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Gonçalo Ferreira da Silva

RIO – Nesta entrevista, concedida nas dependências da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), Gonçalo Ferreira da Silva, presidente da instituição que congrega no imortais do cordelismo nacional, fala da Lieratura de Cordel e da ABLC.

Dani Maciel: Como é o trabalho da ABLC?

Gonçalo Ferreira da Silva: É muito bom trabalho. Só há um pequeno engano dentro do tempo e que isso se danifica dentro do tempo e não somente agora é que, por exemplo quando surgiu o pavão misterioso, o romance do Pavão Misterioso, um dos momentos de maior consagração, tanto do poeta de José Camelo de Melo Resende, autor do texto, como o romance em si, que é o conto. Surgiram novelas; surgiram músicas e houve a confusão de muita gente dizer: “olha o romance é muito bom, tem até novela!”. Ou seja, o pessoal invertendo os valores; pensando que os romances surgiram a partir das novelas, quando na verdade as novelas surgiram a partir dos romances. E agora também, muita gente diz: “puxa vida, tem até novela, é, Cordel Encantado!”. Não, não é; a literatura de cordel não tem aquilo não, eles é que beberam, eles é que estão bebendo da fonte chamada Cordel e não o contrário. A literatura de cordel alcançou um estado capaz de despertar no coração dos produtores de novelas e tudo mais, o interesse pela abordagem da literatura de cordel, que já nos textos para televisão e para grandes trabalhos e tudo mais. E são incontáveis os trabalhos de monografia que nós temos aqui; para final de curso. São pessoas que vem fazer monografias. Eu tenho dezenas delas aqui. Com forte colaboração minha, mas realmente quem tem mérito é o cordel; porque o cordel é que é procurado para servir de elemento para a produção dessas monografias.

D. M.: A literatura de cordel já alcançou o status desejado? Ou poderia ter mais destaque?

G. F. S.: Bom, criança, é o seguinte: vamos colocar os “pingos nos is” A literatura de cordel alcançou perfeição, ao que se propõe, mas a literatura de cordel não pode dizer que é uma arte pronta, do ponto de vista das regras gramaticais, mas é uma arte. Até mesmo na questão da regência, até a questão regencial na literatura de cordel é preciso tomar cuidado porque ela não está. Porque a literatura de cordel é muito cuidadosa com seus fundamentos, e como é muito cuidadosa com seus fundamentos, métrica, rima. E os meninos chamam de oração a concordância verbal, eles chamam de oração, métrica, rima e oração. Nada mais a oração que eles tratam se não a concordância verbal. A coisa dos termos subordinativos coincidem de tal maneira que dêem harmonia ao texto, e eles chamam aí de oração. Esá certo, né? Que na verdade, a parte oracional da cultura nós entendemos mais que a dialética, mas vem deixar algo aqui que os verdadeiros classificadores da literatura de cordel são os cordelistas. Não adianta vir professores dizer “é isso e aquilo outro”. É Ryan L’Emere, grandes professores franceses e alemães, tentar fazer a classificação da literatura de cordel no Brasil, porque a classificação da literatura de cordel no Brasil cabe aos poetas; são eles que fazem a verdadeira classificação da literatura de cordel. Daí porque eu sendo tido como intelectual aceito a maneira como eles falam: métrica, rima e oração. A oração não é nada mais do que o respeito, do que uma obediência às regras gramaticais que dão sentido ao texto. Porque se não, aí ficaria uma coisa que quando fosse dizer cá fora… E agora quando começaram lá fora, os meninos quando começaram lá fora, ali até mesmo na época pré-barroca do Brasil, os meninos faziam a produção com o professor Jaime Pedro Martelo [1665 – 1727] e outros professores italianos, que produziam a literatura de cordel, o que eles faziam? Começavam fazendo os versos rimados pares e iam até completar o sentido desejado e não se sabia onde se completaria esse sentido; enquanto que agora nós somos escravizados aos seis versos, no caso da sextilha, aos sete versos no caso da setilha, aos oito versos no caso das oitavas, aos dez versos no caso das décimas, do martelo galopado, o alexandrino, enfim das regras que escravizam a gente à coisa que já existe dentro do padrão de produção, enquanto que antigamente não. O Viriato Correia, ele fez o hino às águas: “água em revolta a pororoca/água encaldal no remanso/água alegre corredeira…”. Ele ia e tal, tal, tal até que completasse a linha de raciocínio dele. Até completar a linha de raciocínio. Ele não era escravizado à formatação da literatura, fosse ela de cordel, fosse ela da linha mais clássica ou da linha mais elitista.

D. M.: Qual a principal característica da literatura de cordel?

G. F. S.: Hoje em dia não há mais nenhuma característica desse jeito… Porque antigamente, do ponto de vista da criação… Antigamente existia a literatura de cordel caracterizada pelo humor, caracterizada pela jocosidade, a sátira política e social. Mas hoje a literatura de cordel aborda desde a Grécia de Homero, 900 anos antes de Cristo, até o episódio da morte dos estudantes em Realengo no Rio de Janeiro. Aconteceu, virou cordel! Sua pergunta ficou muito engraçada, dependendo do que você realmente quer saber dentro da sua linha de raciocínio que gerou a pergunta. Por exemplo: eu aqui produzo. Vocês estão vendo ali na tela Tales de Mileto [primeiro filósofo ocidental], Aleximandro de Mileto [discípulo de Tales] e Pitágoras [filósofo e matemático grego]. Os primeiros pré-socráticos da Grécia antiga. Homero não é da Grécia antiga. É como queiram os historiadores. Ele era da Grécia nascente. É diferente. Alguns historiadores chamam Grécia antiga. Não! Era Grécia nascente. O continente grego estava se firmando culturalmente. Estava ali. Os deuses escolheram a Grécia pra ser o salão de visitas do conhecimento humano. Então não pode ser antigo uma coisa que estava nascendo. Antigo é dentro do tempo, mas nascente, dentro da cultura, revertido como cultura. Ali eu tenho os socráticos. Sócrates [filósofo ateniense] que ele próprio trata de Aristóteles, tido como as três colunas mestras da filosofia Grécia clássica, como tudo tem nome e a pré-socrática em partes, ainda contemporâneo dele, o Demócrito. Demócrito que é contemporâneo ainda de Sócrates, em partes sim, essa é pós-socrático 370 d.C. E aí você vê como uma produção dessas é tão densa e tão diversificada, que hoje em dia a literatura de cordel pode ser vista como uma manifestação cultural tão abrangente que ela trata de todos os temas da humanidade, desde o fato circunstancial até o primeiro momento mais importante da evolução humana. E eu posso até lhe dizer, isso é muito bom para os estudos nas universidades, que a literatura de cordel no que marcou a divisão da pré-história para história, que foi a escrita, a escrita estabeleceu a história e antes da escrita era pré-história porque não havia história sem escrita, é sempre dinâmico com a escrita. A literatura de cordel começou a mostrar os primeiros sinais e dali não parou mais. Istambul, Turquia, os terrenos mudaram de nome, porque muda a geografia do mundo. Era Grécia. Passou a previsão do domínio grego para o domínio romano. As coisas mudaram de nome. E eles não eram nada vaidosos naquele tempo. Quando construíam uma cidade colocava o nome deles. É o caso de Alexandria. É o caso de Constantinopla. O rapaz chama-se Constantino [imperador romano], “fui eu que fundei a cidade, dou o nome Constantinopla”. Não havia aquela coisa de fazer a cultura para o mundo, mas se ficava para o mundo inevitavelmente, mas primeiro aquela marca sua.

D. M.: Como a literatura de cordel pode ser utilizada para enriquecer cultural e intelectualmente a população brasileira?

G. F. S.: O caminho é as escolas. O caminho de toda e qualquer manifestação humana é chegar às escolas. Chegando às escolas o progresso se faz naturalmente, porque com o livro é assim. E como a literatura de cordel chega às escolas? Através das Secretarias de Educação que recebe das prefeituras o material para a implantação da literatura de cordel nas escolas que são responsabilidade daquelas secretarias. Não há outro caminho melhor do que esse. O indicio da dinamização da literatura de cordel cai num estado de repouso, porque o estudo é muito lento. O que um poeta aprende em dois meses. Um estudante aprende em dois anos. É diferente. O poeta é mais instantâneo, porque a própria natureza o fez assim. Como o poeta é uma ferramenta da natureza ele sente as dores do mundo; ele sente; ele diz o que você está querendo dizer, ou não sabe, ou não pode, ou não tem como arrancar palavras. O poeta é tudo isso, e o poeta de cordel é um poeta mais abrangente que pode existir, porque ele trata da literatura; a manifestação desde a redondilha menor ao grande alexandrino. Não é aquilo de dizer “aquele poeta é um grande sonetista, aquele é um grande tal coisa”, não. O poeta de cordel é completo, ou seja, é completo, como por exemplo, o poeta Geraldo Amâncio – pena que escreva tão pouco -, mas o que escreve é muito bom! E depois tem o José Maria Fortaleza, que é daqui da Academia. Eu o empossei lá em Fortaleza, na Academia Cearense. Aqui é a posse dele [mostrando a foto]. Aqui é o acessor cultural, um representante da prefeitura de Ipú [cidade do interior do Ceará]. Eu e uma prima minha, professora da Universidade do Ipú, que veio pra fazer o apontamento da Ata. Empossamento do José Maria de Fortaleza, Júlio da Bahia. Depois eu empossei em João Pessoa: José Walter de Aquiles, que é irmão do Moraes Moreira, Roberto Brito, que é da Universidade de João Pessoa, João Pinto e João Dantas, que é secretário de cultura de Campina Grande. Antigamente eu dizia qual universidade que eu havia dado palestra. Hoje eu já posso perguntar em qual que eu não dei palestra. Porque eu não me lembro de nenhuma! A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é grande cliente já minha. Eu faço palestras lá sempre, principalmente na faculdade de belas artes e de letras, também de jornalismo, mas menos um pouco. Os meninos de jornalismo preferem as coisas na prática; eles vieram e filmaram aqui em cima e já viram as coisas na prática, já para usar.

D. M.: Como vivem os cordelistas de hoje?

G. F. S.: Isso tem vários aspectos, porque em tudo no mundo, em toda manifestação da inteligência humana existe o ruim, o médio e o bom. Você vê o Paulo Coelho, agora mesmo, na Europa sem nenhuma vontade de voltar para o Brasil, com uma super abundância de dinheiro, cercado de tudo que é mordomia, e o outro autor nem tanto; do mesmo modo acontece no cordel. Antigamente, e isso é questão de debate mesmo, que inclusive eu fui convidado agora pela Academia Brasileira de Letras para no dia 26 fazer uma mesa redonda sobre o Cangaço, uma coisa do nordeste, então o que acontece… Antigamente você chamava um repentista pra cantar. Isso é que as universidades hoje em dia têm que saber, a gente chamava o repentista quando daqui a pouco apontava um rapaz lá na esquina, um matulão de um lado e a viola de outro, andando vindo dolorosamente na direção, era o repentista que vinha cantar pra gente. Hoje você chama um repentista do porte de um Geraldo Amâncio, de um José Maria, de um Flávio Teles, de um Miguel Bezerra, aí daqui a pouco risca um carro do ano aqui na frente:”Rapaz você já trocou de carro?”. Já rapaz: “sabe o que é Gonçalo, aquele carro fox eu simpatizava com ele, mas quando comprei, eu vi que veio com vários defeitos de fabricação e eu nem ia trocar agora, mas já que veio com defeito de fabricação eu resolvi trocar logo pelo modelo de 2012″. E é isso que as pessoas tem que saber, porque se não fica que nem aquela coisa, do jogador de futebol, jogou, depois morreu bêbado na sarjeta, foi socorrido por populares, e hoje os jogadores de futebol que  tem a metade do futebol daquele tem empresários, a imprensa acerca, quer dar entrevista. Tudo muda, muda muito; e o progresso quando ele vem, ou você obedece ou é esmagado por ele, e ele não perdoa. Então quando as pessoas ainda estão com a mente escravizada… Há um caso de 40 anos antes, quando convidava um repentista, pensava: “ele vem cantar de graça, ou então a gente faz uma vaquinha de cinquenta cruzeiros, cinquenta reais pra ele”. Não é aquele que você vê agora que vai cantar, aí: “quanto é a cantoria?”. “cinquenta mil.” Aí o dono que fez a apresentação, cobra entrada das pessoas, só arrecadou quarenta mil, tem que colocar mais um do bolso e pagou, porque na verdade faz porque gosta. Então essa é a diferença: hoje um cordelista de grande porte, esse é o repentista… Eu acabei de falar do carro do ano e tudo mais. O cordelista de grande porte assim do nível do Gonçalo, do Manoel Monteiro, do Arievaldo Viana, são autores que vivem tranquilamente, sem qualquer tipo de problema, tanto é, que já tem a grande vantagem de não ter a ambição de ser rico. Isso já é bom demais, porque ao poeta vestindo o que quer, comendo o que quer, viajando sem problema como quer. Pronto! Pra ele já tá bom! Não tem o interesse de amealhar fortuna. Pra que um poeta quer fortuna junta amealhada, se ele sabe que é uma ferramenta da natureza e não elemento. Deixa para os economistas, para os poetas não. Então no meu caso, eu graças a Deus, tenho três clientes, escrevo para três editoras, uma dela em Fortaleza, a IMEP; faço os meus folhetos ainda. Faço meus folhetos ainda, e muitos. Mas a arrecadação de dinheiro está aqui [nos livros], editada aonde? IMEP, Fortaleza, lá na Aldeota; lá a Lucinda, ela mesma tem equipe pra tudo, ela tem ilustrador, tem o Gonçalo, naturalmente, o autor do texto, então isso aqui, eu ganho 10% nas vendas; ela vende cinquenta mil dessas para uma prefeitura, aí eu vou ganhar 10% e cada livro desses custa vinte sete reais e oitenta centavos. Cinquenta mil vezes vinte sete reais e oitenta centavos. É uma boa grana. Então dá pra gente viver com tranqüilidade. Essa é uma editora, essa aqui já é outra, essa aqui já é a Editora Ensinamentos, de Brasília. Ela faz os meus livros bilíngües. Esse aqui [Gonçalo aponta para um de seus livros] está bilíngüe: português-espanhol. E detalhe: é pra ir para as escolas. Essa aqui é a minha editora no Rio de Janeiro. Editora Novele. A distribuidora dessa editora é em São Paulo, a Florescer. Foi essa editora, que vendeu os livros dessa minha coleção Ciência em Cordel, que está saindo em doze volumes, para a Prefeitura de São Paulo. Então eu posso lhe dizer que os poetas do nosso nível em diante não são ricos, mas vivem sem problema. Tipo assim: vai fazer uma palestra na UFRJ, quanto é? Mil reais. Me pegam aqui. Vou fazer a palestra e me trazem de volta aqui, sem problemas. Antigamente os poetas, mesmo como o Patativa do Assaré, nosso Patativa do Assaré, ele não tinha esse suporte todo. Primeiro ele não tinha sobre as costas o peso de uma cultura formal. Ele era um homem que sempre escrevia certinho em uma parte da memória e outra não. Assim somos nós quando não sabemos. Somos nós quando não temos uma formação superior, somos assim; escrevemos bem ainda nos módulos, mas tem uma coisa… É uma concordância verbal, é uma colocação de pronomes, até mesmo errar uma palavra e tudo mais. Tudo porque nós somos inteligentes, mas nós não temos sobre as nossas costas o peso de uma cultura formal. No nosso caso quando uma editora nos contrata, ela nos contrata, como disse Olavo Bilac, “com a alma pura e o coração sem susto”, sabendo que nós sabemos fazer livro com qualidade, e não é pra menos! Ela não vai pegar um texto desses e dizer: “e rapaz, vamos ver o que o Gonçalo fez. Caramba será que o Gonçalo não errou?”. Não! A editora quando me contrata já sabe que eu vou entregar tudo certo! Porque, por exemplo, acabei de fazer essa coleção ciência “O sistema Solar”, olha como é que está o sistema solar porque eu acabei de escrever hoje, acabei de fazer a redação hoje. Faço aqui nessa mesinha quando estou aqui no Rio. Faço aqui nessa mesinha. Olha como é que está o Sistema solar em rascunho. Mas o livro está todinho aqui já. Aí você vê o sistema solar: “É em nome da cultura todo trabalho que faço/O progresso da ciência eu acompanho passo a passo/Principalmente ao que se trata da conquista do espaço”. O editor está vendo que o camarada está falando com propriedade, está fazendo exatamente o que ele não tem condição de fazer, é o que falta pra ele. “Quando nós observamos a noite o céu estrelado/Todo o espaço celeste de estrelas povoado/ Estamos embevecidos olhando para o passado”. Quer dizer, essas estrelas que nós estamos vendo não existem mais, viveram á bilhões de anos; não existem mais; nós estamos vendo a sua luz. “Viemos dos tempos príscos das eras primordiais/São os átomos encontrados nos corpos dos animais/Proveniente de estrelas que já não vivem mais”. Então o editor lê, utiliza várias vezes a palavra “caramba!”, mas com admiração, não é: “caramba, poxa, será que deu mole?” Não é? “Caramba”, de admiração. E aí vai vindo, vai vindo. Aliás quando eu terminei ontem à noite tava muito ruim aqui, e eu terminei até aqui: “Fizemos breve relato sobre o sistema solar/ No qual encontra-se a terra, nosso querido lar/É uma gota diante do que nos falta estudar”. É dizendo para o aluno, dizendo para o professor, isso aqui vai pra mão do professor que vai fazer uma análise para a sala e depois é que o aluno vai tomar conhecimento; mas isso aqui eu estou realmente falando à todos dois, aluno e professor, ao final da aula: “Fizemos breve relato sobre o sistema solar/No qual encontra-se a terra, nosso querido lar/É uma gota diante do que nos falta estudar”. Aí eu coloco as tabelas das viagens espaciais, das épocas, sistemas. E esse é o volume que completa aquela coleção de doze volumes. E aqui termina dizendo: “Dez sextilhões de estrelas/Bilhões delas à distância/Sob as quais conservaremos obscura ignorância/O número astronômico mostra/Nossa insignificância”. A gente vê tudo grande aqui, mas na verdade a Terra não é vista nem como um grão de areia em relação ao Universo. Dez sextilhões de estrelas, ou seja, você escrevendo o número,
daria uma volta nos campos só de algarismos, números; só pra dizer o número de estrelas que existe no universo. Aqui a tabela que eu já fiz, olha como o trabalho é criterioso, aqui é a Tabela: Nome: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, Plutão não mais, Plutão já caiu, virou “plutóide”, ou seja, planeta anão. E aqui as distâncias. Distância média do Sol: milhões de quilômetros, diâmetro equatorial, quilômetros. Evolução: dias, rotação/dias; Temperatura: graus centígrados; Satélites, e aí eu ainda digo em baixo: 1) desde o dia 24 de agosto de 2006, Plutão passou a categoria de planeta anão, e depois, 11 de junho de 2008, foi designado como plutóide; 2) a rotação de Vênus e Urano é reversa. Isso é que é um verdadeiro desafio que a natureza faz. Os planetas giram em sentido horário, com o Sol no meio, e eles girando em sentido horário. Vênus faz o contrário. Netuno faz o contrário. E o dia de Vênus é mais longo do que o ano. Tudo isso a gente passa para o cordel. Nós temos ainda poetas escrevendo coisas muitos simples, que eu escrevo coisas muito simples, principalmente porque eu tinha exposição, e, quando você tem exposição você tem que ter de tudo: humor, até mesmo o que nós não gostaríamos de escrever e tudo mais, mas realmente eu alcanço a plenitude do meu estilo, quando falo de ciência. Eu sou amante da ciência! Depois vem o Cangaço, por ser um tema brasileiro e que poeta algum consegue fugir a tentação de convergir para o Cangaço, daí porque me convida para dá esse tipo de palestra.

D. M.: A literatura de cordel foi caracterizada como um meio de comunicação de massa e popular. Qual a sua opinião sobre isso?

G. F. S.: Verdadeiramente, a literatura de cordel quando começou, ela realmente se propôs a ser notícia, ser comunicação. É tanto que a literatura de cordel ensinou o nordeste a ler. Nenhum outro veículo, escola – se houvesse escola no tempo – foi tão eficiente para o aprendizado do homem do nordeste como o cordel; inclusive ele é chamado como Livrinho de Athayde, porque realmente ensinou o nordeste a ler. A literatura de cordel foi a responsável por isso… Milhares de nordestinos, inclusive eu, aprenderam assim. Foi um veículo de suma importância, depois a segunda grande importância da literatura de cordel foi se transformar em jornal; porque foi o veículo de maior entre os camponeses. Poderia até sair [a notícia] no jornal da capital, e os camponeses só acreditavam se saísse em cordel. “A morte do Getúlio Vargas”, “A morte do…”, enfim, os grandes acontecimentos do Brasil e do mundo, quem ratificava a notícia, com segurança, era o cordel. “Não, eu só acredito se sair em cordel. Isso é conversa de jornal, rapaz. Vocês tão com conversa e conversa de jornal. Eu só acredito se sair em cordel!”. Pra você vê a importância da literatura de cordel. Outro dia chegou aqui um grupo e perguntou: “Gonçalo o que é que você acha da literatura de cordel na internet? Se você achar legal faça um martelo”. Você sabe o que é um martelo, né? O martelo é uma composição, de uma estrofe com dez versos de dez sílabas. Aí eu fiz o martelo, e dei pra eles. Fiz e gravei logo, porque eu podia fazer uma palestra e no momento eu… Aí eu disse: “Filho amado da mente nordestina/Sempre teve o cordel grande sucesso/Cavalgando no dorso do progresso, mas fiel a escola Leandrina/Muitas vezes saía da oficina, como notícia de impacto social/Foi aí que o cordel se fez jornal/Na linguagem padrão e não a culta/Sendo a paternidade absoluta/Pode mesmo o cordel ser virtual”. Então acaba com a charada. É claro que sou amigo do progresso. Eu seria um maluco pra contrariar o progresso, ouviu? Aí você vê a importância da Literatura de Cordel como veículo de comunicação, como jornal e como um instrumento de ensinar. O povo aprendeu ler no nordeste um pouquinho com a bíblia, mas basicamente com o cordel. Hoje em dia ainda você vê os centros culturais dizer: “Puxa, mas o poeta não manda o cordel!”. O poeta não escreve pra mandar pra ninguém. O poeta não vai se lembrar de escrever o cordel, colocar no envelope pago e mandar para o centro cultural, para a Casa de Rui Barbosa, para a Biblioteca Nacional, não. Ele escreve o folheto pra ele ler no fim de semana para os amigos, na feira do fim de semana. “Rapaz, veja aqui o que eu acabei de escrever e tal”. Faz aquela roda e ler. Atualmente já tem aqueles que até se preocupam, porque pedem muito a questão da data, quando terminar de escrever o cordel colocar a data, o mês e o ano e tal; os poetas passaram a se preocupar um pouco. Aqui com a Academia, agora, eles mandam cordel toda semana, mas é porque eles sentem que isto é uma coisa deles. Biblioteca Nacional, Casa de Rui Barbosa, eles acham pompa demais para a modéstia do trabalhinho que fazem. O trabalho que fazem é muito importante, mas não é assim que eles pensam. Escrevem para eles. É pra divertir. Isso mesmo! Pra divertir e aí aproveita e ensina, né? Porque os folhetos da época do Athayde – porque foi o maior editor de literatura de cordel no nordeste – então no tempo dele é que se disseminou a literatura de cordel pelo nordeste. Porque a produção dele abarcava os nove estados do nordeste; as principais cidades dos nove estados do nordeste. Ele tinha os revendedores que ele chamava de agentes. Aí um agente editava cinqüenta mil [cópias da história do ex-presidente da República] Getúlio Vargas. É um fato circunstancial, de grande impacto social. Aí os folheteiros iam lá e pegavam cem, duzentos e espalhava aquilo ali pelos estados do nordeste.

D. M.: Qual a influência dos demais meios de comunicação (TV, internet, etc) na utilização do cordel nos dias atuais? Favorece ou desprestigia o cordel?

G. F. S.: Tudo tem uma questão de interpretação, não é, Daniele? Porque se a Literatura de Cordel tivesse os avanços como adversários e não como aliados teria se dado mal. Mas a Literatura de Cordel, quando chegou o rádio, a literatura de cordel teve o rádio como aliado; chegou o rádio de pilha, a Literatura de Cordel fez o mesmo, cavalgou sobre as ondas eletromagnéticas do rádio de pilha. Chegou a televisão, ora! Vamos nos associar a um invento que leva a imagem e som ao mundo todo, e foi pra televisão. Não é a toa que nos aqui temos noventa e seis programas gravados, que começou em videocassete e agora tá passando tudo pra DVD. Não foi à toa! Agora a internet, é muito cedo; o mundo inteiro toma conhecimento, porque vai para o site da Academia, o site aponta o blog, o blog leva pra outros blogs que são criados e agregados a ABLC, e o martelo ganha o mundo. “Ih, rapaz, a Academia é moderna mesmo, é avançada; olha, está andando junto com a internet, né?” E há as pelejas virtuais; debates poéticos virtuais; as pelejas virtuais; peleja de Cleverson Viana com outro poeta virtual. Um diz uma estrofe aqui no monitor, joga, e o outro responde aqui. Isto é a peleja virtual. Às vezes fica até ali mesmo, e outras vezes eles tiram no papel e fazem o folheto. Quer dizer então que a Literatura de Cordel teve o trabalho… Não, o trabalho não; o cuidado de aliar-se ao progresso e não tornar-se adversário dele. É lógico que depois do rádio de pilha; depois desses avanços a gente caminha junto nesses avanços; só que a literatura de cordel alcançou, porque alcançou com qualidade. A literatura de cordel não voou do barbante para as salas das universidades pelos seus belos olhos; voou por qualidade. E hoje a literatura de cordel está nos corredores acadêmicos, nas salas universitárias; mas pela qualidade. Você lê e você não tem como contestar isso. A história é muito clara: peguei aqui Corpos Celestes – em Corpos Celestes está Copérnico, o físico polonês – está aqui Galileu, físico italiano; e aqui está Constelação que é o projeto da NASA que foi criado para levar o homem de volta a Lua, a Marte e outros destinos no Sistema Solar; Aí você lê Copérnico: “No tempo de Nicolau/Apenas os suicidas/Sabendo que pagariam com suas próprias vidas/Questionariam normas/Antes estabelecidas”. O que estou dizendo é exatamente uma coisa que era o pensamento da igreja na época, e o aluno que está lendo diz: “Caramba!”, e o professor diz: “Rapaz!”, “Pois a igreja/Temendo a humana evolução/Considerava a ciência/Verdadeira maldição/Portanto grande inimiga/Do pensamento Cristão/A conclusão perigosa/A que Copérnico chegou/De que o Sol/É o centro do sistema o fascinou/Pois só pouco antes da morte/Por precaução publicou”. Vocês que são estudantes já sabem muito bem… E Galileu, mentiu, porque ele fez uma análise dele mesmo e viu que ainda tinha muita contribuição a dar para a ciência, portanto, não ia se entregar a fogueira desnecessariamente. Então é isso: a Literatura de Cordel chegou com qualidade, de maneira irrespondível. Não há quem possa dizer: “Não, mas isso aqui, num sei o que, não!”. É claro que ela começou capengando, como toda e qualquer manifestação do pensamento humano que começa capengando. Um dia, há muitos anos, vocês ainda não tinham nascido, um aluno perguntou pra mim: “Mas  Literatura de Cordel, não é aquilo que os ceguinhos cantavam no pé dos vegetais, com feição de concha, implorando a caridade pública?” Ele disse assim, com o pensamento de me desestabilizar, agora imagine como ele é pobre coitadinho, porque se eu vou para um salão que está discutindo ciência, eu vou exatamente contestar um cientista, no mínimo eu sou maluco. Não é eu chegar num auditório, para fazer uma palestra sobre Literatura de Cordel, o aluno querer desestabilizar o orador. Não tem condição! Aí eu disse: “É sim, a literatura de cordel começou assim, quando você começa você é nu, você só faz é chorar; depois é que você vai se desenvolver até ficar o homem que você é, mas começa assim”. A Literatura de Cordel começou assim também: começou engatinhando penosamente, até porque ela chegou na mala dos nosso colonizadores portugueses na Bahia, sem nome. Tinha deixado na herança peninsular o nome de folhas soltas; pliegos sueltos na Espanha, e folhas soltas em Portugal. Mas se desfez dessa identificação e começou no Brasil tudo de novo; e caminhou sem nome, até a chegada de Gregório de Matos [considerado o maior poeta barroco do Brasil e o mais importante poeta satírico da literatura em língua portuguesa do final do século XVII); naquele tempo ele deu à literatura de cordel o nome de poesia popular erradamente porque a Literatura de Cordel não tem o compromisso de ser poesia; ela é uma manifestação cultural narrativa. Muito rica em sua narrativa. A poesia aparece aqui e ali, nos momentos mais sublimes dos autores, mas ela não se propõe a isso; ela é narrativa. Uma narrativa que escraviza, que você não tira os olhos do texto. É a beleza do texto de cordel. Mas falando de bons poetas, não é, porque por aí você encontra coisa que não é bem assim ainda, mas eu quero dizer de bons poetas. Duvido que você leia o Holocausto dos homens nus, de Manoel Monteiro que você tem que ter cuidado se não você passa do ponto do ônibus, porque o texto realmente prende.

D. M.: Atuamente quem é o público do cordel?

G. F. S.: O público é muito variado. Esse público fica mais homogeneo, a partir do instante em que o cordel entra na escola. Essa coleção aqui [aponta para uma coleção de LC para estundantes de ensino fundamental] foi feita para o público infanto-juvenil, mas como vocês sabem a Literatura de Cordel é muito gostosa de ler em qualquer idade. Aí já é outra coisa. O texto foi destinado a uma linguagem… O texto foi destinado ao público intanto-juvenil. É este público que eu estou dizendo que basicamente… Então o público da Literatura de Cordel fica mais homogeneo quando o cordel entra na escola. Fora da escola você é admiradora do Cangaço, compra o Lampião; você ama a ciência, coleção Ciência em Cordel, todos do Gonçalo, essa aqui é a pessoa que ama ciência. Têm pessoas que amam a ciência de tal maneira que chega ali pega, vai pegando, vai pegando, vai pegando, quando chega pergunta assim: “Não tem tal [cordel]?” Eu digo assim: “Não tem ainda”. Porque se tivesse levaria. Estava levando um de cada e se tivesse mais o que procurou, ainda levaria. Esse é um público diferente; um público que ama ciência e associa esse amor ao texto do cordel. Eu vou ler em cordel. Eu estava até fazendo em uma ocasião uma palestra na Faculdade de Letras da UFRJ, lá no prédio mesmo da Reitoria; nós estavamos fazendo essa parte de ciência; chegamos em Arquimedes, aí eu disse: “Disse Arquimedes enquanto fazia em um traço/Com uma alavanca e um ponto de apoio no espaço/Posso suspender o mundo/Em meus braços…”. Essa passagem de Arquimedes muita gente conhece, mas é bem mais bonita em cordel. Além de dizer uma verdade eterna, ainda tem a beleza da literatura de cordel.

D. M.: Qual o público-alvo da ABLC?

G. F. S.: O público da ABLC é heterogeneo também, por causa disso, porque ela atende a muitos tipos de interesse. Quando uma pessoa faz uma festa de São João vem comprar cordel muitas vezes pra enfeitar com cordel. Vender e enfeitar, basicamente. É pra enfeitar mesmo. Agora mesmo eu vou ser homenagedo na cidade de Ipú, na minha cidade, e eles pediram pra eu mandar duzentos folhetos pra distribuir lá. Eu fiz até uma edição em homenagem a cidade de Ipú e vou mandar pra eles. E assim eu acho que o público tanto da Academica quanto da Literatura de Cordel, de maneira mais global, é muito heterogêneo, porque há muitas tendências. Chega aqui pessoas que amam o messianismo, a crendisse popular, vai pedir: Antônio Conselheiro, Padre Cícero, O Grande exemplo de Jesus,  Chico Xavier. Chega outro que quer sobre o Cangaço; que vai querer tudo sobre Cangaço. Quer dizer, é muito difícil determinar um público. Realmente a Literatura de Cordel atende a muitos e muitos interesses. Tanto é diverso o público como a diversidade na Literatura de Cordel é proporcional de uma coisa a outra.

D. M.: O que fomentou a criação da ABLC?

G. F. S.: A academia foi fundada no dia 7 de setembro de 1988. Está com vinte e três anos.É adulta, né?! Teve dez anos de gestação, porque a Academia foi fundada depois de um criterioso estudo para não haver qualquer dúvida sobre a questão de ser uma instituição vitoriosa. A academia, é assim, pra fornecer informações mais completas; para ser mais consistentente. Eu, sendo funcionário da rádio MEC, onde me aposentei, e ali eu já lidava com pessoas importantissimas, fui colega de sala do Carlos Drumont de Andrade, Paulinho Aiala, Dinah Silveira de Queiroz, Raquel de Queiros, Maluh de Ouro Preto, e outros gigantes da cultura. E aí na parte do teatro nós éramos colegas do Sadi Cabral, Mário Lago, Maria Pompeu, Celina Ferreira, Paulo Autran. Esse pessoal, né?! Na parte de música nós eramos muito amigos de maestros do porte do Eleazar de Carvalho,  cearense; de um maetro Isaac Karabtchevsky, Edino Krieger, Alceo Bocchino; Abigail Moura, das peças afro-brasileiras; Isaac Karabtchevsky da orquestra sinfônica brasileira. Esse tipo de gente com quem eu lidava. Nós éramos amigos do Paulo Beth Campos, do Paulo Corrêa. Tudo gente daquela época, que já faz muito tempo. Quando pensei em fundar a ABLC, eu consultei essa gente toda. Nós éramos grandes amigos de figuras importantes da Academia Brasileira de Letras. É tanto que eu já fui candidato lá. Sabia que ia perder porque não queria ser candidato. Eu fui levado pelo colegiado, porque eu fui presidente, como ainda sou desta Academia. Eu fui presidente da Academia cearense. O que acontece: os dois colegiados eram… Eram não! São ainda numerosos e fortes, e mandaram o meu nome para a Academia Brasileira de Letras e eu cumpri aquelas formalidades todas de mandar livro editado acompanhado de currículo e tudo mais, mas eu sabia que não ia ganhar do Paulinho; porque o Paulinho já estava bem; já estava muito bem. É o Paulo Coelho. Naquele tempo um grande amigo meu, era diretor do Centro de Pesquisa da Casa Rui Barbosa, e, aí eu fui no dia 7 de setembro de 1978. Fui à feira de São Cristovão, e quando cheguei lá eu encontrei os artistas em situação subumanas, cantando diante de caixas de som estrategicamente colocadas para acabar com o som da viola deles; o suor escorrendo no rosto e o som das violas longe de vencer o barulho das caixas de som gigantes que colocaram ali. Os cordelistas vendendo nos tabuleiros, com as grandes empresas chegando e com sacos empurrando a banca; a banca rangendo pra lá e pra cá; eles querendo espaço, e o pobre do cordelista querendo ficar com a banca dele ali. Eu achei aquilo criminoso. Voltei com essa ideia, já pensando em criar uma instituição. Daquele dia em diante começou o estado de gestação da Academia, que durou dez anos. Quando foi exatamente no dia 7 de setembro de 1988, dez anos depois, fundei a ABLC. Fundamos porque institui uma diretoria; redigimos o estatuto; levamos ao cartório de pessoa jurídica. Foi criado um grupo pra isso, mas nós tivemos o cuidado de fazer uma analise criteriosa das coisas. Eu me reuni com tanta gente que eu nem me lembro mais na Academia Brasileira de Letras. Falei com vários contatos lá: Rachel de Queiros… A Rachel de Queiros era uma pessoa muito boa. Rachel, quando ela ficou velhinha, foi pra morrer logo porque enquanto ela estava na ativa na Revista Cruzeiro ela era uma pessoa muito dinâmica e o apartamento dela, o prédio tem o nome dela, Edifico Rachel de Queiros. Eu fui lá fazer documentário algumas vezes, e algumas vezes a gente ia pra conversar mesmo, pra bater papo. Ela sozinha lá; eu quero dizer sem um escritor, sem ninguém lá; só um quadro de funcionários pra servir a ela. Ali eu fui amadurecendo, amadurecendo até que vai fazer dez anos no dia 7 de setembro, e eu vou aproveitar a data pra fundar a Academia. Nós nos reunimos. Um político nos deu apoio nos emprestando um andar num prédio em frente à Central do Brasil, num banco. Banco Itaú. Lá no terceiro andar arranjou uma sala, fundamos nossa academia.

D. M.: Vocês encontraram alguma dificuldade para criação da ABLC?

G. F. S.: Muitas dificuldades. Dificuldades financeiras lógicas e dificuldades de se construir um quadro [de pessoas], porque uma instituição só é instituição se tiver o seu colegiado; se não tiver [um quadro de pessoas] não será. Será um botequim ou uma coisa qualquer que eu encontro com você aqui, com você ali e não sei o que, mas não é uma instituição que tem reuniões regulares, que tem atas de registro enfim, muita coisa pra ser uma instituição. O nome Academia Brasileira de Literatura de Cordel foi também tomado com muita precaução, porque se fosse Academia Brasileira de Cordelistas teria fechado; se fosse Academia Brasileira de Repentistas teria fechado; pra ser o que ela é hoje em dia, com o nome que tem no mundo todo, ela teria que ser a Academia Brasileira de Literatura de Cordel pra ter uma abrangência capaz de atrair pessoas como você, como o grande poeta, como o grande repentista, como o grande gravador, como o grande pesquisador interessado no registro da Literatura de Cordel nos meios de comunicação e de preservação da Literatura de Cordel; porque se não fosse assim, não teria sido a instituição que é. E isso eu preguei na Academia Cearense: “Vocês não podem ser tão grandes quanto à Academia Brasileira de Literatura de Cordel pela própria abrangência da ABLC ser de amplitude nacional. Vocês aqui [no Ceará] são uma academia estadual. A constituição de um prazo é mais difícil; os valores não são os mesmos que a gente possa adquirir desde o âmbito nacional para a estreiteza do âmbito estadual. Todas essas limitações de uma instituição local…

D. M.: Porque vocês escolheram o Rio de Janeiro como sede da ABLC?

G. F. S.: Nós não escolhemos. Nós morávamos aqui. Se morasse em Brasília seguramente a sede seria em Brasília; se morasse em São Paulo, seguramente seria em São Paulo; se morasse em Recife, seguramente seria em Recife. Então a sede é onde eu estava. A sede da Academia fica no rio de Janeiro, o coração fica no Ipú. Eu amo a minha cidade. Ipú no Ceará é uma miniatura do Rio. Situada entre a serra e o mar como o Rio. O padroeiro é São Sebastião como o Rio. O monumento não é uma cruz, é um Cristo como no Rio, só que com as proporções necessárias. Mas é uma miniatura do Rio de Janeiro. Eu amo o Ipú de tal maneira que uma vez eu fiz um discurso lá e disse para o prefeito: “vocês são PMDB, aquele outro é PSDB, o outro é PSD, eu sou Ipú. Eu sou o que for bom pra minha cidade”.

D. M.: Quais são as atividades da ABLC como instituição?

G. F. S.: Elas variam de ano para ano, porque essa questão de atividades está mais presa aos projetos do governo. Nós agora fizemos um projeto que se chama “Encontro dos Poetas Populares e de Roda de Cantoria” que envolveu o mês passado. Alcançou o auge. Na quinta, na sexta e no sábado fizemos a plenária de encerramento aqui encerrando as atividades do Encontro dos Poetas Populares e de Roda de Cantoria. Aqui ainda tem as tardes festivas de sábado onde é servido baião de dois. Esse tipo de coisa assim… Mas a academia nesse ponto guarda as características realmente do nordeste. Não nega sua vertente mais forte que é o nordeste. Enquanto lá na Academia Brasileira de Letras é o chá, aqui é o baião de dois.

D. M.: A ABLC possui um rico acervo de folhetos e xilogravuras. Em relação a isto, como é o acesso?

G. F. S.: No momento está assim, na catalogação… A sala de catalogação e o centro de referência estão ocupados com esse trabalho. Pra você ter uma noção, a gente tem um prelo de 1880 que passou um mês na televisão, nos Detetives da História, porque eu afirmei que o prelo foi utilizado por Leandro Gomes de Barros [poeta de literatura de cordel do século XIX) e ele pra se certificar que eu não estava mentindo veio aqui e disse: “Bom, Gonçalo, se você não estiver mentido é muito simples: nós vamos fazer uma pesquisa pelo Brasil todo até certificar que isto é verdade e se esse prelo foi usado por Leandro Gomes de Barros em 1889”. Eu ajudei ele ir ao nordeste. Falou com a diretora, uma pesquisadora da Fundação Casa Rui Barbosa, e a pesquisadora disse: “Olha, eu acho muito difícil, muito difícil esse prelo ter sido usado pelo Leandro”. E ele falou isso comigo aqui, mas eu falei: “Pois é, mas você escreveu isso e não foi feliz, porque quem falou isso não foi Gonçalo, quem falou isso foi uma instituição que fez essa afirmação. Eu estava falando em nome da instituição, não é uma brincadeira. Não é algo que a pessoa diga de forma aleatória e irresponsável, foi em nome de uma instituição”. Ele voltou aqui com a crista meio baixa. Voou pra Fortaleza. Em Fortaleza foi à casa do Arievaldo, que tem um grande acervo e é um grande admirador do Leandro; aí o Arievaldo disse: “Olha rapaz, eu não posso afirmar que foi, mas agora só tem uma coisa, se o Gonçalo afirmou que foi é porque as possibilidades são enormes de ser; porque ele não é de falar uma coisa de maneira irresponsável. Além do mais, ele é o presidente da Academia”. Mas de qualquer maneira, ficaram resquícios de impossibilidade. Mas se você busca a verdade, vai encontrar a verdade lá em Juazeiro do Norte, lá com Lourenço, que lida com esse material do tempo do Leandro. Ele foi chegou lá em Juazeiro, procurou a Lira Nordestina, a sucessora da Tipografia São Francisco. Aliás, eu tenho aqui uma foto, ele é um documento histórico, uma testemunha da história. Ele chegou lá. Procurou o Lourenço e o Lourenço disse: “Você vem do Rio? Porque o lugar onde sabem bem disso é na ABLC. É na Academia Brasileira de Literatura de Cordel”. Aí o detetive disse: “Rapaz, mas nós já viemos de lá. O prelo é esse aqui de 1880”. O Lourenço disse: “Rapaz, se você não tiver mentindo, você tem aí algum tipo?”. O tipo que ele chama é a letrinha. E o Lourenço tirou o saquinho de conto do bolso, tirou um tipo do bolso. “Tem um A maiúsculo?”. O Lourenço entregou um A maiúsculo e ele confrontou lá e disse: “Sim, esse prelo foi usado por Leandro Gomes de Barros”. Ele voltou todo feliz aqui: “Caramba, Gonçalo, caramba! Utilizou a palavra “caramba” umas dez vezes, porque eles saíram vitoriosos com a pesquisa. Então é isso: o trabalho aqui de preservação é de cerca de treze mil títulos de cordel. Lá o estoque está chegando a cerca de duzentos mil folhetos de cordel. É o estoque que abastece as cordeltecas espalhadas pelo Brasil, que nós temos de avanço nesses quinze anos de cordeltecas espalhadas pelo Brasil com o verso avançado aqui da ABLC.

D. M.: E qual o impacto que a ABLC causa na sociedade ao proporcionar a preservação desta tradição? Como vocês vêm a contribuição da ABLC para garantir esta preservação?

G. F. S.: As notícias vão normalmente aqui e ali. Não é uma coisa contra a outra, como no caso da novela das seis que muita gente me faz a pergunta; a Academia não foi inspirada na novela e sim a novela inspirada na Academia. É tanto que os profissionais da TV Globo vieram aqui colher tanto material humano, como material de ilustração, para aquelas vinhetas que você vê e foram feitas aqui, e tudo isso. Então a gente tem sim. A gente acompanha passo a passo a importância da Academia do ponto de vista da comunicação como um instrumento de cultura. E isso eu acredito que a academia instalou. Nós estamos com representação fora do Brasil, em vários locais no Instituto Datilográfico de Nicho Otelo, na Suíça francesa; nós temos uma exposição permanente, lá no Instituto Datilográfico. Nós temos a nossa assessora de imprensa Adriana Cordeiro. Ela tem uma pequena exposição dentro da Universidade Autônoma de Barcelona, onde ela está terminando o curso de doutorado, e nós temos uma estante, não uma cordelteca, uma estante só no Museu Nacional de Kyoto, no Japão. E eu acredito até que quando eu passar para o andar de cima, que não demora mais, tanto que estou até nos acréscimos, eu acredito que eu vou deixar o mundo impregnado de Literatura de Cordel. Do mais modesto município do Brasil ao Museu Nacional de Kyoto no Japão, vou deixar o mundo impregnado de Literatura de Cordel. Deus, na sua infinita misericórdia, me dê mais algum tempo. Também eu não estou aqui querendo fazer um questionamento com ele, porque se for pra eu ir daqui a dez anos, a dez minutos também está de bom tamanho. É com ele mesmo.

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