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Lições da IV Conferência Nacional de Cultura

Uma semana após o fim da IV Conferência Nacional de Cultura as vivências se tornam lembranças e começam as reflexões sobre o que foi e o que poderia ter sido. Tomando como base minha experiência penso que algumas ações coletivas poderiam ter sido tomadas que teriam sido muito importantes para o Setorial do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, tais como:

Conferência livre

As conferências livres são fundamentais para debater especificidades, interseccionalidades e trazer à tona temas invisibilizados ou tratados de forma superficial

Propostas

Reunião das propostas referentes ao setor com antecedência que não foi possível à todos devido ao pouco tempo entre a disponibilização das propostas e a realização das mesmas. As pessoas que foram com as propostas listadas tiveram maior qualidade em sua participação.

Mobilização

Faltou a mobilização das classes profissionais do setor para participarem das etapas e estarem como estavam os Museus e Arquivos. Se os sindicatos, associações, conselhos, empresas do setor tivessem se juntado e chamado os estudantes a participarem das etapas teríamos um quórum significativo nos encontros setoriais e nos grupos de trabalho dos eixos

Estética

A estética é uma ferramenta de poder na conferência, os estados que produziram camisetas, levaram bandeiras, adesivos mostraram a força da sua coletividade, mesmo que entre eles houvesse discordâncias. As áreas que também demonstraram na estética sua preparação para participar da conferência receberam atenção especial, sendo importante para ter mais tempo de tela, nos espaços de decisões como as plenárias.

Legado

É importante que o setorial construa uma proposta de continuidade após a conferência, e que muitas pessoas se engajem no auxílio do processo de amadurecimento das  discussões da conferência possam amadurecer em políticas públicas

Lamentar o que poderia ter sido não será tão produtivo como refletir o que será do futuro do setor que integramos enquanto categoria cultural e profissional. Enquanto categoria cultural ainda estamos cercados de adversários políticos que têm criado desafios para o acesso livre e diversos à cultura. As bibliotecas são espaços públicos e políticos que são geridos na maioria das vezes pelo Estado, edificado sobre o racismo e diversas outras violências estruturais, e que tem projetos estruturados para o extermínio de populações vulnerabilizadas. Esse Estado que tem projeto genocida como principal criará obstáculos para a criação de espaços de compartilhamento da informação e formação cidadã consciente. Nesse contexto é que as bibliotecas, os livreiros, as livrarias, os sebos, os autores independentes encontrarão desafios estruturais para seus avanços.

Diante dos desafios estruturais, o controle social como espaço de participação direta e exercício da cidadania se mostra como um caminho possível e fortalecedor dos agentes culturais. O controle social se dá por diversos mecanismos como o acompanhamento legislativo, o acompanhamento do Judiciário, o Advocacy, os pedidos de acesso à informação baseados na Lei de Acesso à Informação, os conselhos, as reuniões públicas e a própria Conferência Nacional de Cultura. São diversos mecanismos disponíveis para que a voz dos agentes culturais seja ouvida e levada em consideração. Para que esse trabalho seja efetivo é preciso fazer trabalho nas bases, auxiliando no empoderamento político dos cidadãos para que eles se reconheçam como sujeitos de direito nas políticas públicas. O controle social é ferramenta de empoderamento social que faz com que as pessoas se reconheçam com o poder constitucional: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

O povo exerce seu poder quando participa ativamente das decisões políticas que os afetam diariamente. Todavia é preciso se aquilombar para não tombar sozinho, é preciso coragem e também companhia. O controle social embora possa ser exercido individualmente é mais forte quando feito na coletividade.

Na participação social é muito importante que a voz coletiva seja ressoada e por isso é preciso que se tenha um corpo grande de pessoas atuando e verbalizando as mesmas prioridades. Quando um coletivo fala sua voz vai mais longe e tem mais força para alcançar efetividade primeiro porque os que estão em cargos eletivos irão vê-los como um grupo de eleitores atrativos para eleições futuras e quanto mais “afetados” maior é a chance da vontade de uma coletividade passar diante de tantas outras necessidades que lutam pela destinação de recursos.

A formação da agenda das políticas públicas precisa da atenção dos atores governamentais e da sociedade para problemas, assuntos e demandas. Alguns problemas como os da censura têm se dividido em polos políticos em que uma visão política acredita que os livros que retratam grupos minoritários são considerados lesivos ao Estatuto da Criança e do Adolescente, grupos que não consideram essa questão relevante, grupos que consideram essa questão um retrocesso a direitos constitucionais que tinham avançado após a vivência de processos de censura e grupos que são indiferentes a essa situação. O setorial LLLB precisa fazer mover a agenda política para que as pessoas indiferentes, aversivas aos direitos de minorias e que considerem a questão irrelevante possam mudar seu posicionamento; e também para que os atores governamentais que compõem estes grupos possam tomar uma posição favorável aos interesses dos direitos de representatividade da coletividade. Essa agenda pode ser movida por mecanismos formais, políticos ou de mídia fazendo pressão para que o posicionamento de quem pode decidir seja condizente com a vontade da coletividade. Se não há um enfrentamento de ideias e posicionamentos, o campo que tem maior número de representantes fala mais alto e vence o debate público.

As pautas do setorial do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas precisa entrar na agenda pública, se tornando um problema social alvo de contínuos debates e controvérsias. Os problemas do setor precisam ser vistos pelos agentes públicos como estratégicos, necessários e factíveis. Essa transformação se dará pelo trabalho coletivo dos diferentes atores que interagem no setor e o controle social é um desses mecanismos para estar vigilante aos passos dados pelo Estado.

O pós conferência precisa deixar um legado para as próximas gerações, para que aconteça uma revolução na forma como o setor tem sido tratado. Não podemos permitir que mais gerações ainda vivam na escassez do Livro, da leitura, da Literatura e de Bibliotecas. É a hora de nos levantarmos como um setor que move a economia, um setor cultural vital para as outras artes, um setor fundamental para o desenvolvimento do país, da consciência cidadã e o enfrentamento da desinformação. O futuro depende das nossas ações agora e precisamos lutar juntos nos aquilombando. Nossa união deixará um legado para as próximas gerações que serão beneficiadas pelas sombras das nossas sementes. Que tenhamos coragem e força para lutar.

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