesso a conteúdos publicados em periódicos científicos em questão de minutos. O CCC dá a esse serviço o nome de Get it Now. “O que o Get it Now faz é facilitar o acesso de bibliotecas a artigos de periódicos científicos não assinados pela instituição. Nesse caso, não é licenciamento do conteúdo e sim o acesso ao conteúdo. Em questão de minutos, o aluno ou o bibliotecário recebe, em seu e-mail, o conteúdo solicitado”, explicou Colodron.
Há, pela frente, ainda um longo caminho a ser percorrido pela Abralc. Depois da anuência do MinC e do estabelecimento da parceria com o CCC, a nova associação deverá convencer editores a aderir a sua plataforma. Sem um catálogo consistente, a Abralc não faz sentido de ser e existir. A adesão à plataforma por parte das editoras dependerá também da revisão contratual entre editoras e seus autores. Na Argentina, por exemplo, o Centro de Administração de Direitos Reprográficos (Cadra) criou um modelo de cláusulas para serem incorporadas aos contratos de autores. Lá, pelo regulamento do Cadra, 50% do valor repassado aos editores devem ir para os autores.
A legislação brasileira não prevê como deve ser repartido esses valores. O que o decreto 8.469 diz é que a associação pode reter até 20% do valor apurado na arrecadação de direitos autorais para ações que beneficiem seus associados. Daniela Manole explicou que os valores, depois de descontada a fatia da Abralc, serão repassados aos editores e estes deverão partilhar com seus autores, conforme previsto em cada contrato.
Comentários
Comentários