O mês de fevereiro foi marcado por acontecimentos que tiveram grande repercussão no país. As coberturas jornalísticas desses fatos pelos grandes meios de comunicação revelam como a mídia está se apropriando de um papel que não é o seu, o de julgar e até mesmo de condenar. O caso de um jovem negro e pobre que foi torturado e acorrentado em um poste na zona sul do Rio de Janeiro gerou aprovação e apoio de uma parcela da população carioca aos chamados “justiceiros”, e, além disso, foi endossado de forma preconceituosa e antiética pelos comentários da jornalista do SBT, Raquel Sheherazade, a ponto desta qualificar tal brutalidade de legitima defesa coletiva e ainda ironizou a situação criando a campanha “adote um bandido”.
Outro fato lamentável foi a morte do cinegrafista Santiago da Band atingido por um rojão durante a manifestação contra o aumento das passagens na região central do Rio de Janeiro. Mais uma vez a cobertura midiática foi baseada em “achismos” e com base em fontes duvidosas. No calor pela busca dos culpados em disparar o rojão que atingiu o cinegrafista, mais uma vez a grande mídia, em especial a rede globo, mostrou de que lado se encontra. Totalmente descompromissada com a imparcialidade e muito mais preocupada com os negócios que estão em jogo no ano de copa do mundo, tratou logo de atingir com um golpe baixo e rasteiro o deputado Estadual Marcelo Freixo, acusando de ter ligações com os jovens responsáveis em disparar o rojão que vitimou Santiago.
No ano de copa do mundo, o futebol demonstrou que o racismo não é uma peculiaridade somente brasileira; alguns torcedores peruanos demonstraram seu preconceito ao insultarem o jogado do Cruzeiro, Tinga, durante uma partida entre o clube brasileiro e o Real Garliaso em Huancayo pela Taça Libertadores da América. Dessa vez, a mídia brasileira demonstrou solidariedade ao jogador cruzeirense, mas por outro lado, não pressionou e muito menos exigiu da CONMEBOL uma punição ao clube peruano. Cabe recordar que esse mesmo fato já tinha sido repetido há 15 anos contra o mesmo Tinga em Caxias do Sul.
Na história brasileira temos muitos exemplos de coberturas desastrosas por parte da grande mídia que tiveram resultados drásticos para os envolvidos. Cabe lembrar o caso da Escola Base em São Paulo, que foi fechada em 1994 quando seus proprietários, sócios e uma professora foram injustamente acusados de cometerem abusos sexuais contra alunos. O papel da mídia foi decisivo na condenação injusta dos envolvidos, sem ter provas concretas. Esta tratou de criminalizar os acusados, gerando consequências graves para as pessoas que foram acusadas de forma irresponsável. Outro fato foi o direito de resposta mais célebre da história do jornalismo nacional concedido a Leonel de Moura Brizola, depois que Roberto Marinho, num editorial, chamou Brizola de senil. O direito de resposta concedido pela justiça a Leonel Brizola foi lido em rede nacional pelo jornalista Cid Moreira.
Esses casos não serviram de lição e a mídia parece ocupar uma cadeira especial na arte de fazer uma mentira virar uma verdade através de uma foto distorcida, de uma notícia sem assinatura, fontes insustentáveis e na sutileza de criar uma ligação onde não existem provas concretas. Se não analisarmos de forma crítica o que é noticiado pelos grandes meios de comunicação no Brasil, vamos esquecer que a passagem aumentou, vamos acreditar que os manifestantes são assassinos, vamos continuar sem discutir a situação dos transportes, vamos acreditar que o Freixo é um bandido e as vozes que ecoaram nas jornadas de junho pelo país vão continuar sem respostas.
Como muito bem disse o jornalista Wladimir Herzog: “Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra os outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados”.
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